SUS: Congresso ameaça cortar mais que Bolsonaro

Relator da PEC do Pacto Federativo propõe o que nem Paulo Guedes ousou: extinguir piso de gasto para Saúde e Educação, inviabilizando o SUS. Leia também: UFRJ alerta sobre risco de contaminação da água se tornar rotina

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Por André Antunes e Maíra Mathias

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ÚLTIMO PREGO NO CAIXÃO

A notícia chegou no meio da tarde de ontem e caiu como uma bomba entre os sanitaristas: o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo (188), pretende inserir no texto a extinção dos pisos da saúde e da educação. A confirmação foi feita à Folha após o político se encontrar com o ministro da Economia, Paulo Guedes – que desde o discurso de posse, nunca fez segredo dos seus planos de desvincular e desindexar o orçamento público, desobrigando os gestores de qualquer gasto carimbado. Mas o fato é que até Guedes já havia sido convencido por sua própria equipe que a proposta de desvinculação era radical demais e articulou a apresentação da PEC 188 sem essa proposta. 

“Se depender de mim, eu avanço e desvinculo tudo (…) A ideia de tutelar e estabelecer que tem que gastar um tanto com saúde e educação, na prática, aprovou-se (sic) ineficiente. Se fosse assim seria quase mágica. Não, você gastou mais com educação nos últimos anos e ela não melhorou. Pelo contrário, ela piorou muito”, disse Bittar ao repórter Fábio Pupo. 

Mas a reportagem dá ainda uma informação que pode passar desapercebida depois de uma declaração dessas, mas que pode ser, ao fim e ao cabo, a verdadeira proposta, o meio de caminho nessa dobradinha entre o senador e o governo: antes da reunião com Guedes, Bittar queria introduzir a segurança pública no pool de áreas nas quais os governantes poderiam movimentar os recursos hoje destinados ao SUS e à educação. Se especialistas ouvidos pelo Outra Saúde e por muitos outros veículos vêm alertando para a perversidade do texto como está – que coloca saúde e educação em disputa por recursos –, imagina se, no meio do caminho, surge ainda a segurança pública?

Há dúvidas se a radical e deletéria proposta da desvinculação passa no Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) deu algumas declarações no ano passado sinalizando que seria bem difícil. Para o SUS, seria o último prego no caixão.  

“Essa é uma luta civilizatória nuclear, afinal sem dinheiro não se realizam direitos. Os pisos são fronteira de contenção absolutamente necessária da barbárie expressa no curto prazo eleitoral e no fisiologismo fiscal. O que está em xeque é a própria erosão orçamentário-financeira da nossa identidade constitucional, que elegeu como prioridade inegociável o custeio dos direitos fundamentais e, em especial, de saúde e educação”, analisou Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de SP, no Twitter

BOLSONARO E A PÍLULA DO CÂNCER

Ontem, Jair Bolsonaro voltou a criticar a proibição da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”. Como você deve se lembrar, a pílula – desenvolvida pelo professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Chierice – esteve no centro de uma queda de braço entre o Congresso Nacional e a Anvisa. A agência proibiu a distribuição da fosfoetanolamina em 2015, já que testes clínicos necessários à liberação de qualquer medicamento não tinham sido realizados. No entanto, uma lei aprovada em 2016 de maneira temerária pelo Congresso – e que contou com o voto favorável do então deputado Bolsonaro – autorizou seu uso. Em maio daquele ano, o STF acatou um pedido feito pela Associação Médica Brasileira (AMB) e suspendeu a lei. A AMB apontava falta de comprovação científica da eficácia do medicamento. Em entrevista concedida ontem, Bolsonaro demonstrou insatisfação e voltou à carga contra uma agência reguladora: “A Anvisa não pode protelar por muito tempo a liberação das pautas que interessam à sociedade”.

ÁGUA TAMBÉM ESTAVA IMPRÓPRIA

O Ministério da Agricultura anunciou ontem que encontrou as substâncias tóxicas monoetilenoglicol e dietilenoglicol na água usada pela Backer para produzir a cerveja Belorizontina. O coordenador-geral de vinhos e bebidas da Pasta, Carlos Vitor Muller, afirmou que a questão agora é identificar como essas substâncias foram parar lá. Na terça, a diretora-executiva da empresa, Paula Lebbos, havia dito em coletiva de imprensa que o uso do monoetilenoglicol é normal no processo produtivo, mas que a empresa não faz uso do dietilenoglicol, que é a substância suspeita de ter causado as intoxicações. Muller, no entanto, ressaltou que nenhuma das duas substâncias deve entrar em contato com a água usada para fazer cerveja. 

Já são sete os lotes de cerveja contaminados – incluindo um da marca Capixaba, que é o nome que a Belorizontina recebe no Espírito Santo. De acordo com o Ministério, são três as hipóteses para explicar a contaminação: sabotagem, vazamento no tanque de resfriamento ou utilização indevida do dietilenoglicol durante a produção.

A Polícia Civil de Minas confirmou a segunda morte causada pela síndrome nefroneural, que teria sido causada pela ingestão das cervejas. Há um terceiro caso suspeito na cidade de Pompéu, centro-oeste de Minas, mas que ainda não foi confirmado pela Polícia. A vítima, que não teve seu nome divulgado, estava internada em Belo Horizonte. 

Ontem em São Paulo, o Procon notificou a Backer para que dê esclarecimentos sobre a comercialização de seus produtos no estado. A empresa deverá informar se e como – para lojas físicas ou pela internet – vendeu produtos de lotes contaminados. A empresa precisa responder em 48 horas.

