Pandemia e pobreza agravam fome e obesidade infantil

Novo relatório da Unicef aponta as duas faces da insegurança alimentar entre crianças: desnutrição e dependência de ultraprocessados. Documento também aponta alternativas – que exigem vasta mudança de políticas públicas

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Os reflexos da crise sanitária trouxeram perigosas consequências que recaíram no acesso à renda e à alimentação adequada para as populações pobres: 72% das crianças de famílias vulneráveis deixaram de comer por falta de dinheiro; 8 a cada 10 crianças de até 5 anos consomem alimentos ultraprocessados com frequência; e a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças no Brasil.

Os dados são de um recente estudo da Unicef que mapeou, pela primeira vez, os hábitos e práticas, nível de acesso à informação e a insegurança alimentar agravada pela pandemia de covid-19, em lares atendidos pelo Bolsa Família. O estudo entrevistou beneficiários do programa que vivem na Amazônia Legal, no Semiárido e em 10 capitais brasileiras.

Uma das principais barreiras para o consumo adequado de alimentos é a informação: 48% das famílias não se sentem confiantes para interpretar rótulos de alimentos; apenas 34% afirmam lê-los e entendê-los antes da compra. Cerca de um quarto relaciona erroneamente alimentos processados a fontes de vitaminas e minerais e quase metade considera pelo menos um produto como parte da alimentação saudável. São eles os pães de forma, achocolatados e cereais matinais.

As regiões rurais e a Amazônia Legal são mais sujeitas à baixa diversidade do que o Semiárido e as capitais. O acesso dificultado à alimentação saudável foi apontado por mais de 80% dos entrevistados, e a baixa diversidade na dieta por 25%.

Para conter o avanço da obesidade nos pequenos, que pode determinar casos de sobrepeso e doenças relacionadas de difícil reversão, os autores defendem ampliar a regulação da publicidade infantil e facilitar a interpretação de rótulos. O incentivo de programas de apoio à agricultura familiar e a valorização da alimentação tradicional também são fundamentais para o enfrentamento dessa crise.

O Relatório Global de 2021 da ONU, que avalia os impactos mundiais da pandemia, aponta que, em 2020, 30% da população mundial (2,3 bilhões de pessoas) perdeu o acesso à alimentação saudável. Um estudo de 2017 publicado pela revista The Lancet projetou que, se as tendências observadas na época continuassem, até 2022 a obesidade entre crianças de 5 a 19 anos superaria a proporção de pessoas com baixo peso pela primeira vez. Essa previsão parece cada vez mais perto de se tornar realidade.

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