O Roda Viva com Nísia Trindade Lima

• Nísia Trindade no Roda Viva: a desbolsonarização, a aposta na Saúde da Família, a atenção aos direitos reprodutivos e dos LGBTQIA+, o piso da Enfermagem • Fila do SUS no pós-pandemia: desafios e necessidade de reorganizar sistema de informações •

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Na noite desta segunda-feira (6/1), o programa Roda Viva da TV Cultura recebeu a ministra da Saúde Nísia Trindade Lima, que comentou os desafios do país no setor e os objetivos gerais de sua gestão. Com discurso diplomático e polido, não deixou de destacar o imenso vazio da gestão anterior. Dentre tantos temas, a ministra destacou a importância das Equipes de Saúde da Família – cujo efetivo está em queda desde o governo Temer – na conexão com a população e mapeamento de suas necessidades. “É a principal estratégia da atenção primária, orienta a população e identifica problemas. Com certeza será fortalecida”, afirmou, antes de também destacar os cerca de 300 mil Agentes Comunitários de Saúde, recentemente reconhecidos pelo governo como uma categoria de trabalhadores.

Desbolsonarizando a Saúde

Nísia em momento algum subiu o tom de críticas à gestão anterior, nem mesmo quando perguntada a respeito da passagem criminosa do general Eduardo Pazuello pela pasta. Ainda assim, demarcou as diferenças fundamentais da nova gestão. Destacou que direitos reprodutivos de mulheres e população LGBTQIA+ são fundamentais na política de saúde integral. “Devemos proteger meninas e mulheres vítimas de violência, dentro do que uma lei já da década de 40 permite”, afirmou, em relação à portaria que vinculava o direito ao aborto previsto em lei à investigações policiais. Trata-se de um instrumento de intimidação de mulheres violadas, que explica parte do aumento do número de mortes maternas no país. Nísia também lembrou do apagão de dados, uma crítica comum a todos os grupos temáticos da transição, e da revogação de diversos conselhos, prática antidemocrática com a qual Bolsonaro efetivamente enfraqueceu os instrumentos de participação popular. Quanto à política de drogas, afirmou ser favorável à redução de danos, um recado sutil contra a guerra às drogas e toda a violência estatal que engendra.

Uma torrente de demandas

Ainda sobre o governo anterior, Nísia confirmou o assédio do conservadorismo neofascista a diversos pesquisadores e até a ela mesma, enquanto presidente da Fiocruz e entusiasta de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias próprias em saúde. Outro desafio de peso é a articulação da atenção primária com a especializada, principalmente em áreas mais distantes das metrópoles. “Precisamos avançar uma política de atenção especializada em um novo cenário demográfico”. Entre tantos outros tópicos, que revelam um aumento da preocupação geral com temas de saúde, o Piso Nacional de Enfermagem foi o assunto que liderou as intervenções do público que interagiu com o programa. Nísia destacou que a decisão não é exclusiva de seu ministério, mas defendeu o piso e destacou o papel da categoria em tempos recentes.

O esforço para zerar a fila do SUS

Na semana passada, a ministra da Saúde anunciou um pacote de R$ 600 milhões para a aceleração de cirurgias que se acumularam por conta do isolamento social e da pressão sobre o SUS em função da pandemia. Seriam, numa estimativa que parece conservadora, 1 milhão de procedimentos represados. Em entrevista ao Jota, Helvecio Magalhães, secretário de Atenção Especializada à Saúde (SAES), explicou como o governo pretende resolver essa importante demanda dos brasileiros. De cara, serão enviados R$ 200 milhões. O restante irá de acordo com os avanços que cada estado obtiver. “A ideia é não engessar. Os recursos, repassados de acordo com per capita, serão enviados seguindo planejamento preparado com municípios. Se os estados fizerem ações de forma contínua, os valores restantes poderão ser pagos mensalmente, na medida da produção”.

Reorganização do sistema

O caráter paulatino do envio de recursos também tem a ver com o desencontro de informações do cadastro nacional do SUS, uma vez que cada estado e mesmo município tem sua própria forma de contabilizar dados de saúde. “É muito comum uma pessoa ser operada e o nome continuar na fila. E o contrário também ocorre: a pessoa se inscrever e seu nome sumir. Por isso, precisamos ter um esforço dos três entes para arrumar essa fila, ter sistema, saúde digital, usar experiências de outros estados, do setor privado para a gente ter noção. Hoje, é como navegar às cegas”, explicou. Sobre os mutirões, que podem incluir o setor privado, Helvecio Magalhães mostra cautela. “É preciso reconhecer que há mais de 20 anos se fala em mutirões. E os resultados nunca foram bons, de forma geral. Mas há algumas experiências bem sucedidas, que estamos catalogando, estudando. Neste vácuo que o ministério da Saúde teve nos últimos anos, estados precisaram se organizar, fizeram policlínicas, consórcios. Vamos ver o que deu certo e tentar replicar”.

Medidas estruturantes

Marília Louvison, vice-presidente da Abrasco e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, converge com o comandante da SAES e ressalta a necessidade de se aprimorar a produção de informações para melhor monitoramento das necessidades da população. “Os estados vão dizer qual é a necessidade, qual é a sua possibilidade de oferta, quantas pessoas têm que contratar para fazer isso. Assim será possível saber em qual território e em qual procedimento a cirurgia está demorando muito, e poder apoiar, enviar recursos, remanejar profissionais e serviços, para reduzir as desigualdades”, disse à Agência Brasil. Por sua vez, Wilames Freire, presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, pede uma visão de longo prazo. “O que estamos solicitando ao governo federal é que, durante os quatro anos, sejam disponibilizados R$ 3,5 bilhões. Assim, teríamos condição de não só zerar a fila, mas dar sequência ao projeto. Queremos uma política perene, permanente, para fixar o profissional no serviço, e para que a unidade gestora tenha tranquilidade para manter um funcionamento”.

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