O SUS diante da sua “janela histórica”

Nelson Rodrigues dos Santos, um dos líderes da Reforma Sanitária, inaugura seção de artigos de Outra Saúde e sugere quatro rumos para defesa e ampliação da Saúde Pública, após a pandemia. Para ele, é hora de “otimismo da vontade”

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Protagonista destacado da Saúde Pública brasileira e da construção do SUS, o epidemiologista Nelson Rodrigues dos Santos parece disposto, em tempos árduos, a continuar apontando caminhos na luta por esta causa. Outra Saúde publica hoje um texto cristalino, embora denso, em que ele vê uma “janela histórica” de oportunidade para retomar o projeto da Reforma Sanitária. O artigo foi publicado inicialmente pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz, em 4 de outubro. Professor da Unicamp e conselheiro do Idisa – Instituto de Direito sanitário aplicado – “Nelsão” aponta o enorme atraso do Estado brasileiro na implantação de políticas igualitárias de Saúde, nas últimas três décadas. Lamenta o avanço, no mesmo período, da medicina como atividade voltada para o lucro. Mas enxerga, no novo prestígio alcançado pelo SUS durante a pandemia, a potência necessária para uma nova onda de mobilizações sociais. E propõe quatro objetivos centrais que ela deveria perseguir.

O pesquisador aponta, no artigo, os entraves persistentes à efetivação do modelo de saúde constitucional, proposto pela Reforma. Seus argumentos são muito convincentes – mas não impedem a conclusão surpreendentemente positiva – que ele emoldura no conhecido dístico do filósofo italiano Antônio Gramsci: “Pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade”. É fato que estamos imersos, especialmente no Brasil, em profundo retrocesso civilizatório. Mas em grande número de países, parece haver avanços.

Além disso, escreve Santos, a despeito da atual situação brasileira, “vale lembrar outros momentos históricos, como nos anos 1980 em nosso país, quando foi realizado, com crescente e grandiosa participação social, amplo debate rumo a um projeto de sociedade e nação, inverso ao projeto da ditadura que se extinguia”. De lá para cá, ao longo de 33 anos, não foi possível estabelecer um nível adequado de financiamento do SUS. A esfera executiva federal desconsiderou a recomendação constitucional de destinar para o sistema 30% do orçamento da seguridade social e negligenciou, desde então, oito oportunidades, ao menos, de corrigir essa deficiência.

Em vez disso, de fato, inverteu as prioridades constitucionais: deixou de gastar na capacidade do sistema público enquanto financiava – por exemplo por meio de isenções tributárias – o setor de seguros e planos privados, apenas incipiente no final dos anos 1980. No entanto, a experiência adquirida nesses anos não foi pequena, e compensou os impasses da esfera federal. Como diz Santos: “[…] a experiência acumulada da gestão descentralizada (estadual e municipal), contra-hegemônica mas junto a entidades da sociedade, academia, poder Legislativo e outras, vem compensando parcialmente o grande vácuo imposto pela esfera federal e sua influência na opinião pública”.

Notavelmente, Santos contabiliza muito positivamente o esforço feito pelo SUS no enfrentamento da pandemia, o que o tirou da invisibilidade e mostrou sua necessidade e valor às camadas da população que usualmente têm preferência pela saúde privada. Diante disso, e da conjuntura global, torna-se plausível esperar que se firmem pactos sociais mais avançados, inclusive no Brasil. A dinâmica nacional também abre espaço para avanço na democratização e em pactos federados, e para movimentos para a construção de uma “social democracia brasileira”.

É nesses termos que o pioneiro do SUS conclui seus argumentos apontando para uma “janela histórica”: “reabrindo para mobilizações sociais, democratização do Estado [e] resgate do SUS constitucional”. Ele diz esperar quatro desdobramentos que, no estreito espaço desta nota se poderia resumir assim: elevação dos investimentos federais nos serviços públicos em todos os níveis; modernização da gestão pública em todos os níveis, visando cumprir o direito constitucional da universalidade, equidade e integralidade; regulação dos serviços privados complementares do SUS – “como se públicos fossem”; e reformulação dos planos e seguros privados, de modo a substituir seu financiamento público pelos procedimentos normais de mercado. O artigo, na íntegra, pode ser lido aqui.

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