Ocupação militar permanente

Ministério da Saúde terá o primeiro ministro militar da sua história. Nomeação acontece em uma administração que só tem menos fardados no poder do que o governo Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura

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O Brasil está prestes a ter um general da ativa como ministro da Saúde efetivo. A notícia começou a correr ontem de noite da seguinte forma: Jair Bolsonaro teria, enfim, “convencido” Eduardo Pazuello a ficar no comando da pasta. Mas, de acordo com a apuração da Folha, o presidente teve que convencer antes os comandantes das Forças Armadas, insatisfeitos com o fato de Pazuello resistir passar à reserva. 

Nessas conversas, Bolsonaro teria usado o argumento de que ‘o pior da pandemia já passou’. Isso porque os comandantes militares ficaram traumatizados com a crítica de Gilmar Mendes, que disse em julho que o Exército estava se associando a um genocídio. Ainda tentam emplacar a narrativa de que as Forças Armadas não fazem parte do governo. Para isso, defendem que Pazuello e também o almirante Flávio Rocha, que é secretário de Assuntos Estratégicos, pendurem a farda.

Um levantamento do Tribunal de Contas da União feito em julho identificou 6.157 militares da ativa e da reserva ocupando cargos civis no governo. Dos 23 ministérios, dez são ocupados por militares, se considerarmos que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, atuou como tenente no Exército, embora não tenha seguido carreira. Bolsonaro só perde para o general Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura, quanto o assunto é o número de militares em cargos-chave da Esplanada. 

O consórcio tem rendido frutos para ambas as partes. Bolsonaro pode, sempre que quer, ameaçar um autogolpe com a interpretação equivocada do artigo 142 da Constituição. Os militares no poder já conseguiram que o Executivo bancasse uma proposta de aumento recorde no orçamento do Ministério da Defesa para 2021 e tentam emplacar teses como a de que integrantes das Forças Armadas com cargos no governo podem acumular remuneração acima do teto do funcionalismo público, de R$ 39,3 mil.

Outro argumento que teria aparecido nas conversas de Bolsonaro com o generalato é o de que Pazuello está tendo uma atuação satisfatória durante a pandemia. O general assumiu o Ministério em 15 de maio. Naquela data, o país tinha registrado 14.962 mortes causadas pelo novo coronavírus. Ontem, esse número chegou a 132.117. Ou seja, o general estava no comando quando mais de 117 mil pessoas perderam suas vidas, na maior tragédia que o país já experimentou. Nesse ínterim, insistiu na cloroquina, tentou maquiar números, ameaçou servidores com a Lei de Segurança Nacional, se esquivou da compra centralizada de sedativos para UTI e, numa canetada, tirou a covid-19 do rol de doenças ocupacionais, para ficar em poucos exemplos.

Desde que completou cem dias à frente da pasta, contudo, Pazuello tem copiado o chefe e mentido que a condução nacional da crise sanitária ainda será reconhecida como a “grande resposta à pandemia no mundo”. À sua equipe, composta por 28 militares que ocupam cargos técnicos, opinam com base em senso comum em reuniões e abusam de jargões da caserna em conversas com civis, Pazuello disse que “nada muda” com a efetivação.

De acordo com a coluna Painel, os “secretários de Saúde não chegaram a comemorar a decisão do presidente de efetivar o general Eduardo Pazuello na pasta, mas disseram ter ficado aliviados”. Temiam que Bolsonaro escolhesse um “dos defensores fervorosos do uso da cloroquina” para ocupar o cargo.

Toda a imprensa apurou que Pazuello quer continuar na ativa. Desde a crise envolvendo a declaração de Gilmar Mendes, quando balançou mas não caiu, se sabe que o general quer esperar até conseguir a quarta estrela. Se conseguir o feito, será o único militar nesta condição entre os ministros, já que Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) cedeu a pressão e passou à reserva em agosto. A colunista Carla Araújo, que ouviu fontes do comando militar, afirma que todos continuam defendendo que Pazuello vá para a reserva. A posse do general acontece amanhã, às 17h, no Palácio do Planalto.

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