Pacto entre Bolsonaro e a Prevent Senior é cada vez mais evidente

Segundo advogada de médicos que escreveram dossiê, operadora estaria trabalhando em conjunto com “a assessoria” de Bolsonaro em uma estratégia alinhada aos interesses do Ministério da Economia, para evitar o lockdown e manter a economia girando

Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado
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Por Leila Salim

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Chegou à economia. O escândalo da Prevent Senior ganhou novos – e perturbadores – contornos ontem, com o depoimento de Bruna Morato à CPI da Covid. Segundo a advogada, que representa 12 dos médicos que denunciaram a operadora privada à comissão, a sequência de violações ocorrida nos hospitais da rede fez parte de “um pacto” cujas ramificações se estendem até o chamado gabinete paralelo que assessorava Bolsonaro na gestão da pandemia, passando por conexões com os conselhos Federal e Regional de Medicina. Tudo “em nome da economia”, seja para evitar o lockdown como medida de contenção à pandemia ou para reduzir custos da empresa na internação de pacientes em UTIs. 

Em um depoimento que durou mais de seis horas, Bruna Morato reafirmou as denúncias que vieram a público na semana passada, apresentadas no dossiê entregue à comissão. O uso de cobaias humanas para experimentos ilegais com os medicamentos do “kit covid”, a adoção de termos de consentimento genéricos sem que os pacientes fossem informados sobre a participação nos testes, a divulgação de estudo científico com dados falsos para sustentar o “sucesso” do tratamento, a alteração de prontuários médicos, a subnotificação de mortes por covid e a coação a médicos para prescrição obrigatória dos medicamentos sem eficácia foram relatados como práticas sistemáticas ocorridas nos hospitais da Prevent

Um novo elemento, que não consta do dossiê, causou espanto entre os senadores e repercutiu na imprensa nacional e internacional. Segundo Morato, uma das denúncias dá conta de que, repetindo a máxima “óbito também é alta”, a direção da Prevent teria orientado a adoção de um “protocolo de tratamento paliativo” com redução do fornecimento de oxigênio para pessoas internadas há mais de 14 dias. A intenção – que não tem nada a ver com os importantíssimos cuidados paliativos de verdade –  seria induzir a morte de pacientes para liberar leitos e reduzir custos. A advogada, no entanto, solicitou à CPI que essa denúncia fosse averiguada, já que a teria recebido após a conclusão do dossiê, através de um médico que a procurou por mensagem de WhatsApp.

O envolvimento de Jair

Como destacou o El País, o abismo de denúncias ameaça, agora mais concretamente, tragar Jair Bolsonaro. Que o presidente reivindicou, divulgou e se apoiou no “estudo” da Prevent para seguir com sua marcha da morte, já se sabe. Mas o depoimento da advogada joga luz em relações mais orgânicas entre o Planalto e a Prevent, que seriam costuradas, entre outros, pelo trio formado pela a oncologista Nise Yamaguchi, o virologista Paolo Zanotto e o toxicologista Anthony Wong (esse último, morto em um dos hospitais da rede por covid, informação que foi omitida de sua declaração de óbito). 

Os três, já identificados como integrantes do famigerado gabinete paralelo que assessorava Bolsonaro contrariando a ciência e o próprio Ministério da Saúde (especialmente diante dos conflitos com a gestão de Luiz Henrique Mandetta à frente da pasta), foram citados nominalmente por Bruna Morato. Ela afirmou que, embora não se utilizasse a expressão “gabinete paralelo” – que, segundo ela, só veio a seu conhecimento através da própria CPI – corria pelos corredores dos hospitais da Prevent a informação de que a operadora estaria trabalhando em conjunto com “a assessoria” de Bolsonaro em uma estratégia alinhada aos interesses do Ministério da Economia, objetivando evitar o lockdown e manter a economia girando. “O que eles tinham que fazer era conceder esperança para que as pessoas saíssem às ruas, e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”, disse. 

Se era o dinheiro que hierarquizava os interesses “para fora” e dava o tom da articulação com o Planalto, parece que o mesmo valia para a estratégia interna da Prevent. De acordo com a advogada, a adoção do kit covid também era parte da política de redução de custos no tratamento dos pacientes. Lembrando que a média de idade dos associados da operadora é de 68 anos – o que indicava a maior probabilidade de ocorrência de casos graves de covid entre os pacientes –, Morato afirmou ter encaminhado à CPI mensagens que comprovariam que, por não ter a quantidade necessária de leitos de UTI, a Prevent orientava a adoção do tratamento precoce mesmo sem garantias de seu resultado. 

A advogada reafirmou ainda a denúncia sobre violação das regras sanitárias nos hospitais da rede. Segundo ela, diante da limitação de corpo clínico e para dar conta da contenção de custos, médicos e enfermeiros da Prevent Senior chegaram a trabalhar infectados pelo novo coronavírus. A denúncia levou à indagação dos motivos pelos quais os profissionais não teriam procurado seus conselhos profissionais para encaminhar as reclamações. 

Foi nesse ponto que os conselhos Regional e Federal de Medicina entraram na mira: segundo ela, os médicos eram ameaçados com a informação de que os conselhos teriam relações com a empresa e teriam medo de encaminhar as denúncias. Diante das informações, a CPI aprovou requerimento à Polícia Federal e às Procuradorias em São Paulo e no Distrito Federal, solicitando a investigação dos órgãos por possível omissão no caso.  

A ANS também foi citada. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), questionou a atuação do órgão regulador e defendeu que seus representantes fossem ouvidos para explicar o porquê de não terem atuado mais incisivamente no caso. Na noite de ontem, a ANS afirmou, em nota, que autuou a Prevent por não ter informado aos pacientes e seus familiares que eles estavam sendo tratados com os medicamentos do “kit covid”. 

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