Diabetes: o tormento dos pacientes e o lucro da big pharma

Novo relatório da OMS revela: metade dos portadores da doença, em todo no mundo, não têm acesso à insulina. Três corporações globais controlam e restringem produção

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Cerca de 420 milhões de pessoas – mais de uma em cada vinte, em todo o mundo – convivem com o diabetes – provocada por disfunções na produção de insulina pelo pâncreas, ou de em sua recepção pelas células do organismo. Em suas manifestações mais graves, a doença pode provocar colapso dos rins, cegueira, amputação de membros (especialmente os pés) e levar à morte. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no fim de semana, aponta a enorme desigualdade sanitária global relacionada à doença. Também denúncia a ineficácia do sistema de produção de medicamentos baseado em grandes corporações voltadas para o lucro.

Mais da metade dos pacientes de diabetes, mostra o texto, não têm acesso assegurado à insulina. A restrição não tem causas tecnológicas. O hormônio foi identificado há exatos cem anos – em 1921 – por médicos franceses e romenos. Interessados em permitir acesso aos portadores da doença, eles venderam a patente pelo valor simbólico de 1 dólar, conta o relatório da OMS. Mas três corporações farmacêuticas globais – Novo Nordisk, da Dinamarca, Eli Lilly, norte-americana e Sanofi, francesa – acabaram apropriando-se dela. Mantêm-na ainda hoje, por meio do artifício de “patentes secundárias” e são responsáveis, segundo a OMS, por 90% da produção mundial.

A dificuldade de acesso atinge em especial a África, o Sudeste Asiático e o Leste Europeu, prossegue o relatório. Mas não poupa os países ricos. Nos EUA, 25% dos pacientes têm dificuldades de adquiri-la. A forma mais moderna de apresentação são canetas plásticas, dotadas de uma pequena agulha para injeção. Cada uma custa entre US$ 130 e 160 (entre R$ 710 e R$ 880) e dura de sete a dez dias. No ano passado, viralizou em todo o mundo um vídeo breve em que uma jovem norte-americana contava ter gasto US$ 15 mil (R$ 80 mil) em poucos meses e lamentava-se pelas milhões de pessoas sem recursos para fazê-lo.

No Brasil, o SUS custeia integralmente o tratamento. Desde fevereiro de 2017, após luta dos pacientes, fornece-o na forma das canetas plásticas. Adquire-as, às milhares, da Novo Nordisk, que tem fábrica no país. Uma indústria farmacêutica reconstruí-la poderia fabricá-las, como enorme vantagem econômica e de autonomia tecnológica. O desfinanciamento do sistema, provocado pelo teto de gastos, já produz episódios de escassez. Em junho último, vinte secretarias estaduais da Saúde apontaram que a distribuição federal havia sido interrompida e o medicamento faltava nas farmácias do sistema. A distribuição foi restabelecida pouco depois.

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