Cerveja contaminada gera temores em Belo Horizonte

Laudo da Polícia Civil apontou solvente altamente tóxico em garrafas da bebida — uma pessoa morreu; 11 estão em estado grave. Leia também: após dois anos de debate, Conselho de Medicina muda diretrizes para atender pessoas trans

.

MAIS:
Esta é a edição do dia 10 de janeiro da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.

POSSÍVEL CONTAMINAÇÃO DE CERVEJA PREOCUPA

Um possível caso de contaminação mobiliza o país. Aconteceu na região de Belo Horizonte e as investigações da Polícia Civil apontam como causa mais provável a presença de uma substância chamada dietilenoglicol em pelo menos dois lotes da cerveja Belorizontina, da marca mineira Backer, presente em 11 estados brasileiros. Oito homens ficaram doentes em Belo Horizonte, apresentando vômitos, náuseas, insuficiência renal aguda e alterações neurológicas graves. Um deles morreu. Especialistas confirmam que esses sintomas são consistentes com a ingestão do dietilenoglicol, ou DEG, um solvente orgânico altamente tóxico de uso comum na indústria em produtos como medicamentos e cosméticos. Na fabricação de cerveja, ele pode ser usado no processo de resfriamento da bebida e para impedir que ela evapore – embora, segundo Carlo Lapolli, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal, ouvido pelo G1, isso seja incomum: “Normalmente, as cervejarias usam álcool puro, sem nenhum tipo de conservante ou agente químico, misturado com água, numa proporção de 30%, para refrigeração dos tanques.”

Contudo, a análise da Polícia foi feita em garrafas da bebida recolhidas nas residências de pessoas contaminadas. A Backer nega que a substância encontrada nas garrafas faça parte de seu processo de produção. Mas prometeu ontem recolher imediatamente os lotes suspeitos – L11348 e L21348 – dos mercados. A Polícia, por sua vez, pede que a população não consuma a bebida proveniente desses lotes e devolva as garrafas, se possível. Em entrevista ao Estadão, o superintendente de Polícia Técnico-Científica de Minas, Thales Bittencourt, afirma não ser possível informar, no momento, os motivos que levaram a substância a ser encontrada na cerveja: “Podemos afirmar apenas que estavam nestas amostras.”

A linha do tempo montada pelas autoridades dá conta de que os casos foram relatados ao Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Minas entre 19 e 31 de dezembro. No dia 5 de janeiro o Ministério da Saúde foi notificado pela secretaria estadual de Saúde de Minas Geras sobre as ocorrências de causa não identificada. A única morte até agora aconteceu no dia 7, vitimando Paschoal Dermatini Filho, de 55 anos. O corpo foi necropsiado. Todos os doentes são homens, com idades entre 23 e 76 anos. Eles têm em comum o fato de terem frequentado recentemente o bairro Buritis, na zona oeste da capital mineira. Por lá, de acordo com a Folha, os relatos do surto começaram a circular no último fim de semana e em pelo menos 25 grupos de WhatsApp circulou a hipótese de que o problema poderia ter sido causado pelo consumo de alimentos contaminados.  “Dezenas de pessoas entraram em contato comigo e chegaram a falar que não comem nada no bairro até que a situação seja resolvida”, afirmou ao jornal Braulio Lara, presidente da Associação dos Moradores do bairro. Ontem, a Polícia Civil foi à fábrica da cervejaria e instaurou inquérito para dar prosseguimento à investigação do caso. 

MILITAR PARA COMANDO DA ANVISA

Não é propriamente uma surpresa: ontem, Jair Bolsonaro encaminhou ao Senado a indicação de Antônio Barra Torres para exercer o cargo de diretor-presidente da Anvisa. Conhecido como “contra-almirante” Barra Torres veio da Marinha e está na agência reguladora desde agosto do ano passado, também por indicação do presidente. Em dezembro, como você deve lembrar, ele foi um dos três diretores a votar contra a proposta que autorizava o plantio de maconha no Brasil para fins medicinais. Caso a indicação presidencial passe, o mandato de Barra Torres será não de três, mas de cinco anos – sem direito à recondução. A regra foi aprovada pelo Congresso em 2019 no âmbito do novo marco legal das agências reguladoras.

