Municípios querem mais SUS para lidar com drogas

Falta de unidades de saúde especializada é entrave para tratar dependência química, diz levantamento entre prefeitos brasileiros. Para eles, governo deveria investir em centro de atenção psicossocial — não em comunidades terapêuticas privadas

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Por André Antunes e Maíra Mathias

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PREFEITOS QUEREM AMPLIAÇÃO DA RAPS E DOS NASFS

A Confederação Nacional dos Municípios divulgou um novo levantamento sobre a percepção dos prefeitos em relação ao consumo de drogas. Foram consultadas 1.599 cidades e 97% delas responderam que enfrentam problemas decorrentes do consumo de substâncias lícitas e ilícitas. A maior dificuldade relatada é a falta de unidades de saúde especializadas, apontada por 59% como grande entrave. 

O levantamento, que foi disponibilizado para o jornal O Globo e ainda não consta no site da entidade, parece centrar esforços no pleito pela extensão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) – e não no aumento em vagas nas comunidades terapêuticas. De acordo com a reportagem, o número de centros de atenção psicossocial (CAPs) deveria aumentar, chegando a municípios menores mesmo que, para isso, seja necessário fazer acordos regionais, já que a estrutura deve ser implantada apenas em cidades com mais de 15 mil habitantes. Os prefeitos também sentem falta de mais Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs), ausentes, segundo o levantamento, em pelo menos 33% dos municípios (16% não responderam). Segundo o levantamento, o equipamento mais bem distribuído não está na estrutura do SUS, mas da assistência social: trata-se do centro de referência de assistência social (Cras), presente em 87% das cidades.

Questionado pelo jornal, o Ministério da Cidadania de Osmar Terra destacou os investimentos no aumento de vagas em comunidades terapêuticas e o lançamento de uma campanha sobre drogas. Já o Ministério da Saúde prometeu o crescimento “ainda maior dos serviços ofertados pelo SUS” em 2020. 

Em tempo: pesquisando para esta nota, encontramos uma notícia curiosa de 4 de dezembro no Observatório do Crack, vinculado à Confederação Nacional de Municípios. O Ministério da Cidadania vai repassar quase R$ 1 milhão para que a entidade realize uma pesquisa sobre drogas que vai analisar o esgoto de seis cidades brasileiras para detectar a presença de substâncias ilícitas como crack, cocaína, metanfetamina e maconha. As análises ocorrerão em Porto Alegre, Curitiba, Natal, Campinas e São Carlos (SP).

BOLA DA VEZ

De acordo com o colunista Lauro Jardim, o fundo de investimentos Gera, que tem o bilionário Jorge Paulo Lemann entre os principais sócios, resolveu diversificar e vai mirar a saúde. Até agora, o fundo era totalmente focado em educação.

Falando nisso, a Qualicorp foi a empresa mais valorizada na Bolsa de Valores em 2019, obtendo alta de 250,96%. Na lista das dez maiores altas consta ainda a Raia Drogasil, com alta de 96,87%. (E, interessante: a Sabesp, companhia estadual de água e esgoto de São Paulo que é parte pública, parte aberta na Bolsa, ficou em nono lugar, com 102,26%.)

A ÁGUA DO RIO

Falando em água, a distribuição no Rio de Janeiro tem enfrentado problemas há cerca de uma semana. Em vários bairros, principalmente das zonas norte e oeste da capital fluminense, a água tem saído da torneira com cheiro e gosto estranhos. Acumulam-se relatos bizarros. Na sexta, por exemplo, até o biógrafo de Mariguella, Mário Magalhães, reclamou no Twitter: “Rio: no banho matinal, senti nos lábios um gosto estranho da água. Enchi no filtro uma garrafa e coloquei-a na geladeira. Seu conteúdo tinha cheiro e sabor desagradáveis. Cientistas não recomendam o consumo. Fui ao supermercado, mas acabou o estoque de água mineral. Escândalo.” Há diversos relatos de diarreia, gastroenterite e vômitos: dados da secretaria estadual de Saúde mostram que esses casos dobraram em duas unidades de pronto-atendimento na zona norte entre 20 de dezembro e 5 de janeiro.

A Cedae, companhia estadual de água e esgoto que tem enfrentado já há algum tempo um processo de pressão do governo federal para sua privatização, detectou na água geosmina, substância orgânica produzida quando há produção acentuada de algas e bactérias. Mas garante que a presença dessa substância não representa risco à saúde humana. Mas não é consenso que a culpa seja somente da geosmina, principalmente porque, de acordo com cientistas, a substância não explica o aspecto barrento da água.  

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro entrou no circuito. No fim de semana, o órgão convidou especialistas para irem nesta segunda-feira à Estação de Tratamento do Guandu coletar amostras de água. A Cedae afirmou que fez análises nesse que é o principal ponto de abastecimento da cidade e, segundo a empresa, tudo estava dentro dos padrões. A ver. 

MAIS SOBRE A INTOXICAÇÃO EM MINAS

A Polícia Civil de Minas Gerais deve divulgar nos próximos dias os resultados de laudos realizados no sábado pelos peritos do Instituto de Criminalística em amostras de cerveja recolhidas da Backer, de Belo Horizonte. A suspeita, como já dissemos, é de que a cervejaria seja responsável pelos casos de intoxicação registrados na região metropolitana, que já chegam a dez. Exames detectaram a presença da substância dietilenoglicol – utilizado em sistemas de refrigeração – no sangue de três pessoas internadas desde o dia 30 de dezembro com suspeita do que vem sendo chamado de síndrome nefroneural, que causa náusea,  vômito e dor abdominal, podendo evoluir para insuficiência renal e problemas neurológicos. 

Por outro lado, a Backer contesta o laudo preliminar divulgado pela Polícia Civil que apontou a presença de dietilenoglicol em amostras da cerveja Belorizontina e nega que a substância seja utilizada em seu processo de produção. A empresa afirma que vai enviar amostras de cerveja para análise laboratorial em paralelo à investigação da perícia. Na sexta, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento determinou a interdição da cervejaria.

No sábado, a Polícia Civil mineira emitiu uma nota em que afirma que um supervisor da Backer registrou boletim de ocorrência contra um funcionário que teria feito ameaças após ter sido demitido da empresa. O boletim foi registrado no dia 19 de dezembro. O primeiro caso de intoxicação notificado em Minas foi no dia 30 do mesmo mês. A nota da Polícia, no entanto, não explica a natureza das ameaças nem se elas podem ter relação com a contaminação dos lotes de cerveja, mas afirmou não descartar nenhuma possibilidade na investigação.

MAIS SOBRE A DOENÇA CHINESA

Ontem, a Organização Mundial da Saúde informou que a doença misteriosa da China causada por um novo coronavírus surgiu muito provavelmente em um mercado de peixes da cidade de Wuhan. É uma boa notícia, já que a doença acabou não se espalhando e o mercado já foi fechado pelas autoridades, diminuindo as chances de o vírus infectar mais gente. No sábado, um homem de 61 anos morreu, sendo a primeira vítima fatal do novo vírus. Outras 40 pessoas foram diagnosticadas com a doença, semelhante à pneumonia. E outras 717 que tiveram contato próximo com os pacientes estão sob observação. Na última quinta-feira, cientistas chineses já haviam conseguido terminar o sequenciamento genético no novo vírus. A velocidade com que obtiveram esse avanço foi destaque na mídia internacional. 

CAPITALISMO LÍMBICO

Para o historiador David Courtwright, estamos na era do capitalismo límbico – referência ao sistema neurológico responsável por nossas emoções e comportamentos. Isso porque as empresas lançam mão cada vez mais da psicologia e da neurociência para fazer marketing dos seus produtos. E a estratégia tem sido bem-sucedida em moldar novos hábitos e criar desejos, levando os consumidores a um estado mental de adicção. 

Courtwright, que defende essa tese em um novo livro chamado ‘A era da Adicção: Como Maus Hábitos Viraram Grandes Negócios’ conversou com a Vox. “As empresas oferecem produtos que produzem a liberação de dopamina de uma maneira que condiciona e, finalmente, altera o cérebro e desenvolve certos comportamentos viciantes, ou seja, comportamentos prejudiciais. As pessoas sempre venderam produtos potencialmente viciantes, mas o que aconteceu nos últimos cem anos ou mais é que mais dessas estratégias comerciais vêm de empresas altamente organizadas que fazem pesquisas muito sofisticadas e encontram mais maneiras de comercializar esses bens e serviços viciantes”, explica ele. E continua falando que produtos e empresas mais exploram o capitalismo límbico: “meio século atrás, eu diria que seriam principalmente produtos como álcool, tabaco e outras drogas. Mas nos últimos 20 ou 25 anos, houve uma grande expansão do conceito de dependência. Então agora não falamos apenas de dependência de drogas, falamos de dependência de pornografia, de jogos de computador, de mídias sociais, de comida, de todo tipo de coisas. O que acontece nas últimas décadas é uma explosão de inovação tecnológica e produção em massa e marketing em massa e, mais recentemente, a ascensão da internet, que realmente acelerou o processo e abriu novos espaços para os capitalistas límbicos chamarem nossa atenção e nos vender mais produtos.”

SAÚDE MENTAL PRECÁRIA

Estresse pós-traumático, depressão, ansiedade: esses problemas têm se tornado comuns entre os trabalhadores que fazem a moderação do conteúdo compartilhado através de redes sociais. São eles os responsáveis por tirar de circulação postagens que envolvem temas como apologia ao terrorismo, pedofilia, assassinato e estupro, dentre outros. Além da carga emocional de terem que lidar todos os dias com essa gama de assuntos, os trabalhadores que trabalham para gigantes da tecnologia como Facebook e Google relatam que são submetidos a condições de trabalho que agravam a situação, como monitoramento constante por parte dos superiores, restrições para uso do banheiro, pressão para o cumprimento de metas e falta de apoio psicológico. 

É o que mostram uma série de reportagens do site The Verge, que traz relatos de moderadores de conteúdo nos Estados Unidos, e também um documentário chamado ‘The Cleaners’, que relata o quadro precário de saúde mental dos trabalhadores que exercem essa função em países asiáticos. Há relatos inclusive de um trabalhador que cometeu suicídio após procurar ajuda psicológica e pedir à empresa transferência para outros setores, sem sucesso, bem como de um trabalhador nos EUA que passou a levar uma arma para a empresa com medo de que ex-funcionários voltassem para se vingar da demissão. Esses e outros casos são relatados por uma matéria do Nexo, que conta como trabalhadores brasileiros vêm relatando o mesmo tipo de problema identificado entre profissionais nos EUA e Ásia. 

SUICÍDIO NO LOCAL DE TRABALHO

Segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA, o número de suicídios cometidos no local de trabalho naquele país aumentou 11% entre 2017 e 2018, chegando a 304 ocorrências. E há grandes chances de o número real ser maior, segundo o órgão americano. O relatório não tenta explicar as razões do crescimento do problema.

SALÁRIO MÍNIMO E SUICÍDIO

Também vem dos EUA um estudo que se debruçou sobre a correlação entre suicídios e o aumento do valor mínimo pago por hora de trabalho. Os pesquisadores analisaram dados de pessoas entre 18 e 64 anos no período que vai de 1990 a 2015. Descobriram que houve 478 mudanças nesse valor mínimo ao longo dos anos (por lá, ao contrário do Brasil, os estados podem ter leis diferentes sobre isso). E, de acordo com a pesquisa, cada dólar aumentado esteve associado a uma diminuição entre 3,5% e 6% nas taxas de suicídio entre adultos com escolaridade até o ensino médio. Essas variações não afetaram o grupo com maior escolaridade. Comparando os dois grupos, fica patente a influência da educação sobre a saúde: 399.206 pessoas com até o ensino médio tiraram a própria vida, enquanto o número de suicídios entre quem tem mais escolaridade foi de 140.176 no período estudado.

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