O que esperar do recuo de Bolsonaro?

Idas e vindas são uma marca registrada da gestão do presidente. Seria este um recuo ou uma calculada movimentação tática para Bolsonaro acalmar os ânimos e voltar com nova investida golpista?

Foto: Gabriela Biló
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Por Leila Salim

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“Minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. Nem parece o mesmo Bolsonaro que, no 7 de setembro, subiu o tom, ameaçou o Supremo Tribunal Federal, questionou as eleições e disse que “só sairia morto” de Brasília. Mas é. O  dia de ontem marcou um grande recuo nas movimentações golpistas, operado com a participação decisiva de Michel Temer (articulada pelo Centrão) e cristalizado em uma “Declaração à Nação” de tom conciliador e recheada de acenos a Alexandre de Moraes e ao STF. 

Bastaram 48 horas – e constatações importantes sobre as correlações de forças em jogo – para que o então raivoso e radicalizado Bolsonaro fizesse, inclusive, elogios rasgados à China e destacasse, em reunião dos Brics, a importância da “parceria” com o país para a “gestão adequada da pandemia no Brasil”. É outro tom, que em nada lembra os ataques de toda ordem ao país asiático, usados inclusive para insuflar as bases bolsonaristas através do mais caricato anticomunismo a uma “defesa do Brasil contra a ameaça comunista” nas manifestações de dias atrás.

Sabemos que ainda é cedo para análises taxativas, mas é importante botar na conta dos acontecimentos que precederam o passo atrás o próprio desenho dos atos do dia 7, além das respostas de diferentes setores às sinalizações de ruptura institucional. Como comentamos aqui, é de se destacar que Bolsonaro esperasse 2 milhões na Paulista e tenha mobilizado cerca de 125 mil pessoas. Lembremos também que, depois da agitada noite do dia 6 em Brasília, o clima de invasão ao STF ou “tomada das instituições” foi diluído, enquanto a cúpula das Forças Armadas parecia esperar quieta o desenrolar dos acontecimentos, evitando até mesmo aparecer no palanque ao lado do presidente. 

A movimentação do STF na véspera (pressionando a Polícia Militar do DF e as Forças Armadas a conterem as tentativas de invasão ao Planalto), no próprio dia 7 e no pós (com destaque às declarações dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso) também parece ter indicado mais contundência e menos tolerância que o usual às ameaças de Bolsonaro. Enquanto partidos do Centrão declararam publicamente que iriam iniciar discussões sobre adesão aos pedidos de impeachment do presidente, os donos do dinheiro operaram no mercado financeiro dando sinais bem claros de que não embarcariam (dessa vez, ou pelo menos agora) na aventura golpista. 

Mas, como as idas e vindas são uma marca registrada da gestão bolsonarista da política, há quem entenda o recuo como uma calculada movimentação tática. Bolsonaro, aparecendo como bombeiro do incêndio que ele mesmo criou, acalmaria os ânimos, ganharia tempo e estabilidade para voltar mais adiante com mais uma investida golpista de seu projeto fascistizante. De todo modo, se considerarmos que a ideia do dia 7 era “contar garrafas”, medir forças, avaliar possibilidades para um futuro golpe ou mesmo executá-lo caso a janela de oportunidades fosse arrombada pela base bolsonarista mais fiel e radicalizada que ocupou Brasília, é preciso reconhecer que algo deu errado. Se definitivamente ou não, ainda parece cedo para dizer.  

Quem não gostou nada do cavalo-de-pau em direção à versão comedida de Bolsonaro foi justamente sua base menos pragmática e mais “ideológica”. Os setores de caminhoneiros mobilizados pelo agronegócio, que bloqueavam estradas e aguardavam com grandes expectativas o momento em que o estado de sítio seria anunciado (acompanhado da destituição de todo o Supremo), custaram a acreditar que seu próprio “mito” havia pedido que voltassem às suas casas e desistissem das manifestações. Mandar áudio para grupo de Whatsapp não bastou, e foi preciso chamar ministros como Tarcísio Freitas e Damares Alves para ajudar na força-tarefa de desmobilização. Bolsonaro foi acusado de traição e fraqueza por uma base desapontada e abandonada. 

Enquanto a balança parece pender, mesmo que momentaneamente, pro lado oposto de Bolsonaro, setores da direita tradicional e do capital indicam o descolamento do governo para salvar o programa econômico que os unifica. Seja qual for a natureza do recuo, do lado de cá, acreditamos que insistir na construção de alternativas pautadas pela garantia de direitos e em contraposição à agenda ultraliberal é uma exigência do momento, que pode tanto evitar a captura – e esvaziamento – da oposição ao projeto fascista quanto manter a guarda alta para o caso de futuras investidas golpistas. 

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