O pacto com o STF

Após encontro com Bolsonaro, Dias Toffoli tira da agenda do STF dois julgamentos importantes: sobre drogas e criminalização da homofobia. Leia também: a OMS debate o preço dos medicamentos; as OSs querem ser ainda menos controladas

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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O PACTO COM O STF

Havia quem se perguntasse o que o presidente do Supremo Tribunal Federal poderia fazer de concreto depois que decidiu imitar seus colegas da Praça dos Três Poderes, políticos, e fechar um “pacto” com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Pois Dias Toffoli nos deu, ontem, a resposta. Com a agenda da Corte debaixo do braço, ele pode adiar julgamentos importantes para o país, mas antipáticos ao governo. O primeiro tema atingido foi a descriminalização do uso e do porte drogas. Iniciado no longínquo 2015, nova sessão do julgamento da ADI estava marcada para a próxima quinta, 5. Agora, não se tem nem ideia de quando possa dar as caras de novo no Tribunal.

Quem apareceu por lá na última terça foi o ministro da Cidadania Osmar Terra. Ele se reuniu com Toffoli para falar do assunto sobre o projeto de lei (PLC 37) que modifica a Lei Antidrogas, fortalecendo comunidades terapêuticas e facilitando a internação involuntária. O argumento é de que com essa lei, não haveria necessidade de o STF julgar a descriminalização. Advogados discordam. O prazo para a sanção da lei é o mesmo dia 5, quando aconteceria a sessão no Supremo.

O julgamento sobre a criminalização da homofobia também foi atingido: estava agendado para a próxima quinta, agora passou para o dia 13. Parte importante dos argumentos que sustentam a atuação do STF neste caso são a constatação de que o Congresso foi omisso em legislar sobre o tema. A maior parte dos ministros do STF já votou a favor da tese da criminalização. Mas agora a Frente Parlamentar Evangélica está articulando na Câmara um projeto que criminaliza mais ou menos a homofobia e dá salvo-conduto a pastores para destilarem seus preconceitos. Com o resultado da última sessão do julgamento do STF, no dia 23, tinha recebido um balde de água fria: estava claro que o Supremo seria mais rápido. Agora, com Toffoli agindo sob influência do “pacto” com Bolsonaro, quem sabe dá tempo.

Aliás, ontem o presidente fez elogios a Dias Toffoli e disse que “é bom ter a Justiça a seu lado”. 

MAIS TRANSPARÊNCIA

Na última terça, a Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução inédita que propõe mais transparência no mercado de medicamentos, vacinas e produtos de saúde. O sinal verde foi dado depois de uma longa batalha diplomática que se iniciou em fevereiro, de forma inesperada, quando o governo de extrema-direita de Matteo Salvini apresentou a proposta. Ao lado da Itália, constavam como apoiadores da resolução dois outros países europeus – Portugal e Espanha – e isso, na opinião de muitos analistas, fez a diferença. Durante muito tempo, as dificuldades no acesso a medicamentos foram tratadas como assunto de países pobres. Mas as políticas de austeridade, por um lado, e os custos cada vez mais proibitivos cobrados pela indústria farmacêutica, de outro, transformaram a questão em um problema de todos. Ou quase todos.

A resolução enfrentou grande resistência dos países que sediam as principais empresas da Big Pharma. Nações como Alemanha, França e Reino Unido fizeram de tudo para mudar o sentido original do texto. À certa altura das negociações, o documento apresentava mais de 200 mudanças e circulou nas redes a denúncia de que esses países estariam tentando “matar” a resolução com “200 colchetes” – que é a forma como as propostas de edição apareciam nos rascunhos.

Depois de muitas idas e vindas, o conteúdo da resolução ficou menos ambicioso. A versão consensual “perdeu os dentes”, como muitos falam. Uma dentada que não poderá ser dada, ao menos por hora, é a determinação de que a transparência de custos em toda a cadeia produtiva seja requisito prévio para que uma empresa obtenha o registro de um medicamento. Mas o texto aborda a necessidade de que os países troquem entre si os preços que pagam, assim como as informações sobre as patentes que concedem. 

Para entender as implicações da resolução, seu contexto e também a geopolítica por trás do problema, nossa editora Maíra Mathias entrevistou, no calor dos acontecimentos diretamente de Genebra, Vitor Ido, oficial do programa de desenvolvimento, inovação e propriedade intelectual do South Centre, organização intergovernamental dos países do Sul global. Confira.

ILUSTRATIVO

Em sua coluna de ontem, Marcelo Rubens Paiva dá um exemplo perfeito do quanto é necessário avançar em relação à transparência dos custos dos medicamentos para entender (e contra argumentar com as empresas) os preços finais. É que acaba de chegar ao mercado o Zolgensma, da Novartis, ao custo de mais de R$ 8,7 milhões cada tratamento. O remédio promete curar a atrofia muscular espinhal em crianças com menos de dois anos.

MUI PREOCUPADOS

Nessa quarta-feira aconteceu em São Paulo um evento sobre a gestão de serviços públicos por Organizações Sociais. Foi promovido pelas duas entidades que representam essas organizações na saúde (Ibross) e na cultura (Abraosc), teve apoio do Conass (o conselho dos secretários estaduais de saúde) e, entre os convidados, estava o ministro da Saúde, Mandetta. Nossa editora Raquel Torres foi conferir. Mandetta acabou não indo, mas foi interessantíssimo acompanhar o debate. “Debate” é modo de dizer, já que os participantes – quase todos ligados às OSs e alguns à gestão pública – não tinham muito o que discordar. 

Havia algumas ideias onipresentes: a de que é preciso mostrar à sociedade que as OSs (sem fins lucrativos por definição) não ganham absolutamente nada em troca pelos contratos de gestão firmados; a de que as OSs são, afinal, a sociedade civil organizada encarnada; a de que é preciso deixar mais claro que esse modelo de gestão significa uma “parceria” entre público e privado e não apenas uma prestação de serviços; e finalmente a de que os órgãos de controle fiscalizam em demasia essas organizações por não entenderem o modelo e, por isso, punem gestores públicos e OSs injustamente.

Aliás, o país vive uma “ditadura do controle”, segundo Leonardo Vilela, presidente do Conass. O secretário de cultura de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, lamentou que esse modelo de gestão esteja “sendo ameaçado”. Isso acontece, segundo ele, porque a sociedade brasileira é “estatólatra”, o que precisa ser combatido. “Eu acho que o Estado não deveria fazer nada ou quase nada diretamente”, disse. 

Outro ponto ressaltado foi que “todos os estudos” demonstram o quanto contratar organizações sociais é mais eficiente do que fazer administração direta, embora esses vários estudos não sejam nominalmente citados. Apenas o presidente do Ibross mencionou uma pesquisa do Tribunal de Contas de Santa Catarina (e, neste caso específico, o órgão de controle parece ter entendido bem o modelo…) que demonstrou o melhor gasto público das OSs. Mas os palestrantes  também deixaram claro que isso não significa que o Estado gasta menos dinheiro quando contrata OSs. Às vezes, gasta mais… E tudo bem também. 

 ‘XEROQUE ROLMES’

O diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, Paulo Chapchap, descobriu o conceito de médico de família e, agora, conta a “novidade” para todo mundo em entrevista ao Valor. Segundo ele, o “fortalecimento da saúde básica pode diminuir gargalos” e tornar menos frequente a procura por atendimentos de emergência. Quem imaginaria?

Pois para divulgar essa nova “bandeira”, Chapchap anda promovendo eventos, com especialistas… dos Estados Unidos. Vale lembrar que na Conferência Internacional que a OMS promoveu sobre a atenção primária no ano passado, o Brasil foi o exemplo mais citado de sucesso, graças à Estratégia Saúde da Família. 

Na matéria, longuíssima e elogiosíssima, à certa altura se diz que Chapchap “não se queixa do SUS” e que o desafio do Sírio Libanês é “fazer a sua parte”, como em um “trabalho de responsabilidade social” em três hospitais públicos da periferia de São Paulo. Só faltou dizer que o Sírio não paga impostos federais porque participa de um programa do Ministério da Saúde, o Proadi, e que o trabalho de “responsabilidade social” é remunerado com recursos públicos, já que a Organização Social do Sírio recebe para fazer a gestão dos três hospitais.

PROTESTOS

Os protestos contra o contingenciamento nas verbas da educação se espalharam por todos os estados do país. Segundo o G1, aconteceram em pelo menos 136 cidades. As manifestações foram menores em comparação ao dia 15, quando arrastaram multidões às ruas em 220 cidades e, se a conta do G1 estiver certa, pelo menos em capilaridade também foram um pouco menores do que os atos do dia 26 em apoio a Bolsonaro, que segundo o site, aconteceram em 156 municípios.
Segundo o Valor, as maiores manifestações foram as de Salvador, onde há uma greve estadual na educação há mais de 40 dias, de São Paulo e do Rio.

Na tarde de ontem, o MEC divulgou uma nota em que dizia que pais e responsáveis – além de alunos, funcionários e professores – “não são autorizados” pela pasta a divulgar e estimular os protestos durante o horário escolar. A nota dizia que servidores “não podem deixar de desempenhar suas atividades para participar” dos atos, tampouco as instituições públicas teriam “prerrogativa legal para incentivar movimentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações”. O MEC orientou que denúncias fossem encaminhas a sua ouvidoria.

Segundo a colunaPainel, a nota está sendo considerada uma declaração de guerra ao setor por políticos experientes que até a publicação do texto, apostavam no arrefecimento dos atos. Para o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, a nota afronta a Constituição ao adotar a premissa de que as manifestações são político-partidárias e viola o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que trata do direito de liberdade.

Já o MPF do Rio Grande do Norte ingressou ontem com uma ação civil pública contra Abraham Weintraub e a União por conta da declaração do ministro de que as universidades fazem “balbúrdia”. A ação exige o pagamento de R$ 5 milhões por danos morais coletivos a alunos e professores de instituições federais de ensino.

VÍRUS

E os cortes na educação afetam a pesquisa sobre chickungunya na UFRJ: entre as bolsas canceladas, estão algumas do Laboratório de Virologia Molecular voltadas para a doença. Esse foi o mesmo laboratório que descobriu o vírus mayaro em circulação no Rio. O repórter Raphael Kapa, da Piauí, visitou o espaço e narra os problemas. 

Em tempo: a USP detectou a circulação do vírus mayaro no interior de São Paulo.

PARA TIRAR O BPC

Os deputados federais tucanos Eduardo Barbosa (MG) e Tereza Nelma (AL) conseguiram ontem coletar 213 assinaturas e protocolaram ontem uma emenda que remove da PEC da reforma da Previdência qualquer referência ao Benefício de Prestação Continuada, o BPC. A proposta também protege direitos de idosos e pessoas com deficiência em casos de pensão por morte, aposentadoria especial ou por incapacidade, auxílio-inclusão, acúmulo de benefícios e readaptação do servidor público.

VITAL BRAZIL FECHADO?

Segundo o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), o governo João Dória pretende fechar a única unidade de referência para atender acidentes com animais peçonhentos na região metropolitana. Trata-se do Hospital Vital Brazil, que teria seus atendimentos redirecionados para o Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O problema, diz o Simesp, é que o Emília Ribas já passa por dificuldades e não há clareza de como o governo João Doria pretende substituir o serviço consultivo que os especialistas do Vital Brazil prestam para colegas em todo o estado, orientando em relação a diagnóstico e prescrição de medicamentos a pessoas picadas por cobras, aranhas e escorpiões.

OS PIORES

Um grupo de cientistas de diversas universidades estrangeiras analisaram todos os atos de governos que resultaram em diminuição ou extinção de áreas ambientais em mais de cem anos. Descobriram que nos últimos 20 anos há uma tendência mundial de retrocessos. E descobriram mais: quem lidera essa tendência são os Brasil e os Estados Unidos.

