Piso da Enfermagem: falta a garantia no setor privado

• Órgãos não utilizados para transplante • Lula oferece honraria a Marcus Lacerda e Adele Benzaken • Denúncia de aborto por médicos fere a lei • O financiamento da saúde privada •

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo o pagamento do piso salarial para os profissionais da enfermagem no setor público é comemorada como uma conquista histórica pela categoria no Brasil. No entanto, o foco agora está em garantir essa mesma conquista para o setor privado. O STF determinou que deve haver negociação sindical coletiva para estender os novos valores aos profissionais que trabalham em hospitais e entidades privadas. A lei estabelece pisos de salário para enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares, mas a categoria também busca a redução da carga horária para no máximo 30 horas semanais, visando a segurança dos profissionais e pacientes. Isso porque outro ponto decidido pelo STF foi que o piso vale apenas para jornada de 44 horas semanais – com menos horas trabalhadas, pode-se pagar salário menor. “Então não é um piso, né?”, cutucou Shirley Moraes, vice-presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros, em entrevista ao Brasil de Fato. A mobilização continua, segundo o movimento, até que todos os profissionais da enfermagem, tanto do setor público quanto privado, recebam seus direitos de acordo com a lei.

Por que há tanta recusa de órgãos para transplante?

Um levantamento realizado por técnicos do ministério da Saúde e pesquisadores da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) revelou que a maioria dos órgãos oferecidos para transplante no Brasil entre 2014 e 2021 não foi aproveitada. Segundo reportagem da Folha, as 22.824 ofertas feitas nesse período, 63% foram recusadas pelas equipes responsáveis pelos transplantes. As principais razões para as recusas foram as condições clínicas dos doadores, problemas logísticos e órgãos com lesões ou alterações que impediam o uso. Além disso, uma parte significativa das recusas ocorreu por motivos não especificados, possivelmente relacionados a desigualdades na distribuição de serviços especializados em transplantes pelo país. 

Há uma questão regional importante, que prejudica em especial os transplantes de coração e pulmão. É que alguns estados não têm estrutura para fazer a cirurgia. É o caso do Amazonas, por exemplo, que não transplanta corações – e por isso os pacientes que vivem ali precisam entrar na fila de outros estados. Mas precisam ir longe, afinal estados próximos como Acre, Rondônia e Roraima também não possuem a capacidade. O tempo que o órgão pode esperar sem irrigação sanguínea é de apenas quatro horas, o que dificulta o transporte de corações dessa região para outros estados. Algo similar ocorre com os pulmões, cujo transplante atualmente só é feito nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará. O levantamento destaca a necessidade de fortalecer a capacidade dos estados em realizar transplantes para aumentar o aproveitamento dos órgãos ofertados e reduzir a lista de espera.

Com Lula, a volta do reconhecimento de cientistas

Em um dos atos de desprezo mais claros do ex-presidente Jair Bolsonaro, o nome de Marcus Lacerda, da Fiocruz Amazônia, foi retirado da lista de condecorações da Ordem Nacional do Mérito Científico (ONMC). O fato aconteceu no final de 2021, e o infectologista receberia o título por ser o responsável pelo primeiro estudo do mundo a demonstrar a ineficácia da cloroquina contra covid-19. Seu nome saiu da lista, junto ao de Adele Schwartz Benzaken, atual diretora da Fiocruz, que havia feito cartilha voltada a homens trans no ministério da Saúde. Após o ato, Lacerda virou alvo do ódio bolsonarista: foram abertos inquéritos policiais contra ele e precisou andar com escolta policial por ameaças de morte. A retirada de seu nome da condecoração fez o cientista Cesar Victora – outro na lista de indicados – recusar o título, iniciando um movimento de repúdio de outros nomes. O governo Lula deve reparar o ato autoritário do ex-presidente, entregando a honraria dois anos mais tarde a Lacerda e Benzaken.

Médicos descumprem a lei e a ética médica ao denunciar aborto

Um caso de uma mulher mineira algemada na cama de hospital após ter sido denunciada por fazer aborto por seu próprio médico mostra uma realidade cruel na saúde brasileira. Pessoas que buscam ajuda médica após buscarem procedimentos clandestinos para interromper a gravidez têm ainda mais este problema: o de serem acusadas de um crime. Uma matéria bastante didática publicada no UOL explica por que os médicos não têm esse direito – e como esse abuso afeta em especial mulheres negras e pobres. Segundo o artigo 154 do código penal, trata-se de violação do segredo profissional quando alguém revela algo que “tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. 

O Código de Ética Médica também impede que o profissional revele fatos pessoais de um paciente. Ele também não pode depor contra a pessoa, segundo um artigo do Código Penal que exige que profissionais devem guardar segredo, a não ser que haja consentimento. O médico em questão, que chamou a polícia para interrogar sua paciente em 2020, cometeu a irregularidade apoiado em uma portaria assinada por Jair Bolsonaro que incentivava a denúncia – mas o texto é considerado inválido pois as portarias não podem se sobrepor às leis. Inclusive, ela já foi revogada pelo presidente Lula.

Instituições de apoio financeiro à saúde beneficiam empresas

Um relatório da Oxfam revelou que os investimentos em saúde feitos por países de alta renda e pelo Banco Mundial estão beneficiando principalmente empresas privadas de saúde, em vez de melhorar o acesso à saúde nos países em desenvolvimento. Segundo matéria do People’s Health Dispatch, entre 2010 e 2022, essas instituições fizeram um total de 358 investimentos diretos e indiretos em empresas de saúde, totalizando mais de 5,5 bilhões de dólares. No entanto, o dinheiro está predominantemente beneficiando o setor privado, sem um progresso significativo no acesso aos cuidados de saúde. Organizações como a Proparco, da França, que têm como foco a cobertura universal de saúde, dão preferência a modelos de seguro de saúde em detrimento de modelos de proteção social, mesmo que haja evidências de que estes últimos ofereçam melhores benefícios de saúde a longo prazo. O relatório também destaca práticas coercitivas de provedores de saúde privados, como a detenção de pacientes até que paguem suas contas. Além disso, o modelo de investimento em saúde atual resulta em concentração de riqueza e poder em poucas mãos.

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