Mazelas da “nova” Atenção Primária à Saúde

Primeiro ano do modelo de saúde articulado pelo governo indica problemas na alocação de recursos aos municípios. Retrocessos possíveis no SUS também preocupam, aponta análise na última edição dos Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz

.

A edição de fevereiro da revista Cadernos de Saúde Pública, examinou criticamente, em um dos seus artigos, as políticas adotadas pelo governo no campo da Atenção Primária à Saúde (APS). O artigo considerou que deve continuar o processo de desfinanciamento que já prejudicou muito o Sistema Único de Saúde. 

O estudo analisou os efeitos da nova modalidade de alocação de recursos para a APS em termos de perdas ou ganhos de recursos nos municípios. Os cenários estudados tomaram como referência as cidades de Manaus e São Paulo, procurando identificar tendências. Concluíram que os dados são preocupantes. Se representarem, como parece, o efeito produzido pelo novo modelo, é provável que o processo de desfinanciamento observado aconteça nos demais centros urbanos. 

Em um ponto alto do estudo, os autores destrincham as inúmeras medidas, iniciativas institucionais e regras que caracterizam o novo modelo de financiamento. Consideram como alteração mais emblemática a extinção do Piso de Atenção Básica Fixo (PAB Fixo) – que viola, no mesmo movimento, o caráter da atenção universal característico do SUS. A dotação orçamentária da APS burocratiza e cria obstáculos de financiamento para instâncias essenciais do SUS, como a Estratégia Saúde da Família (ESF), os Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasf) e os Gerentes de Atenção Básica.

O primeiro ano do novo modelo, segundo os autores, foi marcado por arranjos institucionais frágeis e pelo crescimento da presença do capital privado nesse nível de atenção à saúde. “Em suma”, escrevem, “o sistema de saúde brasileiro passa a restringir sua assistência à saúde às pessoas (indivíduos) que os municípios conseguiram cadastrar, distanciando-se do princípio universal em que as transferências de recursos deveriam ser associadas ao conjunto da população dos município.”

Destitui-se por completo toda lógica da atenção primária, que deveria ser ordenadora do cuidado, conforme o ideário do SUS desde sua criação há três décadas. E se procura justificar a privatização do sistema, tratando o SUS como “problemático”, “deficitário” e outras alegações superficiais. Tanto que a proposta encaminhada pelo governo acena com mais recursos financeiros para a Saúde. 

E no entanto, sob escrutínio mais crítico, a reordenação das formas de alocação revela-se um amálgama de processo de desfinanciamento burocratizado e dificultoso, que impede a execução orçamentária inclusive por parte de municípios de grandes, que dispõem de um corpo técnico razoável para gerir o novo modelo. 

Leia Também: