O ministro no Roda Viva

Além de temas em alta como o Mais Médicos, Mandetta falou de incentivos fiscais e financiamento do SUS. Leia também: Vale pode lucrar com terrenos soterrados em Brumadinho; mata-mosquitos intoxicados por décadas

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O MINISTRO NO RODA VIVA

Ontem o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi ao programa Roda Viva. Uma boa chance para ouvi-lo, já que, dos ministérios de Bolsonaro, o da Saúde não é o que mais tem atraído atenção. A discussão nos primeiros blocos ficou concentrada em temas que repercutiram mais recentemente: as mudanças no departamento de HIV/Aids, as campanhas de prevenção às infeções sexualmente transmissíveis, a rotulagem de alimentos, o aumento ou não do imposto para cigarros. O posicionamento dele foi o que já havia sido manifestado oficialmente. 

Já no finalzinho do programa, a sanitarista Ligia Bahia perguntou sua posição sobre o financiamento do SUS. Mais especificamente, sobre as recentes declarações de Paulo Guedes, que propôs acabar com a dedução dos gastos com saúde do IRPF e com subsídios para hospitais privados.

Mandetta foi um pouco esquivo. Referindo-se ao Proadi – programa por meio do qual hospitais privados de ponta propõem ao ministério projetos executados com volumosos recursos de isenção fiscal –, afirmou que não pretende sua extinção, mas sim um aprimoramento. “Tem muito trabalho de administração feito com essa transferência de tecnologia. Estou me utilizando muito do Sírio Libanês, do Einstein, do Incor, do Moinhos de Vento, do Oswaldo Cruz” para aprimorar a gestão e reduzir infecções em leitos de UIT. “Para atender ao SUS, nem pensar?”, provocou Ligia, ao que ele respondeu: “Mas será que o SUS é só atenção? Ou tem gestão? Quem são as pessoas da gestão? A academia teórica, que nunca pôs a mão na gestão? Ou quem está gerindo e tentando agregar gestão aqui dentro?” Apesar disso, ele disse achar que o Paulo Guedes está certo, que “a gente pode ir por esse caminho desde que esse dinheiro venha para o SUS”. 

Esquecendo-se de que, enquanto deputado, votou favoravelmente à emenda do Teto de Gastos, o ministro afirmou ainda que “quer mais recursos para a saúde sempre” e vai “lutar por cada centavo”. “Me interesso por parcerias público-privadas, me interesso por aquilo que as academias puderem me dar, pelas linhas de pesquisa…”.

Quando questionado mais uma vez sobre a dedução no imposto de renda e sua relação com a equidade, não respondeu diretamente, mas falou sobre a necessidade de ter uma “PEC da equidade”: “É equânime uma pessoa que ganha 100 salários mínimos ter atendimento 100% gratuito no SUS? Vamos quebrar isso em nome da equidade? Quem vai ter 100% de atendimento gratuito no SUS? Vamos instituir o parâmetro de equidade social por categorias de faixas sociais? Essa discussão é extremamente importante para esse Congresso, e eu vou provocá-la”, prometeu. 

A questão do Mais Médicos ocupou boa parte da entrevista. Mandetta voltou a criticar o modelo criado no governo Dilma, classificando os cubanos como “vítimas” que eram tratados como “mercadorias”; o ministro chegou a insinuar que o programa pode ter sido “um programa de pagamento de Cuba por conta dos portos de Mariel”. Prometeu que sua nova proposta vai ser enviada ainda neste semestre, reafirmou que vai beneficiar locais mais vulneráveis e garantiu que vai haver “vínculo qualificado”. 

O MAIOR MOTIVO

Ontem cedo falamos do apagão no Mais Médicos. Mais tarde, o Globo publicou uma matéria contabilizando algo que já era esperado: a maior parte dos desistentes sai do programa para cursar residências médicas. Elas estão em 60% das justificativas. Motivos pessoais representam 15%.

O tempo de permanência dos que desistiram até agora variou de apenas uma semana a quatro meses. “O programa absorveu os recém-formados que estavam fazendo plantão e provas de residência. Eram pouquíssimos que tinham interesse em saúde da família. Hoje, o que está segurando os profissionais no Mais Médicos é a crise econômica, já que o país lança centenas de pessoas no mercado todos os anos”, diz Carlos Eduardo Aguilera Campos, pesquisador da UFRJ na área de atenção primária. 

O Ministério abriu ontem mais um ciclo de inscrições para o Mais Médicos. São oferecidas 2.212 vagas em 1.185 municípios e 13 distritos sanitários especiais indígenas. Dessa vez, as vagas estão abertas a pessoas formadas em outros países, com revalidação aqui.

ANOS DEPOIS

Milhares de agentes de saúde que trabalhavam como mata-mosquitos da extinta Sucam (hoje Funasa) estão doentes. Sem nenhum equipamento de segurança, eles misturavam o pó do inseticida DDT com água, colocavam a mistura em uma bomba nas costas e saíam pulverizando casas. E mesmo depois que os efeitos do DDT se tornaram conhecidos e o Brasil proibiu em 1985 seu uso e distribuição para uso na agropecuária, a utilização em campanhas de saúde pública para leishmaniose e malária continuou permitida. O último lote foi adquirido pelo governo brasileiro em 1991, e a matéria do Globo conta como, hoje, trabalhadores afetados lutam na justiça por alguma indenização.  

É uma briga bem difícil. Há um grande volume de estudos mostrando que a intoxicação por DDT provoca doenças neurológicas e está ligada ao aumento de alguns cânceres e distúrbios reprodutivos, entre outros problemas. E, embora a literatura médica indique que a contaminação se dá tanto por vias aéreas como por digestivas, a Funasa afirma que a intoxicação se dá apenas por via oral. Citando uma pesquisa encomendada pela própria Fundação em 2001, diz que não há nexo de causalidade entre os sintomas e a “alegada” contaminação. Em 2016, o Estado brasileiro foi denunciado à OEA pelo abandono desses trabalhadores, mas de nada adiantou. A última jogada deles é tentar articular no Congresso uma PEC para lhes assegurar planos de saúde e auxílio-medicamento. 

EIS QUE…

A área degradada pela Vale em Brumadinho pode ainda ser lucrativa para a empresa: segundo a Agência Nacional de Mineração, há potencial de mineração em 905 hectares que ficam próximos ao Córrego do Feijão e onde antes havia plantações e criações de animais.  A Vale, é claro, sabia, e estava há 13 anos de olho na jazida mineral, segundo a reportagem do G1. Um documento da ANM mostra que a mineradora começou a pesquisar o terreno em 2006, vasculhando a área por quatro anos. 

Quem não sabia eram os donos dos terrenos. A empresa não passou a informação a eles nem à Defensoria Pública, que já homologou 21 acordos de indenização. Se tivesse passado, os moradores teriam o direito de reivindicar indenizações maiores do que as oferecidas, já que se trata de uma área de grande interesse econômico para a Vale. E tem  mais: logo depois de firmados os acordos, a Vale pediu sigilo para o projeto de pesquisa minerária. 

INDÚSTRIA SUJA

Normalmente ninguém se lembra da indústria farmacêutica quando fala de emissão de gases do efeito estufa, mas um estudo recente descobriu que sua “contribuição” para isso é não apenas significante como também maior do que a da indústria automobilística. E  55% maior. De acordo com o estudo, o setor precisaria reduzir em 59% suas emissões até 2025 para atingir as metas do Acordo de Paris. 

A situação pode ser ainda mais complicada porque, segundo os pesquisadores, transparência não é bem uma qualidade das empresas. Enquanto há mais de 200 no ramo, só 25 relataram de maneira consistente suas emissões nos últimos cinco anos. Destas, apenas 15 o fizeram desde 2012. Há dados instigantes no estudo. Por exemplo, empresas distintas apresentam dados muito discrepantes de emissões, mesmo quando produzem o mesmo nível de rejeitos e têm linhas de produtos semelhantes. 

PSICOSE TURÍSTICA

Algumas cidades têm fama de levar turistas a desenvolverem surtos psicóticos. A estranha questão está na matéria da BBC. A Síndrome de Jerusalém, cujos relatos remontam à Idade Média, já foi até alvo de pesquisas científica – na virada do milênio, um centro de saúde em Israel recebeu 100 turistas por ano com ela. A maioria, é verdade, já tinha distúrbios antes da viagem, mas alguns desenvolveram surto sem nenhum histórico de doença mental. Já em Florença, uma psiquiatra compilou mais de 100 casos de turistas que experimentaram palpitações, sudorese, dor torácica, tontura e até alucinações, desorientação, sensação de alienação e perda de identidade enquanto visitavam a cidade. Alguns chegaram a tentar destruir obras de arte… A galeria Uffizi de vez em quando é palco de emergências médicas: ataque cardíaco e convulsão em frente a quadros de Botticelli, desmaio diante da Medusa de Caravaggio. E tem ainda a Síndrome de Paris, menos glamourosa: é quando turistas entram em colapso ao descobrirem que a cidade não é tudo o que imaginavam. 

Mas talvez nada disso tenha a ver especificamente com esses locais. A psicose aguda representa até um quinto de todos os problemas de saúde mental dos viajantes, afetados por insônia, desidratação e jetlag, consumo de pílulas para dormir, álcool no avião, medo de voar, ansiedade aguda, enfim, a lista segue. 

OFICIALMENTE DOENÇAS

A nova Classificação Internacional de Doenças já havia sido anunciada no ano passado, e esta semana foi aprovada na Assembleia Mundial de Saúde. Entre as novas doenças reconhecidas, a síndrome de burnout, incluída no capítulo de “problemas associados” ao emprego ou ao desemprego.  Também foi incluída a dependência de jogos eletrônicos e transtorno de acumulação. A Assembleia ainda ratificou a saída da transexualidade da categoria de diagnósticos mentais e sua inclusão, como disforia de gênero, na categoria de saúde sexual. Além disso, foi incluído um capítulo sobre terapias de medicina tradicional oriental. A nova CID começa a ser adotada em 2022. 

GRIPE

A vacinação atingiu até agora 71,6% do grupo-alvo e está prevista para terminar na sexta-feira. 

AGENDA

Estreia amanhã, na internet, o documentário Estado de Proibição, idealizado pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas. Mostra, de um lado, mulheres que cultivam maconha à revelia da lei para o tratamento de seus filhos, e, de outro, mulheres que perderam filhos para a violência associada à proibição das drogas. 

Também amanhã, acontece em São Paulo um evento sobre gestão de serviços públicos promovido por entidades que representam as Organizações Sociais: o Ibross, da saúde, e a Abraosc, da cultura. A participação de Mandetta está  prevista

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