Os bolsões do Brasil não vacinado
País tem um dos melhores índices de vacinação do mundo, mas há cidades que não imunizaram nem 20% da população. Movimentos, influenciados por Bolsonaro, encabeçam campanha de sabotagem às vacinas. Entidades reagem
Publicado 26/01/2022 às 06:00 - Atualizado 25/01/2022 às 20:31
Enquanto o país se aproxima de novo pico de covid-19 – puxando pela nova variante ômicron – e faz a corrida pelo reforço de imunização em adultos e vacinação das crianças, há cidades no Brasil que só conseguiram vacinar 20% da população. Entre os motivos apontados por especialistas e secretarias de Saúde estão a desinformação, influência de religiosos fundamentalistas e o difícil acesso a regiões isoladas. Dados do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Icict/Fiocruz) apontam que os bolsões de não vacinados estão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e no norte de Minas Gerais e sul da Bahia.
Caso emblemático é o de São Félix do Xingu (PA), que prolongou os horários de vacinação, levou carros de vacinação aos bairros, sorteou celulares para os jovens terem interesse em se imunizar e até ofereceu prêmio para as equipes de saúde que conseguiram imunizar mais pessoas. O município tem 91 mil habitantes. “A população não acredita na imunidade da vacinação. Há muita fake news sobre os efeitos colaterais. Todas as ações foram tomadas, não tem o que fazer”, comenta o secretário de Saúde Raphael Antônio Souza.
O estudo da Icitc/Fiocruz também mostra que essas regiões com baixa vacinação têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano, são locais de pouca infraestrutura, sem estradas, recursos escassos e pouco orçamento. No Oiapoque (AP), cidade de 27 mil habitantes e que faz fronteira com a Guiana Francesa, há ainda a influência do movimento antivacina do país vizinho, onde profissionais da saúde foram impedidos de trabalhar e a agência regional de saúde teve a energia cortada.
Embora a nova cepa apresente pouco risco para pessoas vacinadas, crianças ainda são alvo fácil de perigo. A explosão de resultados positivos para a doença entre aqueles de 0 a 13 anos saltou de 3,3% para 50,8%, entre 27 de dezembro e 18 de janeiro, segundo rede de laboratórios presente em todas as regiões do país. No último domingo, a prefeitura de Salvador divulgou que 100% dos leitos de UTI pediátrica estavam lotados. No sábado, durante evento em Eldorado (SP), o presidente Jair Bolsonaro voltou a questionar a imunização infantil e mentiu, relacionando a vacina a um caso de parada cardíaca em criança de 12 anos, em Lençóis Paulista – já desmentido pelos órgãos de saúde do estado.
Para enfrentar a campanha de sabotagem que vem ocorrendo desde que a Anvisa liberou a vacinação de crianças, organizações lançaram o documento Pacto pela Vida das Crianças Brasileiras, que visa combater o negacionismo e promover a imunização infantil. Entre as entidades, assinaram a carta a Academia Brasileira de Ciências (ABC), Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Elas criticam a postura de diversas autoridades brasileiras que ainda divergem das orientações da Anvisa e da Organização Mundial de Saúde, e alertam para as campanhas de desinformação em torno do tema. “Manobras para desacreditar as vacinas, com o bombardeio incessante de declarações infundadas, têm tão somente por finalidade minar a confiança dos pais diante do que é correto e inadiável fazer: vacinar as crianças, garantindo-lhes proteção diante de um agente infeccioso grave”, ressaltam as organizações em nota.