As gigantes do tabaco contra-atacam

Diante da queda de consumo, Phillip Morris, BAT (no Brasil, Souza Cruz) e outras promovem fusões, investem em cigarro eletrônico e até maconha. Veja também: sarampo alastra-se e já mata; um ancestral humano mais antigo que Lucy?

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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NOVOS HORIZONTES

Faz 11 anos que duas gigantes do tabaco – Altria e Phillip Morris – se separaram para se concentrar em diferentes mercados geográficos: a primeira dominando os EUA e a segunda com as vendas internacionais. Esta semana, elas anunciaram que devem se unir novamente em um negócio estimado em US$ 200 bilhões. Tudo por conta de uma mudança no mercado, com os cigarros convencionais em baixa.

Neste novo cenário, as duas têm investido em outras frentes. A Philip Morris vem se “reinventando” com novos produtos e até mesmo com um slogan inusitado: “Projetando um futuro livre de fumo”. A empresa já vende o  iQOS (um cigarro que não esquenta, mas é diferente dos eletrônicos) em mais de 40 países, e o acordo com a Altria facilitaria a venda nos Estados Unidos. A Altria, por sua vez, tem uma participação de 35% nos negócios da Juul, empresa que domina o mercado dos cigarros eletrônicos nos EUA. A fusão daria força para a Juul se espalhar no resto do mundo, aproveitando a rede de distribuição global da PM. A Altria também gastou US$ 1,8 bilhão em uma participação de 45% na empresa canadense de maconha Cronos – outro negócio em expansão.

A matéria da Reuters lembra que há dois anos houve outra grande fusão no setor (embora muito menor), quando a British American Tobacco Plc comprou a Reynolds American por US$ 49 bilhões. Essas operações só ressaltam como o declínio no consumo de cigarros está levando as empresas a buscar escala e produtos alternativos.

Temos acompanhado aqui como o consumo de cigarros eletrônicos está se tornando epidêmico nos EUA, principalmente entre adolescentes, mesmo que ainda haja pouca pesquisa sobre isso. E como a FDA (agência reguladora daquele país) está investigando quase 200 casos de pessoas com problemas pulmonares possivelmente ligados ao consumo desses produtos. Entre os casos investigados, há uma morte. Lembramos que, por aqui, embora a venda seja proibida, a Anvisa se prepara para reavaliar os cigarros eletrônicos e já realizou audiências públicas

DOSSIÊ CANNABIS

A Nature publicou ontem um suplemento especial com vários artigos sobre cannabis, recheados de evidências sobre os efeitos do uso da planta. Tem os avanços da bioengenharia para a produção de cannabis medicinal e até um texto sobre a pegada ambiental do cultivo – que demanda muita água, terra e luz artificial –, e como deixá-lo mais ‘verde’. Aqui, uma vasta descrição do que já se sabe sobre os ótimos efeitos terapêuticos da planta – e também o problema de se acreditar em alegações ainda não comprovadas, incluindo preparações que prometem curas contra o câncer e tratamentos contra Alzheimer. 

Em uma longuíssima reportagem, a jornalista Emili Sohn narra alguns dos efeitos adversos, tanto no uso medicinal como no recreativo, que ficam de fora em muitas discussões. Diversas pesquisas já apontaram relações entre a droga e problemas como direção prejudicada, aumento do risco de AVC e câncer testicular, alterações cerebrais que poderiam afetar o aprendizado e a memória e um vínculo particularmente consistente entre o uso de cannabis e doenças mentais envolvendo psicose. No Colorado (onde a maconha medicinal foi legalizada no ano 2000 e a recreativa em 2012), as entradas em emergências relacionadas à maconha aumentaram 40% entre 2012 e 2014. E, ao contrário do que muitos de nós pensamos, pesquisas têm indicado que cerca de 30% das pessoas que usam cannabis regularmente desenvolvem sintomas consistentes com o vício.

No fim das contas, os cientistas entrevistados indicam que é preciso ter informações sobre os riscos e avaliá-los em relação aos benefícios – um equilíbrio que varia de pessoa para pessoa. “Se a maconha ajuda a conter convulsões em uma criança, por exemplo, o risco de ter uma memória um pouco mais fraca para nomes provavelmente não importa muito”, exemplifica Nadia Solowij, co-diretora do Centro Australiano de Excelência Clínica e de Pesquisa de Canabinóides em Callaghan.

PRIMEIRA MORTE DO ANO 

Ontem, a secretaria municipal de saúde de São Paulo confirmou a primeira morte por sarampo ocorrida neste século no estado – e a primeira registrada no Brasil este ano. A vítima é um homem de 42 anos, morador da zona leste da capital. Ele não tinha registro de imunização. Os últimos óbitos causados pela doença em SP aconteceram em 1997. Segundo o governo federal, há outro óbito em investigação no país. A vítima seria uma criança menor de um ano, residente no interior de Pernambuco.

E o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde ontem contabiliza 2.331 casos da doença nos últimos três meses. Houve crescimento de 38,75% em relação ao último boletim, divulgado no dia 21 de agosto. O sarampo continua se expandindo, e já atinge 13 estados, contra 11 no levantamento divulgado semana passada. Agora, há casos registrados no Distrito Federal (3) e Santa Catarina (4). Os outros estados afetados são: São Paulo, que responde por 98% do total de casos, Rio de Janeiro (12), Pernambuco (5), Bahia, Paraná, Maranhão, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Sergipe, Goiás e Piauí – com um caso cada. 

