O vídeo e o centrão

Material comprometedor pode ser liberado e Bolsonaro intensifica ‘toma lá, dá cá’: quem votar com o governo vai decidir destino de verbas para pandemia.

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Ontem, foi exibido o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. A gravação foi citada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de que Jair Bolsonaro quer interferir na Polícia Federal. Quem teve acesso ao material relatou que o presidente fala em proteger ‘familiares e amigos’ com a troca na superintendência da corporação no Rio de Janeiro. Depois, apareceu o primeiro registro documental de que o presidente teria dito isso no encontro: no termo do depoimento do ministro Augusto Heleno há uma pergunta sobre quem seriam os familiares e amigos que Bolsonaro quer proteger.

Ainda segundo relatos de quem assistiu ao vídeo, Bolsonaro dito que, antes de ‘foderem’ com sua família, ele trocaria não só todos da superintendência do Rio como até Sergio Moro, que deixou o governo dois dias depois da reunião. 

Além disso, Bolsonaro teria afirmado que não iria divulgar os exames que fez para o novo coronavírus porque isso poderia levar até mesmo a um processo de impeachment

O final de abril marcou também o início da negociação do presidente com o centrão. Hoje, uma reportagem do jornal O Globo revela que o governo federal resolveu deixar de lado qualquer critério sanitário na distribuição da verba emergencial do Ministério da Saúde para o combate à covid-19. Segundo relataram deputados de legendas como PP, PL, PSD, Podemos, Republicanos, MDB e Patriota – e confirmaram fontes próximas ao Palácio do Planalto – os recursos serão distribuídos conforme indicações de deputados e líderes partidários aliados. Ou seja, vão para os redutos eleitorais do centrão. 

Para calcular quanto cada partido teria direito a direcionar, foi levado em conta o número de deputados fiéis em cada legenda. “Só terá direito à indicação quem se comprometer a votar com o governo”, escreve a repórter Natália Portinari. E continua: “A negociação da verba não foi atrelada a nenhuma votação específica, mas serve para barrar o andamento de um possível processo de impeachment, segundo deputados”.

De uma maneira meio torta, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que o cerne da negociação seja barrar um pedido de afastamento. “O que a turma está dizendo? ‘Agora, ele está fazendo isso para escapar do impeachment, é para escapar do processo’. Não. Não é dessa forma que ele está vendo. Ele já chegou à conclusão de que ele tem que atrair esses partidos”, disse ao Globo. Sobre as negociações ele foi ainda mais claro e confirmou que o próprio Bolsonaro e o ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo da Presidência, conduzem pessoalmente a distribuição de cargos e benesses. “Eu não posso te dizer os detalhes. Se é fisiológico ou programático”.

Caberá ao ministro Celso de Mello decidir se torna pública a gravação. Sua divulgação tem tudo para inflar mais o preço do centrão. “Bolsonaro está enrolado. Uma coisa é querer um novo diretor da PF porque o anterior não estava alinhado a suas ideias, sejam lá quais forem. Isso é péssimo do ponto de vista republicano, mas ainda navega dentro de um escopo de legalidade. Outra coisa é dizer que precisa cuidar dos interesses de seus filhos e amigos”, observa o colunista Igor Gielow na Folha. Ele continua: “Mais concessões ao centrão e novos episódios de enfrentamento institucional para agradar sua base radical e assustar o ‘establishment’ estão no preço dessa dinâmica. O problema, para Bolsonaro, é que seu padrão se tornou previsível e, no limite, insustentável sem ruptura real.” 

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