E o G1 explica como distinguir uma intoxicação alimentar comum de algo mais grave, como a que pode levar à síndrome nefroneural. 

AMEAÇA REAL

Ontem, a UFRJ divulgou uma nota técnica sobre os problemas de água com sabor, odor e cor alterados que vem assombrando o Rio de Janeiro. Elaborada por especialistas em ecologia, recursos hídricos, saneamento e saúde pública a pedido da reitoria da Universidade, o documento tenta contribuir para o esclarecimento da população – já que o governo estadual e a Cedae estão dando um show de falta de transparência em meio à crise.

Os especialistas notam que os laudos divulgados pela companhia de água e esgoto sequer faziam referência à geosmina, substância orgânica produzida por algas apontada pela própria Cedae como causadora do problema – e esse desencontro e ocultação de informações colaborou para que os fluminenses fiquem às cegas e sejam alvo de notícias falsas. 

Segundo os professores, a geosmina realmente não é tóxica, mas pode indicar a presença de grande quantidade de cianobactérias, que, por sua vez, produzem toxinas muito potentes. A suspeita de que isso possa estar ocorrendo se deve ao que caracterizam como “evidente degradação ambiental dos mananciais que são utilizados para o abastecimento público da região metropolitana do Rio”. Eles explicam que o sistema Guandu, que abastece nove milhões de pessoas, é refém da quantidade de água que recebe do rio Paraíba do Sul e da qualidade ambiental e sanitária da água dos afluentes do rio Guandu: Poços, Queimados e Ipiranga. Isso porque essa água captada pela estação de tratamento chega poluída principalmente por esses afluentes, onde se joga esgoto em estado bruto, sem qualquer tratamento. “Essa degradação compromete a qualidade da água, dificulta seu tratamento e pode colocar em risco a população”, alertam. 

Por isso, a UFRJ considera que existe uma “ameaça real à segurança hídrica da região metropolitana do Rio de Janeiro”, pois se nada for feito, o problema tende a se tornar rotina: “a ocorrência de eventos de desconformidade em relação ao padrão de qualidade da água para consumo humano como este tende a aumentar”. 

Passados 13 dias do início da crise no abastecimento de água, o presidente da Cedae, Hélio Cabral, falou pela primeira vez sobre o assunto em uma entrevista coletiva dada ontem.  Ele admitiu que não sabe o que poderia estar causando a turbidez da água que chega à população – já que a geosmina não provoca turbidez. “Isso terá que ser investigado caso a caso”, disse, esquivando-se: “Pode ser um bicho morto, uma caixa d’água suja.” 

A Cedae afirma que a presença de geosmina é comum em estados como São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul, que utilizam há anos um equipamento que usa carvão ativo para retirá-la da água. E que o problema tinha acontecido antes por aqui, em 2004, mas o equipamento nunca foi instalado. A previsão da companhia é que esse dispositivo seja instalado na próxima semana. Depois, a estimativa é de que a água do Guandu estará livre da substância dentro de 24 horas — mas, para o consumidor, vai demorar mais: “Na torneira, não posso dar uma data porque depende do armazenamento. Quem tem uma quantidade grande de água antiga armazenada vai demorar mais” disse Cabral. A conta de água também não será reduzida por conta da crise – mesmo que grande parte da população tenha sido obrigada a gastar dinheiro com água mineral. 

O QUE A QUEBRA DE PATENTES FAZ

Uma reportagem publicada no site especializado Bhekissia conta a história de uma mulher sul-africana cujo marido passou a contrabandear remédios da Índia depois que ela foi diagnosticada com uma doença chamada mieloma múltiplo – tipo de câncer que afeta a medula óssea, controlável por tratamentos que incluem transplante de células-tronco e quimioterapia. 

Enquanto tentava juntar o dinheiro necessário para o tratamento, o casal recebeu de seu oncologista a notícia de que havia uma pílula que poderia frear o crescimento de células cancerígenas, chamada Revlimid. O problema é que, na África do Sul, o remédio é patenteado pela empresa Celgene – e, por isso, é muito caro. O que não é o caso na Índia, que não concedeu a patente e passou a produzir um genérico, conhecido como lenalidomida, reduzindo muito os custos com o tratamento.  Jaco Uys e sua mulher, Nadine, decidiram viajar para o país asiático e adquirir ali o remédio genérico. Por três meses de tratamento, desembolsaram 7 mil rands, pouco mais de 3% do que gastariam caso tivessem que comprar o Revlimid na África do Sul. 

VOLTA DA FEBRE AMARELA

A morte de 38 macacos por febre amarela em estados do Sul e Sudeste acendeu o alerta do Ministério da Saúde para o risco de aumento nos casos da doença nesse verão. Em boletim epidemiológico divulgado segunda, a Pasta informou que entre julho de 2019 e 8 de janeiro foram registrados 327 casos suspeitos de febre amarela no país. No mesmo período, foram notificadas 1.087 mortes suspeitas de macacos. Entre as 38 que foram confirmadas pelo Ministério, 34 aconteceram no Paraná, três em São Paulo e uma em Santa Catarina. As duas regiões concentram grandes populações e têm baixos índices de vacinação contra a febre amarela.

TAMBÉM NO JAPÃO

Ontem, o Japão confirmou o segundo caso da doença misteriosa fora da China. A enfermidade causada por um novo coronavírus também já foi detectada em uma mulher na Tailândia. Ambos estiveram na cidade de Wuhan, epicentro do problema.

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