Por um programa nacional de cuidados aos idosos

Sistemas de saúde pública ainda precisam reagir ao envelhecimento da população, ou não darão conta das condições próprias dessa idade. Estado brasileiro precisa estar à altura desse desafio, cobram pesquisadores e profissionais desse setor

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O efeito dramático da pandemia sobre a população de mais de 60 anos – faixa na qual se concentraram 75% dos óbitos, no Brasil, em 2020 – chamou a atenção para o total despreparo das sociedades em relação aos que chegam à última fase da vida. O vírus, com isso, deixou clara a necessidade de corrigir essa carência, simbolizada pela iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2020, de iniciar em 2021 uma “Década do envelhecimento saudável”. E inspirou uma reportagem providencial no site da Escola Politécnica Joaquim Venâncio (Epsjv/Fiocruz).

Com o título “Um país mais velho: o Brasil está preparado?”, o texto aponta que os problemas do envelhecimento requerem uma política que efetivamente garanta a presença do Estado em sua solução. De imediato, lança-se a demanda de um programa de cuidadores de idosos em âmbito nacional, com dotação orçamentária adequada e execução territorializada. Mais amplamente, pesquisadores e profissionais cobram uma política de “mudanças nas práticas, nos serviços e até na formação para o Sistema Único de Saúde”.

De acordo com Daniel Groisman, da Epsjv, o SUS historicamente privilegiou a assistência materno-infantil. “Agora, quando tem menos gente nascendo e mais gente idosa, com um aumento das doenças associadas ao envelhecimento, das doenças crônicas degenerativas, você precisa reorganizar o sistema para dar conta dessas situações”. Não é de hoje, de fato, que o envelhecimento brasileiro se tornou um desafio para as políticas sociais, lembra o texto na Epsjv.

“Eu acho que a pandemia revelou as mazelas que a gente sempre teve e não queria enxergar”, diz, por exemplo, Yeda Duarte, professora da USP e coordenadora do estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (Sabe) no Brasil. “Ninguém quer ouvir”, ecoa a geriatra Karla Giacomin, presidente da Frente Nacional de Fortalecimento às Instituições de Longa Permanência, criada no contexto da pandemia, informa o texto da Epsjv. Ela tem posição incisiva: “É muito importante que as pessoas reconheçam que envelhecer é o resultado do acesso ou da falta de acesso a direitos fundamentais”.

Mas essa população tem um perfil desafiador, mostra a reportagem, quando se pensa na formulação de políticas públicas. É incrível, mas em 2020, 69% dos idosos no Brasil viviam com uma renda pessoal mensal de até 2 salários mínimos. Pobreza imensa para quem, inclusive, precisa fazer gastos muito elevados de saúde. Mas a situação é ainda mais surreal porque, como diz Yeda Duarte, “75% da população idosa é independente, cuida da própria vida […] e muitas vezes cuida da família”. O Ipea mostra que em 2020 vinha dos idosos metade da renda em 60% dos lares em que vivem.

Muitos dos idosos ainda trabalham, mas o diferencial são as suas pensões, benefícios de prestação continuada e aposentadorias. Isso é preocupante, lembra Groisman: “Os idosos de hoje são de uma geração que conseguiu se aposentar”. Mas agora “estamos em um processo de desmonte do direito da aposentadoria”. Por outro lado, o envelhecimento depende muito da educação, que ajuda a chegar melhor à velhice, ter melhores condições de trabalho e de saúde e sofrer menos violência.

E aqui houve melhora: 50% dos idosos em São Paulo eram analfabetos, em 2000, e hoje, apenas 30%. A reportagem, dessa maneira, fornece um panorama interessante das características com as quais vai ser preciso lidar na luta por responsabilizar o Estado pelo cuidado das pessoas idosas. Não será fácil. Só a ideia de responsabilizar o Estado já é novidade, historicamente, no país. No Brasil, cabe à família a responsabilidade total, quando, constitucionalmente, ela é da família, da sociedade e do Estado, pondera Yeda Duarte.

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