Racismo: empresa privada é a última a combater

Novos estudos revelam como as universidades se transformaram, em duas décadas, com as políticas afirmativas. Mas também demonstram: formação de mais profissionais pretos e pardos não levou mundo corporativo a abandonar preferência por homens brancos

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Em duas décadas, as políticas afirmativas em favor de pretos e pardos mudaram a face das universidades brasileiras. Há muito ainda por fazer, mas ambientes antes marcados pela presença desproporcional de brancos estão se tingindo com as cores da diversidade étnica brasileira. A mudança estende-se à pós-graduação e a redutos antes intocados pelos não-brancos. Mas há uma exceção: os pretos e pardos não conseguiram, até hoje, romper a barreira de segregação racial nas empresas privadas. As peças publicitárias que estas corporações publicam estão cada vez mais cheias de negros, em geral caracterizados como “descolados” e bem-sucedidos. Mas fora da ficção e do marketing, é diferente: os postos de gerentes, executivos e membros dos Conselhos de Administração continuam a ser dominados, na proporção de 18 x 1, pelos descendentes de europeus.

Essas são as observações mais notáveis da matéria de capa da última edição da revista Pesquisa Fapesp, que acaba de ser publicada. Assinado por Christina Queiroz, o texto lembra que, nas universidades brasileiras, as políticas de quotas raciais e sociais estão completando vinte anos. Foram inauguradas, na virada do milênio, por três instituições estaduais – três do Rio de Janeiro (Uerj, Uenf e Uezo) e uma da Bahia (Uneb). Espalharam-se em seguida para instituições federais e se tornaram, em 2012, política pública, definida pela Lei Federal 12.711. Ela estabelece, no acesso ao ensino superior, uma sofisticada combinação de critérios de origem escolar (reduzindo o privilégios dos egressos de escolas pagas), social e étnica.

Para verificar o resultado dessas políticas, o texto de Christina Queiroz buscou e analisou um conjunto de pesquisas acadêmicas sobre o tema. O desembranquecimento é real e acelerado, mostra ela. Num período curto, em termos históricos, pretos e pardos, cuja presença era tradicionalmente muito minoritária, passaram a responder por 50,3% das matrículas no ensino superior (eles são 56,2% da população, segundo o IBGE). Em dez anos – 2009-2019, o número absoluto de pardos quintuplicou, como mostra o gráfico 1, acima. A presença não-branca insinua-se, aos poucos, em antigos bastiões de privilégio, como as faculdades de medicina (presença ampliada de 8,2% para 19,35%, entre 2012 e 2016) e até o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos-SP. Chegou à pós-graduação (veja gráfico 2, abaixo). Reverberou na produção de conhecimento (os não-brancos deixaram de ser apenas objeto de estudo).

Infelizmente, contudo, um território continuou reservado aos brancos: o dos cargos de chefia nas empresas privadas. É curioso. Resultado das pressões sociais, a publicidade das grandes empresas privadas usa cada vez mais, como personagens, os pretos e pardos. Mas, embora esses obtenham, como se viu, qualificação profissional cada vez maior nas universidades, continuam quase imperceptíveis nos postos dirigentes do mundo empresarial. Uma pesquisa do Instituto Ethos, citada pela reportagem de Pesquisa Fapesp, traz dados impressionantes (veja gráfico 3, abaixo). As 500 maiores empresas brasileiras admitem negros nos postos de trainees e aprendizes (onde são, respectivamente, 58,2% e 57,2% da força de trabalho). Mas este percentual cai para apenas 35,7% no conjunto do quadro funcional, e para míseros 6,3% nas gerências, 4,7% nos quadros de executivos e 4,9% nos conselhos de administração. Em média há, nestes últimos três postos, 17,57 brancos para cada negro.

Nas últimas décadas, a ideologia neoliberal tentou apresentar o setor empresarial como econômica e culturalmente avançado, diante de um Estado conservador e resistente a

mudanças. A reportagem de Christina Queiroz revela como, no terreno fundamental da igualdade étnica, tal construção não passa de fake news.

Imagem: Jessica Michels

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