Os números da batalha pelo orçamento da Saúde

Proposta do governo reduz ainda mais fatia do SUS no bolo das verbas da União. Recursos para investimento caem de R$ 9,2 para R$ 2,1 em nove anos. Carlos Lula, presidente do Conass, abre no Cebes luta para acabar com o sufoco

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O cenário está armado há tempos e os contendores devidamente mobilizados, prenunciando a tensão crescente. De um lado, as necessidades de financiamento e sustentabilidade financeira do sistema de saúde pública no Brasil; de outro, a persistência de subfinanciamento e mesmo desfinanciamento, por parte do governo. Esse conflito foi posto em números claros, este mês, em uma análise de especialistas vinculados ao Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps).

Embora atuem numa instituição de inspiração liberal, pouco afeita à expansão de despesas públicas, os autores não acham realista a proposta de dotação que o governo fez para a Saúde no Projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2022. “Projeções indicam que o financiamento demandará cada vez mais recursos”, pontuam, “não apenas em termos absolutos, mas como proporção do PIB”. Em consequência disso, e dos números da proposta, concluem: “o aumento das restrições para a expansão do gasto federal força um debate quanto à priorização do tema em detrimento a outros”. Caímos na velha metáfora do cobertor curto demais.

As despesas com a saúde, afirmam os autores do estudo, caíram à menor participação no orçamento dos últimos 10 anos: 3,19%, comparados a 4,42% em 2013 [figura acima]. O valor total das despesas, R$ 147,4 bilhões, corrigido pela inflação, simplesmente não avança em relação à proposta de 2012 [figura abaixo]. Cresce de maneira insignificante e é de fato 5% menor que o de 2019. Mais grave é a baixa e decrescente capacidade de investimento do ministério da Saúde, essencial para a expansão do sistema.

Com exceção do quadriênio 2010-2013, observa a análise, os valores de investimento estão em queda ininterrupta. Entre 2013 e 2022 houve uma redução de 77% na dotação: de R$ 9,2 para R$ 2,1 bilhões [figura abaixo]. Desde o início do ano, a preocupação com o orçamento da Saúde vem sendo manifestada por diversos órgãos importantes. Ainda em janeiro, uma nota de alerta foi publicada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde (Conasems).

Em outubro, o presidente do Conass, Carlos Lula voltou ao tema. Comentou o subfinanciamento do SUS no Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), dizendo com todas as letras que “o Brasil precisa de mais dinheiro para a Saúde”. Para se ter ideia do tamanho do problema é preciso ver que o orçamento desse ano já foi minúsculo, e ainda mais caso se considerem os gastos com a pandemia – que em princípio deveriam caber no orçamento nacional. Mas nem de longe. Foi preciso criar um gigantesco orçamento extraordinário, com despesas de R$ 27,7 bilhões, para enfrentar a covid-19.

São recursos que montam a quase 20% do orçamento da Saúde, e que estarão fora das despesas previstas para 2022. Mais R$ 6,9 bilhões foram gastos em 2021 com a compra de vacinas, e em 2022, o valor proposto é de R$ 3,9 bilhões. Parece claro que a disputa pelo orçamento – num país em que as demandas sociais em geral são imensas – vai ser impossível de equacionar sem um questionamento sério da Emenda Constitucional 95, criadora do “teto de gastos”, que limita as despesas em um nível inviável.

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