Seguindo aparentemente uma linha menos política, Bolsonaro também encaminhou ao Senado a indicação de Marcus Aurélio Miranda de Araújo para ocupar o cargo de diretor da Anvisa. Trata-se de um servidor da agência que foi chefe de gabinete de Willian Dib, ex-diretor presidente com quem o governo travou intensa guerra no affair da Cannabis

UMA SÉRIE DE MUDANÇAS

O Conselho Federal de Medicina reduziu de 21 para 18 anos a idade mínima para que pessoas transgênero possam ter acesso a cirurgias de afirmação de gênero (também conhecidas como redesignação sexual). A resolução, que atualiza regras definidas em 2010, foi debatida ao longo de dois anos com especialistas e publicada ontem no Diário Oficial. 

O texto traz diretrizes para o atendimento médico e cuidados de saúde de pessoas transgênero ou com incongruência de gênero. A norma veda qualquer tipo de intervenção antes do início da puberdade. Para crianças, a indicação é de acompanhamento psicológico. A prescrição de terapias hormonais e o uso de medicamentos para bloqueio da puberdade foi regulamentado pela primeira vez. Nessa etapa, os profissionais devem se guiar por uma metodologia conhecida como escala de Tanner.  Em meninas, a indicação é que o bloqueio comece entre oito e 13 anos. Já em meninos, de nove a 14 anos. O bloqueio pode ser revertido. 

De acordo com a resolução, a terapia hormonal cruzada – nome dado à reposição hormonal que permite que a pessoa desenvolva características femininas ou masculinas, de acordo com sua identidade de gênero – deve começar aos 16 anos, caso paciente e equipe médica concordem. Finalmente, a redução na idade mínima para indicação da cirurgia aconteceu para adequar a resolução às regras que definem a maioridade civil. Entre os procedimentos previstos, estão cirurgias genitais e mamoplastia. É necessário acompanhamento de, no mínimo, um ano antes dos procedimentos.  
Seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde, a norma mudou a definição de pessoa transgênero – que, na resolução anterior, era descrita como “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual”. Em 2018, a OMS retirou a transexualidade da Classificação Internacional de Doenças.

O CFM estabelece ainda a composição mínima das equipes que devem fazer parte da atenção médica especializada para cuidado ao transgênero, que deve ser composta por um pediatra (caso o paciente tenha até 18 anos), psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista e cirurgião plástico. O atendimento só pode ocorrer após assinatura de um termo de consentimento, com informações sobre riscos e benefícios. Para menores de 18 anos, o documento precisa ser assinado pelos pais. 

O Ministério da Saúde informou à Folha que deve encaminhar a nova resolução à Conitec, comissão que avalia a incorporação de novas tecnologias no SUS, para avaliar se há necessidade de mudanças no atendimento ofertado para esse público pelo Sistema, instituído em 2008. Ainda segundo o jornal, atualmente, apenas cinco unidades públicas estão habilitadas para realizar procedimentos cirúrgicos: os hospitais das clínicas das cidades de São Paulo, Recife, Porto Alegre e Goiânia, e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio. E – o que é grave – não há estatísticas oficiais sobre quantos centros especializados existem na rede particular.

UMA GRANDE IRRESPONSABILIDADE

A proposta do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de pautar a abstinência sexual como único método 100% eficaz para prevenir a gravidez precoce foi examinada em um artigo e uma entrevista publicados ontem. O psiquiatra Luís Fernando Toffoli precisou lembrar o óbvio no Intercept Brasil: não existem evidências científicas de que programas baseados na abstinência sejam eficazes nem em países desenvolvidos, nem nas nações em desenvolvimento como o Brasil. “Os dados são tão eloquentes que, em 2017, a Sociedade Americana pela Saúde e Medicina do Adolescente emitiu um documento no qual considera que programas baseados na abstinência sexual são eticamente deficientes e deveriam simplesmente deixar de existir”, destacou. E continua: “A concepção de que a abstinência é o único método 100% eficiente esbarra na realidade de que, para um método funcionar, ele precisa ser aplicado de forma factível, e a realidade revela que as pessoas se casam cada vez mais tarde e o sexo antes do casamento é cada vez mais aceito pela sociedade, goste-se disso ou não. Os especialistas e a literatura indicam que a solução estaria na adoção pelas escolas de programas de educação sexual abrangente (sic): inclusivos, cientificamente corretos e culturalmente sensíveis.”