CONTRA A RESISTÊNCIA

A resistência de bactérias a antibióticos é um problema cada vez mais grave. O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças estima que, só naquele continente, o problema mate 30 mil pessoas por ano. Com a inércia das grandes farmacêuticas em desenvolver novas linhas de antibióticos, vários cientistas e pequenas empresas estão buscando outros caminhos. Um deles, ironicamente, retoma uma ideia que embalou as primeiras tentativas de combate às bactérias com os chamados bacteriófagos. Ao contrário dos antibióticos, que são substâncias químicas que bloqueiam processos essenciais, os fagos são vírus que matam bactérias. Se os antibióticos conseguem matar um grande espectro de bactérias, os fagos são mais específicos: cada um deles mata um ou algumas cepas de bactéria. Para se ter uma ideia, médicos aplicaram 10 mil tipos diferentes de fagos em um bebê que tinha desenvolvido resistência a antibióticos. Deu certo.

MAIS EVIDÊNCIAS

Esta semana foram publicados os resultados de dois novos estudos sobre alimentos ultraprocessados. Ambos associam o consumo a graves riscos de saúde, como explica João Peres n’O Joio e o Trigo. Na primeira pesquisa, quase 20 mil pessoas foram acompanhadas por duas décadas na Espanha. E os participantes com maior consumo de ultraprocessados tiveram risco de morte 62% maior do que os com menor consumo. Já o segundo estudo acompanha 105 mil franceses há dez anos e, até agora, viu que o aumento no consumo desses produtos leva a uma maior chance de ter problemas cardiovasculares. 

HOLLYWOOD EM CAMPANHA

Temos mostrado aqui como leis restritivas ao aborto avançam no sul e no centro-oeste dos Estados Unidos. Nem chegamos a dar todas as notícias aqui, porque todo dia tem alguma diferente.  A Geórgia aprovou no início do mês a proibição de se interromper a gravidez tão logo se consiga detectar batidas do coração do feto, o que pode acontecer lá pela sexta semana, quando a maior parte das mulheres sequer descobriu a gravidez. Esse estado é o terceiro maior polo de produção audiovisual do país, conhecido como “Hollywood do Sul”. E acabou levando produtoras a uma campanha de boicote. Até agora, Disney, Netflix e WarnerMedia ameaçam deixar de produzir filmes e séries lá se a lei vingar. 

Enquanto isso, no Missouri, a única clínica que ainda pratica abortos pode ser fechada, e o estado pode se tornar o primeiro do país e não oferecer o serviço legal. Na semana passada, o governador assinou uma lei que proíbe o procedimento após 8 semanas de gestação. 

HERMANAS

E, ao nosso lado, as argentinas voltam às ruas para defender o projeto de legalização que foi derrotado pelo Senado no ano passado. Ele voltou ao Congresso, com mudanças. 

BOA PROIBIÇÃO

Medidas restritivas ao cigarro evitaram a morte de 15 mil crianças entre o ano 2000 e 2016: essa é a conclusão do primeiro estudo que analisou o impacto das restrições na saúde em um país em desenvolvimento. O artigo, divulgado hoje, é assinado por pesquisadores do Inca, do Imperial College of London e do Centro Médico Erasmus da Holanda. A mudanças mais drástica foi a proibição, em 2014, de se fumar em áreas públicas parcial ou completamente fechadas. Segundo o estudo, isso reduziu a mortalidade infantil em 5,2%, e a neonatal em 3,4%. 

EM COMUNIDADE

Mais uma matéria relatando maus tratos em comunidades terapêuticas, no Intercept. E uma questão importante: o governo negou fornecer à reportagem levantamentos sobre a eficácia da internação nesse tipo de equipamento. 

GIGANTE

O surto de sarampo nos EUA já é o maior dos últimos 25 anos. São quase mil casos, e o país pode perder seu certificado de livre do vírus. 

MARINHEIRO

Bolsonaro encaminhou para o Senado, para apreciação, o nome de um indicado para diretor da Anvisa: o contra-almirante da Marinha Antonio Barra Torres.

AGENDA

Até o dia 12, vai haver em São Paulo a exibição de 133 filmes de 32 países na Mostra Ecofalante de Cinema Ambienta

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