É importante lembrar que há defasagem entre o que os estados registram e o que o Ministério divulga. Nesse sentido, os casos confirmados pela secretaria estadual de São Paulo já chegam a 2.457, número maior que a cifra nacional. Para o secretário de Vigilância em Saúde da Pasta, Wanderson Kleber Oliveira, a situação da Grande São Paulo é de emergência

Além da baixa cobertura vacinal, principal fator do surto, o infectologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo, conta que, embora não haja uma análise científica muito bem estabelecida, o vírus que circula agora não é igual ao de 22 anos atrás. “Quando olhamos o RNA, a gente vê que ele é um pouco diferente do vírus anterior. (…) É possível que quem não tivesse um nível muito alto de produção de anticorpos, já estivesse suscetível de novo”, disse ao Estadão. Para ele, as pessoas começaram a achar que o sarampo não é uma doença tão grave assim. “Mas é muito grave, especialmente para pessoas que têm algumas doenças prévias.” É o caso do homem que morreu. Segundo a secretaria estadual de saúde de São Paulo, além de não ter tomado nenhuma dose da vacina, ele não tinha o baço, órgão que ajuda na defesa do organismo.

A CARTEIRA E A ENFERMAGEM

O Conselho Federal de Enfermagem se posicionou ontem sobre a carteira de serviços da atenção básica, proposta pelo Ministério da Saúde. “O texto governamental denota profundo desrespeito à Enfermagem brasileira, ao afirmar que o trabalho do enfermeiro é focado na realização de atividades repetitivas e pouco eficazes centradas na promoção e prevenção de saúde em detrimento das atividades curativas e/ou assistenciais”, diz a nota, que pede ainda a reabertura do prazo para a consulta pública, que durou apenas sete dias. 

INCANSÁVEL

Janaína Paschoal ataca outra vez. Agora, na mira da deputada estadual do PSL em São Paulo está o bloqueio hormonal, técnica usada para suspender a puberdade em crianças que não se identificam com o gênero biológico. Ela apresentou uma emenda ao PL 491 para proibir a oferta do serviço no âmbito do programa estadual TransCidadania. O argumento, segundo o Estadão, é de que crianças não podem ser submetidas a experimentos e, ainda, de que existem estudos estrangeiros que demonstram prejuízos da técnica. Médicos e familiares de crianças e adolescentes tentam convencer a deputada a retirar a proposta. 

POSSÍVEL RELAÇÃO

Uma análise de 61 estudos realizados em 19 países sugere que, quando uma mulher dá à luz por cesariana, há 33% mais chances de a criança ter autismo e 17% mais chance de ter TDAH (transtorno de déficit de atenção/hiperatividade). O resultado foi publicado no JAMA Network Open, mas não prova uma relação de causa e efeito entre esses eventos. Outros fatores que levam os médicos a indicar a cesariana também podem estar por trás dessa relação. 

O FILÃO DA PROMOÇÃO À SAÚDE

Levantamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostra que, em dez anos, o número de programas de promoção de saúde tocados por operadoras de planos saltou de 68 para 1.868. Só nos últimos cinco anos, o número de beneficiários desses programas cresceu cerca de 50%, somando, hoje, 2,3 milhões de pessoas. Outra pesquisa, desta vez feita pela Mercer Marsh Benefícios, mostra um aumento de 19% do gasto das empresas com promoção da saúde por cada funcionário entre 2017 e 2019. De acordo com a consultoria, 64% das companhias que mantêm programas de “saúde e bem-estar” gostaria de ampliar essa aposta até 2021. E 78% das que não desenvolvem nenhuma ação do gênero querem implementá-la nos próximos 12 meses. O motivo de tanto crescimento, segundo O Globo, é corte de custos. É sabido que a prevenção de doenças e a promoção à saúde evita internações. 

MANTIVERAM VETOS

Ontem, o Congresso não obteve número suficiente para derrubar vetos do presidente Jair Bolsonaro a projetos de lei aprovados pelos parlamentares. É o caso do veto ao PL 2776/08, que tornava obrigatória a prestação de assistência odontológica a pessoas internadas em hospitais, portadores de doenças crônicas e pacientes em regime de atendimento ou de internação domiciliar. 

E também dos vetos ao PL 7663/10, que alterou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e foi transformado na lei 13.840. Dessa forma, o dispositivo que obrigava a articulação entre as normas de referência do SUS, do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e do Sisnad na definição da competência, da composição e da atuação da equipe técnica que avalia os usuários ou dependentes de drogas caiu mesmo por terra. A União também não vai precisar manter um sistema informatizado para coletar e analisar informações sobre o tema. Para um veto presidencial ser derrubado, o Congresso precisa atingir maioria absoluta na votação, o que significa o apoio de 257 deputados e 41 senadores. 

RECEBEU ALTA

Ontem à tarde, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles recebeu alta do Hospital das Forças Armadas. Ele deu entrada na unidade na noite de terça-feira reclamando de “mal-estar”, mas segundo informações médicas, Salles “encontrava-se assintomático”. Ele foi submetido a exames e os resultados foram normais. Os médicos recomendaram ao ministro repouso pelo prazo de cinco dias. 

AS ORIGENS

Arqueólogos descobriram um crânio hominínico de 3,8 milhões de anos na Etiópia que pode mudar o que se sabe sobre as origens de Lucy, uma das ancestrais mais famosas da humanidade. Os pesquisadores afirmam que o crânio é de uma espécie chamada Australopithecus anamensis, e acreditam que ela precede a espécie de Lucy, Australopithecus afarensis. Há chances de que as duas espécies tenham coexistido durante pelo menos cem mil anos. 

AGENDA

Acontece hoje à tarde o debate Desafios da Atenção Primária e a necessidade de profissionais de Saúde, na Uerj (Rio). 

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