Johnson & Johnson condenada por epidemia de opioides

Julgamento dos EUA expõe hipocrisia na “guerra” às drogas. As da indústria farmacêutica já mataram 400 mil — e não são reprimidas. Leia também: sobe desaprovação a Bolsonaro; lobistas favoráveis a Trump preparam terreno para explorar Amazônia

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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J&J CONDENADA

Desde o início do Outra Saúde temos destacado aqui como fica cada vez mais evidente o papel da indústria farmacêutica na crise de opiáceos nos Estados Unidos, que já matou mais de 400 mil pessoas entre 1999 e 2017. O problema está relacionado ao consumo de medicamentos viciantes para dor. E investigações têm mostrado como empresas, sabendo dos perigos dos seus remédios, trataram de ocultá-los e traçaram estratégias pesadas para incentivar o consumo – o que inclui, em alguns casos, o pagamento de de propinas a médicos.

Ontem, o juiz Thad Balkman, de Oklahoma. considerou que a Johnson & Johnson e suas subsidiárias ajudaram a alimentar a crise, e ordenou o pagamento deUS$ 572 milhões ao estado para financiar programas de prevenção e tratamentos. Ele julgou que as empresas adotaram uma “campanha de marketing agressiva e enganosa que exagera a eficácia das drogas no tratamento da dor crônica e subestima o risco de dependência”. A decisão é histórica porque pode afetar o futuro dos mais de 1,5 mil processos similares movidos por outros governos estaduais e locais. O próprio Hunter assinalou: “Essa é a mensagem para outros estados: fizemos em Oklahoma. Você pode fazer isso em outro lugar”.

Mas por que só a Johnson & Johnson? Mais de 20 fabricantes, distribuidores e varejistas de opioides estão sendo processados ​​naquele país. Os remédios da J&J representam só 1% das vendas de opioides em Oklahoma, mas ela acabou sendo a única empresa em julgamento no estado. O New York Times explica. A matéria lembra que dois outros grandes fabricantes também chegaram a ser processados lá – a Purdue Pharma e a Teva Pharmaceuticals –, sendo que a Purdue tem sido apontada como a maior responsável pela crise em todo o país. Mas ambas as empresas fizeram acordos com o estado para encerrar as acusações e escapar do julgamento. A primeira pagou US$ 270 milhões e a segunda, US$ 85 milhões. A J&J não quis fazer acordo: tem histórico de estar pronta para encarar julgamentos. Sua defesa considerou, obviamente, que a decisão de ontem foi equivocada e vai apelar.

FOI DADA A LARGADA

Começou ontem a Pesquisa Nacional de Saúde. Feita pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE, o levantamento vai chegar a 108 mil domicílios em mais de três mil cidades brasileiras. Realizada em um momento em que se fala em apagão estatístico graças às tentativas do governo de enxugar o Censo 2020, a PNS parece seguir o caminho contrário: a pesquisa abordará mais assuntos do que a edição anterior, feita em 2013. 

Algumas das novidades são perguntas sobre paternidade e exames pré-natal, direcionadas a homens, e sobre a utilização dos serviços de atenção básica, porta de entrada do SUS. Ao todo serão 25 módulos, que englobam desde educação até doenças crônicas e cobertura de planos de saúde. A pesquisa, realizada pela segunda vez, é amostral e produz indicadores para 80 recortes geográficos, que incluem 27 estados e capitais, 21 regiões metropolitanas, grandes regiões e o país. Os primeiros resultados só serão divulgados em 2021.

Valor chama atenção para o fato de a pesquisa estar atrasada. Deveria ter sido realizada em 2018, mas, de acordo com o diretor-adjunto de Pesquisas do IBGE, Cimar Azevedo, foi adiada para ser aperfeiçoada e por questões orçamentárias. Antes da primeira PNS, o Instituto pesquisava dados de saúde a cada cinco anos no âmbito da Pnad. Segundo o jornal, o Ministério da Saúde investiu R$ 32 milhões na atual PNS, a Fiocruz entrou com recursos ao comprar balanças que serão usadas no levantamento – mas não se sabe o valor total da pesquisa.  

CARTEIRA DE SERVIÇOS

A rápida consulta pública sobre a nova carteira de serviços essenciais da atenção básica terminou ontem. Em uma semana, o Ministério da Saúde recebeu mais de 1,7 mil contribuições. 

Além da necessidade (ou não) da carteira, polêmica por si só, uma demanda na prática do médico de família proposta no questionário gerou polêmica. Trata-se da expectativa de que o profissional identifique se o usuário tem posse de arma de fogo e, caso a resposta seja afirmativa, que ele oriente como guardá-la com segurança. A jornalista Cláudia Collucci ouviu vários especialistas e explica que a discussão é antiga, e já tinha aparecido em um instrumento de avaliação do Ministério da Saúde em 2010, transportada de um documento chamado PCATool, validado nos EUA pela influente pesquisadora Barbara Starfield. Acontece que, então, a maioria entendeu que essa realidade de usuários com posse de arma não era a brasileira. Hoje, ainda tem muita gente que não concorda (inclusive a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade) – mas já aparece quem defenda, além do governo. 

REPROVAÇÃO NAS ALTURAS

A desaprovação popular à pessoa de Jair Bolsonaro saltou de 28%, em fevereiro, para 53% em agosto. A avaliação negativa do governo também piorou: atingia 19% da população em fevereiro, está em 39,5%. Agora, exatos 29,4% acham o governo bom – o índice era 38,9% em fevereiro. Os achados são da pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes/MDA, que foi a campo entre os dias 22 e 25 de agosto, em 137 municípios e ouviu 2.002 pessoas. 

