Pandemia: como o SUS venceu sabotagem e resistiu

Estudo que escrutinou as respostas à covid em 26 capitais demonstra: municípios que zelam pela atenção primária e estratégia de saúde da família tiveram resultados sensivelmente melhores. Saúde privada não teria mesma capacidade

Fotografia: Araquém Alcântara
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Uma avaliação abrangente detalhou as condições dos diversos segmentos da população em todas as capitais estaduais e como elas foram afetadas pela covid. A resposta reforça, sob uma ótica bem abrangente, que o sistema público foi fundamental para mitigar os malefícios do vírus. A saúde privada não teria conseguido o mesmo resultado, conclui um dos autores.

Posto duramente à prova pela pandemia, o sistema de saúde brasileiro deixou ver suas fragilidades e virtudes com muita clareza, como atestam diversos estudos e análises recentes. Uma avaliação que acaba de ser publicada, na prestigiada revista científica internacional Plos One, dá uma boa ideia sobre a capacidade do SUS de virar o jogo a favor da saúde mesmo sob condições muito adversas. Nas 26 capitais estaduais examinadas, os efeitos da pandemia foram distintamente mais amenos para as populações situadas em áreas em que a saúde pública estava melhor estruturada.

É o que demonstra o estudo “COVID-19 em cidades brasileiras: Impacto de determinantes sociais, cobertura e qualidade da atenção primária à saúde. Isso vale mesmo para as capitais das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, onde as populações têm baixa renda, vivem sob péssimas condições sociais e padecem consideráveis vulnerabilidades. “A forma como cada capital enfrentou a pandemia é que determinou o resultado obtido”, explicou a Outra Saúde um dos seis autores do trabalho, Angelo Roncalli, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Que as condições sociais afetam o impacto da pandemia, é certo, diz ele. Mas o importante é a relação com o sistema de saúde pública, que mitiga os efeitos da pandemia. Não se trata de uma relação causal, observa Roncalli, mas é razoável dizer que, de acordo com os resultados do estudo, o papel do SUS (Sistema Único de Saúde) é bem significativo. “Isso é próprio dos sistemas públicos. A saúde privada não teria conseguido chegar aos mesmos resultados”, pondera. Basta ver nos EUA, lembra ele, onde a saúde privada é muito forte, tem muitos recursos, e no entanto a pandemia teve um efeito tremendo.

O estudo analisou o impacto da covid em meados do ano passado, nos termos do SUS, que é o coração da saúde brasileira, alicerçado nas ideias de atenção primária à saúde (APS) e na estratégia de saúde da família (ESF). O desempenho do SUS é estimado pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Ao mesmo tempo, o estudo examinou e indicadores socioeconômicos e sociais e o número de casos de covid. A pesquisadora Lígia Giovanella, muito atuante no campo de políticas públicas e saúde, concorda que estudos como esse reforçam a boa percepção que se tem, atualmente, do sistema público. “Mostram que uma atenção primária à saúde, bem organizada, teria potencialidades para enfrentar a pandemia, se tivéssemos tido coordenação nacional no SUS, neste enfrentamento”.

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