Tramoias da Moderna e suas patentes sul-africanas
A sede por lucros pode condenar bilhões de pessoas aos horrores da covid, denuncia o jornal Peoples Dispatch. Vacinas e medicamentos continuam a favorecer os mais ricos e deixam os mais pobres sem acesso, reforça Médicos Sem Fronteiras
Publicado 09/03/2022 às 06:30 - Atualizado 08/03/2022 às 22:02
A ameaça cresce à medida que se fala no fim da emergência pandêmica nos próximos meses, porque os países de renda média e baixa continuam desprotegidos, em larga medida, por falta de acesso a socorros médicos como vacinas, tratamentos e equipamentos de saúde. O jornal Peoples Dispatch denuncia que todos os esquemas para ampliar o acesso não funcionaram. As grandes farmacêuticas, diz o jornal, continuam a privilegiar os mercados globais mais abastados e não cumprem as promessas de suspender seus direitos de patentes para que outros fabricantes possam ampliar o fornecimento de produtos essenciais à sobrevivência das populações menos abastadas e essenciais também à contenção da proliferação viral.
Um exemplo desse pouco caso é a americana Moderna: suas patentes podem impedir que a África do Sul aumente a produção de vacinas, destinando-as especialmente aos africanos. Mas a empresa ignorou o apelo recente de grupos da sociedade civil sul-africana para retirar as patentes de sua vacina de mRNA registradas no país. Isso é o que prevê a lei internacional visto que a pandemia levou a um estado de emergência definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A Moderna também fez pouco caso do pedido para fornecer conhecimento técnico ao Centro de Transferência de Tecnologia de mRNA, estabelecido com ajuda da OMS na África do Sul. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) reforçou, mais recentemente, a pressão.
“Um modelo de desenvolvimento, produção e fornecimento de medicamentos baseado em monopólio”, afirmou em um documento, “representa uma barreira estrutural crítica que contribui para a desigualdade no acesso a ferramentas médicas”. O extenso portfólio de patentes, para o MSF, “constitui um campo minado legal para produtores alternativos”. As barreiras das patentes são uma preocupação de longa data, continua o documento. Impedem, por exemplo, a produção e o fornecimento de genéricos baratos, a preços acessíveis aos mais pobres. Prejudicaram o combate ao HIV, à hepatite C, à tuberculose, ao câncer e a outras doenças.
Antes mesmo da decisão sobre o fim da emergência sanitária, a Moderna mantém ao menos três patentes de vacinas de mRNA na África do Sul. Agora fala em encerrar a emergência no Hemisfério Norte, como declarou seu diretor médico Paul Burton. O mais provável, na opinião do People Dispatch, é um novo abandono dos mais pobres do mundo. A Moderna está expandindo vigorosamente seu império na Bélgica, Dinamarca, Holanda, Noruega, Polônia e Suécia, e em quatro países da Ásia, a saber, Hong Kong, Malásia, Cingapura e Taiwan.
Em 2021, construiu subsidiárias comerciais na Itália, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Suíça. Tem sustentado que não compartilharia sua tecnologia com nenhum outro fabricante. Chegou a anunciar planos para abrir uma fábrica de mRNA na África, mas nada aconteceu. Seus lucros estão concentrados em vendas nos países de alta renda e renda média alta, na proporção de 75% do total. Os países de baixa renda responderam por apenas 1% de suas vendas. Até 14 de fevereiro, de uma produção total de 760 milhões de doses, forneceu apenas 50 milhões, 7% de sua produção, ao esquema Covax, da OMS, que visa a aumentar o fornecimento de remédio aos mais necessitados.