A saúde continua sendo o maior desafio do governo atual, com 54,7%, à frente até da educação (49,8%) e do emprego (44,2%). E também é o principal problema apontado pela população no governo (30,6%), à frente do meio ambiente (26,5%) e, de novo, da educação (24,5%). 

EUA NA JOGADA

O patriotismo do governo Bolsonaro, que diz querer proteger a Amazônia de interesses estrangeiros, é interessante. Há pouco tempo o presidente revelou em entrevista: “Quando estive agora com Trump, conversei com ele que quero abrir para ele explorar a região amazônica em parceria”.  Bom, a matéria de Lee Fang no Intercept mergulha fundo nessa parceria. Traz informações sobre documentos que mostram como lobistas republicanos favoráveis ao governo Trump iniciaram conversas com o governo brasileiro para promover o investimento empresarial na Amazônia.

Em junho, o governador do Amazonas Wilson Lima (PSC) começou a trabalhar com o InterAmerica Group, uma empresa de lobby com sede em Washington DC, fundada por Jerry Pierce Jr., que foi chamado para representar o governo amazonense em reuniões com agências federais e o Congresso. O InterAmerica Group também já apresentou um pacote informativo montado para empresas americanas em nome do governador brasileiro, promovendo a região amazônica por seu potencial de desenvolvimento. Entre as “oportunidades” para empresas americanas estão mineração, agronegócio e indústria química de gás. 

RODA VIVA, SAIA JUSTA

No olho do furacão, Ricardo Salles foi entrevistado ontem no programa Roda Viva, e o UOL registrou os principais pontos. A informação de que o Planalto havia rejeitado a ajuda de US$ 20 milhões do G7 ao Brasil havia acabado de ser divulgada. Quanto a isso, ele disse que o recurso lhe parecia “uma ajuda importante de ser aceita”, mas que ficaria a cargo do Ministério da Defesa e do grupo que atua no combate ao fogo definir a necessidade. Disse que não boicotou o Fundo Amazônia. Defendeu o governo afirmando que Bolsonaro assinou a Garantia de Lei e da Ordem (GLO) para coibir as queimadas, mas, por falta de recursos (ora, quem diria) não foi possível expandir o número de profissionais para lidar com o problema. Disse ainda que, nesse sentido, o descontingenciamento de quase R$ 40 milhões para a pasta da Defesa, autorizado por Paulo Guedes, vai “dar fôlego”. De acordo com Salles, as queimadas não são tão graves como parecem. Nos próximos dias, ele vai viajar para Estados Unidos e Europa para “dar elementos para mudanças dessa percepção”. 

DE CARONA

Luiz Henrique Mandetta foi pego dando carona para um amigo num avião da FAB. Aconteceu nos dias 10 e 11 de março num voo que saiu de Mato Grosso do Sul, base eleitoral do político, passou por Macapá e pousou em São Paulo. O Ministério da Saúde respondeu que a carona a Wilson José Velasquez Maksoud fez parte de uma agenda de trabalho – embora não tenha esclarecido qual – e acrescentou que “pelas normas do Comando da Aeronáutica não existe impedimento” para a carona.  

TUDO CERTO…

Há quatro anos, membros da comunidade indígena de Guyra Kambi’y, que fica ao lado de uma fazenda de soja na região de Dourados (MS) foram contaminados por um avião de agrotóxicos. O MPF do estado ajuizou uma ação por danos morais coletivos no valor de R$ 286,5 mil contra o piloto, o proprietário rural e a empresa de aviação agrícola. Eis que, agora, a 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados considerou improcedente a acusação. “Há atividades que não podem ser suprimidas sem grave prejuízo à coletividade. O próprio combate à dengue, por exemplo, exige, muitas vezes, aplicação por pulverização de inseticida pelas ruas da cidade, para matar o mosquito”, declarou o juiz. Agência Pública e Repórter Brasil entrevistaram o procurador do caso, Marco Antônio Delfino de Almeida. “Na verdade a utilização dosagrotóxicos como armas químicas sempre ocorreu”, diz ele, que recorda outros casos e explica as dificuldades nesse tipo de processo. 

REAVALIAÇÃO

A Anvisa vai reavaliar o perfil toxicológico de sete ingredientes ativos de agrotóxicos. O processo vai começar em dezembro e pode demorar dois anos para cada ingrediente. 

COPARTICIPAÇÃO CRESCE

Segundo pesquisa da consultoria Aon Brasil, o percentual de empresas que oferecem planos de saúde com exigência de coparticipação dos trabalhadores subiu de 67%, em 2017, para 71% este ano. No mesmo período, cresceu o número de companhias que não permite melhora no plano de saúde, que era comum em promoções de funcionários: eram 63% e chegaram a 74%. 

ENTROU NA JUSTIÇA

O deputado estadual de São Paulo Campos Machado (PTB) entrou com ação no Tribunal de Justiça contra a lei que prevê que, no SUS, gestantes possam optar por cesárea mesmo sem indicação médica. Ele (assim como o parecer jurídico da Idisa, sobre o qual falamos ontem) argumenta que a lei é inconstitucional. Para Machado, trata-se de um “incentivo inconsequente, infundado e irresponsável a um procedimento que deveria ser a exceção, e não regra”.

AGENDA

A Anvisa vai revisar normas sobre rotulagem e bulas de medicamentos, e está recebendo até o dia 30 inscrições de interessados em participar do grupo de trabalho.

O Conselho Nacional de Saúde recebe, até o dia 7, indicações de representantes de entidades e movimentos sociais para compor as suas comissões intersetoriais.

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