Já a Gênero e Número entrevistou a pedagoga Carolina Arcari, que foi pela mesma linha de raciocínio: “Estamos enfrentando um cenário político bastante conservador nesses últimos anos. E isso atinge diretamente a educação sexual e os poucos espaços de diálogo, reflexão e informação sobre temáticas de sexualidade disponíveis para adolescentes. O atual governo criou um pânico moral e contribuiu para a disseminação de fake news, já na época da disputa da eleição presidencial. Uma de suas bandeiras foi o ataque à educação sexual, reforçando a ideia do senso comum de que esse tipo de informação pode erotizar crianças e adolescentes. Várias pesquisas científicas já mostraram que isso não é verdade: educação sexual intencional é capaz de adiar o início da vida sexual e construir comportamentos sexuais mais responsáveis. Quanto à política de incentivo à abstinência, o problema é que esses programas são construídos desconsiderando a realidade das e dos jovens, apostando que quanto menos informações sobre sexo, menor a probabilidade de iniciarem a vida sexual precocemente. Porém, não há evidências científicas de que esses programas funcionem.”

NO RADAR

De acordo com os últimos dados do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids divulgados pelo Ministério da Saúde, o número de grávidas com HIV no Brasil aumentou 36% entre 2008 e 2018. Em 2008, foram registradas 6,7 mil gestantes com HIV. Em 2018, esse número passou para 8,6 mil. O governo atribui o índice ao aumento das notificações e aos avanços no tratamento da síndrome. “A Aids, no passado, tinha uma mortalidade alta. Hoje, a pessoa infectada tem a mesma sobrevida de uma pessoa não infectada, desde que tome o medicamento. Mulheres que tomam o medicamento podem ter crianças por parto normal. Elas têm estímulo para engravidar”, explicou Gerson Pereira, do Ministério, à Agência Brasil.

AINDA SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO INPI

Ontem de tarde, a Repórter Brasil publicou uma reportagem em que várias fontes comentam a proposta do Ministério da Economia de privatizar o INPI, substituindo a autarquia federal por um serviço social autônomo nos moldes do Sistema S e da Adaps. E o interessante é que, nesse caso, indústria nacional e interesses das multinacionais parecem se chocar. A Interfarma, entidade que representa as empresas estrangeiras, preferiu se esquivar das perguntas do repórter Diego Junqueira, não se comprometendo. Mas a ideia do governo é, nas palavras do dono do Cristália, laboratório brasileiro recordista em patentes, “insana”. Para Ogari Pacheco, o mais seguro é que as atribuições do INPI continuem ligadas a um órgão público. Aliás, em nenhum lugar do mundo o escritório de propriedade industrial está fora da estrutura do governo, garantiu a juíza Márcia Nunes de Barros, especialista em propriedade intelectual. 
E, além disso, o INPI opera no azul. Ou seja, é uma autarquia que gera receita para o Tesouro. “A previsão orçamentária para 2020 é de R$ 513 milhões em receitas e R$ 333 milhões em despesas – saldo positivo de R$ 180 milhões”, escreve Junqueira.

A reportagem também fala sobre o contexto do INPI. Isso porque o governo Bolsonaro já está prejudicando a autarquia e, de tabela, a população: o Instituto passou a adotar um plano de metas para reduzir a fila de espera dos pedidos de patente, que hoje conta com 155 mil solicitações. Mas ao invés de colocar a ideia em prática contratando mais gente, resolveu aumentar o número de pedidos que cada funcionário analisa – e até o presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, que é a favor do plano, admite que isso fez cair a qualidade da análise. Só que uma patente mal concedida significa um monopólio desnecessário – e preços mais altos de medicamentos. No Brasil, a Lei de Patentes permite que o tempo que cada empresa tem de vender um produto com exclusividade ultrapasse o padrão internacional, de 20 anos.  

ATÉ QUE ENFIM

Diante de uma grave crise de desabastecimento que já dura meses, ontem – finalmente –, o Ministério da Saúde começou a regularizar a distribuição da vacina pentavalente. Devem ser enviadas 1,7 milhão de doses aos estados, que vão encaminhá-las em seguida aos municípios. A vacina garante proteção contra cinco doenças: difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilusinfluenza tipo B.

CONTRA A MP 914

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) subscreveu a nota pública divulgada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e outras entidades contra a medida provisória 914, editada em 24 de dezembro por Bolsonaro, que modifica o processo de escolha dos reitores das universidades e dos institutos federais. A nota aponta que, além da canetada do presidente ter sido dada sem qualquer diálogo com a comunidade acadêmica, a MP vai contra a Constituição por ferir a autonomia universitária. As entidades explicitam que as novas regras devem ser revistas em uma discussão entre o governo, a comunidade universitária, o Congresso Nacional e setores da sociedade brasileira “envolvidos com a educação, a ciência e o desenvolvimento do país”.

MAIS:
Esta é a edição do dia 10 de janeiro da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.

Leia Também: