A falta que um SUS faz

Suicídio emblemático nos EUA revela: sem saúde pública, idosos e aposentados vão à falência. Leia também: pesquisa alimenta controvérsia sobre relação entre homossexualidade e genes; Brasil usa 20% dos agrotóxicos mais perigosos do mundo

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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ONDE NÃO TEM SUS

No início do mês, um homem de 77 anos matou sua mulher, de 76, e se matou em seguida na Costa Oeste dos EUA. Não foi um crime passional, nem motivado por briga, nem por nenhuma razão que se possa imaginar intuitivamente: foi pelo desespero de não poder pagar dívidas médicas. Noticiado em todo o país, o episódio dá mais gás à discussão sobre a saúde nos EUA, que tem sido central por lá. E é mote para uma didática matéria da Piauí sobre esse debate. 

No sistema público-privado dos EUA, tudo é baseado em seguros de saúde. Quem pode, paga. E o governo subsidia o seguro de alguns grupos específicos, com o Medicare, voltado para maiores de 65 anos, pessoas com deficiência e população de baixa renda. Porém, mesmo esses grupos precisam pagar por medicamentos, hospital e tratamentos especiais. E o Obamacare, que fez aumentar muito o número de pessoas cobertas, é alvo constante do governo Trump.

Os altos custos vêm levando pessoas à falência – principalmente idosos e aposentados, que têm suas vidas destruídas justo no momento em que mais precisam dos serviços de saúde. Quem não é suficientemente pobre para se receber ajuda do governo também se vê em maus lençóis. “Vi muitos casos em que as pessoas tiveram seus cadastros negados por ganharem 1 dólar, 5 dólares a mais do que deveriam. Poderiam ser casais de baixa renda com crianças, mulheres grávidas”, conta uma pesquisadora que já trabalhou para o governo. Ao mesmo tempo, tem gente com dinheiro que contrata advogados para esconder a renda e usar o benefício.

A matéria faz paralelos com o Brasil, onde o SUS nos protege desse tipo de coisa. Mas não sabemos até quando: “O governo Bolsonaro tem falado em rever normas do SUS e, ainda que mantendo o acesso universal, previsto na Constituição, quer discutir conceitos como a equidade em saúde, que obriga o governo a fornecer medicamentos de alto custo. Em julho, o Ministério da Saúde rompeu contratos com laboratórios de produção de dezenove remédios distribuídos gratuitamente no SUS”, diz o texto.

POLÊMICA EM TORNO DE ESTUDO

Ontem, foi divulgado na revista Science o maior estudo já feito sobre a influência da genética no comportamento sexual de pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo. A pesquisa se debruçou sobre os dados de quase 500 mil indivíduos, um número cem vezes maior do que o estudo sobre o mesmo assunto feito anteriormente. E concluiu que não existe um único gene ligado à homoafetividade. 

O caminho até esse resultado foi longo. O primeiro passo foi mergulhar em duas bases de dados, uma do Biobank do Reino Unido com 408 mil pessoas de 40 a 70 anos que responderam a um extenso questionário entre 2006 e 2010. E outra de clientes da empresa de testes genéticos 23andMe, que reúne 68,5 mil arquivos de gente com uma média de 51 anos, a maioria nascida nos EUA. Neste caso, também havia um questionário. Uma das limitações do estudo, reconhecida pelos próprios autores, é a discrepância entre os relatos das duas bases. No Reino Unido, 3% afirmaram terem tido alguma experiência sexual com pessoa do mesmo sexo, enquanto nos EUA o número foi de 19%. 

A primeira análise mostrou que parentes próximos, pelo menos primos, tinham mais chances de apresentarem comportamentos sexuais similares. Nesta etapa, a conclusão foi de que um terço das diferenças observadas no comportamento sexual destes familiares se explica por fatores genéticos herdados. 

A segunda análise foi mais a fundo. “O manual de funcionamento de uma pessoa está escrito em três bilhões de letras no núcleo de cada célula. A equipe procurou variantes genéticas mínimas — uma só letra — correlacionadas com comportamentos homossexuais”, explica a reportagem do El País Brasil. Desta vez, houve um afunilamento: o efeito somado de todas essas pequenas variações na sequência de DNA poderiam explicar entre 8% e 25% das diferenças detectadas no comportamento sexual. O resto decorreria dos chamados fatores ambientais, que no estudo significam tudo aquilo que não é genético. 

Por fim, foram identificadas cinco variantes genéticas correlacionadas com o comportamento homossexual: duas são compartilhadas por homens e mulheres, outras duas são masculinas, e uma é feminina. Somadas, elas ‘explicam’ menos de 1% de um indivíduo. 

A pesquisa provocou preocupação entre os ativistas gays, inclusive dentro da comunidade acadêmica, diz o New York Times. Isso porque evidências que sugerem que genes influenciam o comportamento homoafetivo podem levar alguns grupos a optar pela edição genética e até pela seleção de embriões, embora isso seja impossível, ressalta o jornal. Por outro lado, quem advoga que ser gay é uma escolha que pode ser “revertida” através do que ficou conhecido como “cura gay” pode sair fortalecido.  

LUCRANDO FORA DE CASA

Dos 120 ingredientes ativos de agrotóxicos produzidos pela Syngenta, 51 não estão autorizados na Suíça – país de origem da empresa – e 16 foram banidos devido aos impactos na saúde humana e no meio ambiente. Os dados estão em um relatório publicado pela ONG suíça Public Eye (a mesma que relatou a existência de um coquetel de agrotóxicos na água de vários municípios brasileiros), em parceria com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e com a ONG Fase. 

A pesquisa mostra o quanto a Syngenta lucra em países de média e baixa renda. Estima-se que, ao todo, 1,2 milhão de toneladas de agrotóxicos classificados como altamente perigosos são usados nesses lugares a cada ano, o que representa um mercado de US$ 13 bilhões – e a Syngenta arrecadou, sozinha, quase R$ 4 bi com essas vendas em 2017. A pesquisa aponta também que, naquele ano, o Brasil consumiu 20% dos agrotóxicos altamente perigosos no mundo: 370 mil toneladas. 

O documento foi lançado na 18ª Jornada de Agroecologia, que começou ontem e se estende até domingo em Curitiba. O texto completo ainda não está disponível online. 

TRUMP E AS QUEIMADAS

A notícia saiu primeiro no Intercept dos EUA, depois no do Brasil: duas empresas brasileiras que têm grande responsabilidade na destruição da floresta amazônica são controladas por um dos principais doadores da campanha de Donald Trump e do líder da maioria no Senado americano, Mitch McConnell. São a Hidrovias do Brasil e a Pátria Investimentos, controladas pela Blackstone – que, por sua vez, é um dos maiores grupos de investimento dos EUA. O co-fundador e CEO da Blackstone, Stephen Schwarzman, é “amigo próximo e consultor” de Trump. Ele e funcionários da Blackstone ainda doaram milhões de dólares para McConnell recentemente. E… a Blackstone também é firme no apoio a Bolsonaro. “O presidente brasileiro viajou a Nova York em maio para ser homenageado em um jantar de gala, patrocinado pela Refinitiv – uma empresa de que a Blackstone é acionista majoritária”, diz a reportagem de Ryan Grim. 

ANÚNCIOS

Ontem, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta anunciou que, em 2020, a prioridade da Pasta será reorganizar as cidades brasileiras em distritos sanitários, de modo a facilitar o compartilhamento de serviços entre elas. Não há maiores detalhes na matéria da Agência Brasil. A declaração foi dada na reunião da Comissão Intergestores Tripartite, a CIT, que reúne, além do Ministério, entidades representativas dos secretários estaduais e municipais de saúde. Na reunião, o tema do financiamento parece ter mobilizado Mandetta, que afirmou que segurar despesas “tem sido a tônica” do Ministério e criticou o orçamento impositivo: “Tenho conversado muito com os parlamentares sobre a questão das emendas impositivas, que criaram uma massa de recursos muito grande a ser ordenada pelos parlamentares, às vezes sem qualquer conexão com o gestor. E a ordenação [de despesas] pela ótica política normalmente não dá certo. São mais de R$ 10 bilhões”.

NOTA TÉCNICA NO ANGU

Uma nota técnica do Ministério da Saúde enviada à Anvisa em agosto recomendou que a agência conceda registro para medicamentos à base de maconha apenas em casos de epilepsia refratária, quando não há resposta a tratamentos convencionais. Segundo a Folha, que teve acesso ao documento, o registro também ficaria restrito ao canabidiol, um dos derivados da maconha. Ou seja, não incluiria o THC. O parecer foi elaborado com base em revisão de estudos ligados a casos de uso de derivados de cannabis para “doenças debilitantes graves ou com ameaça à vida e sem alternativa terapêutica”, mesmo termo usado pela Anvisa em sua proposta de regulamentação do plantio no país. E foi feito em consulta com os conselhos federais de Farmácia e Medicina, além da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil. 

Ontem, Mandetta voltou a repetir que não vê sentido na liberação do plantio da cannabis para fins medicinais no Brasil. E um dos argumentos, novamente, foi econômico: “Se vai fazer todo um plantio para atender um número baixo de pessoas, o produto vai ser extremamente caro”, afirmou. Mas ele também atacou de modo indireto a Anvisa, se aproximando mais das posições de Osmar Terra e Jair Bolsonaro: “Às vezes colocam nesse guarda-chuva do nome ‘medicinal’ e isso pode induzir as pessoas a achar que aquilo ali faz bem. Sabemos que não faz bem. Se você perguntar: você é a favor da liberação da maconha no Brasil? Do ponto de vista da saúde, não, não somos”, disse.

LETALIDADE MÁXIMA

Em El Salvador, o índice de homicídios provocados por policiais em serviço representa 10,3% de todos os assassinatos que acontecem no país. Na Venezuela, a fatia sobre para impressionantes 25,8%. Mas no Rio de Janeiro, esse número é de nada menos do que 29%. Em São Paulo, fica em 19%. Os números são de um documento da Open Society Foundation lançado no México ontem. A média brasileira é de 7,3%. 

SÓ EM 2030

Há algum tempo, a taxa de mortalidade por câncer de traqueia, brônquio e pulmão no Brasil cai entre os homens – e cresce entre as mulheres. Em 1980, morriam 3,6 homens para cada mulher no país. Agora, o número já é quase o mesmo: 1,7 homem para cada mulher. Em 2017, último ano com dados disponíveis, foram registradas 11.792 mortes de mulheres por esses tipos de câncer. De acordo com pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) e pelo Ministério da Saúde, a tendência de elevação só deve se estabilizar em 2030. Isso se a prevalência do tabagismo entre mulheres continuar caindo. 

MAIS UMA PISTA

Pesquisadores espanhóis esperam ter chegado mais perto do desenvolvimento de novos medicamentos anti-HIV. Eles descobriram que uma mutação genética rara, responsável por uma doença chamada distrofia muscular de cinturas, dá imunidade natural contra o vírus da Aids. Isso porque o gene em questão – a Transportina 3 (TNPO3) – desempenha o papel de transporte do vírus para o interior das células. Mas naqueles que sofrem da mutação – uma centena de pessoas no mundo – isso não acontece.

MAUS EFEITOS QUE DURAM

Já havia estudos indicando que o uso de terapia de reposição hormonal na menopausa leva a mais chances de desenvolver câncer de mama. Mas uma análise bem abrangente publicada ontem no Lancet observou algo a mais: essa probabilidade segue aumentada por mais uma década depois do fim da terapia. Foram analisadas dezenas de estudos, incluindo dados de mais de cem mil mulheres que tiveram câncer de mama após a menopausa, levando em conta a idade no primeiro uso dos medicamentos e o tempo decorrido desde o último uso. 

O SARAMPO SE ESPALHA

Ontem a OMS alertou para o crescimento do sarampo na Europa. Já foram 90 mil casos de sarampo em 48 países só no primeiro semestre deste ano – o número já dobrou em relação ao mesmo período de 2018, e ultrapassou o registrado em todo o ano passado. Apenas quatro países foram responsáveis por 78% dos casos em 2019: Cazaquistão, Geórgia, Rússia e Ucrânia, este último com 60% do total. E, em outros quatro, a doença havia sido erradicada e voltou: Reino Unido, Grécia, República Tcheca e Albânia. Chama a atenção o fato de que estes últimos têm coberturas de vacinação “extremamente altas”, segundo Kate O’Brien, diretora do Departamento de Imunização da OMS. “Esse é o alarme que soa em todo o mundo, o de que não basta conseguir chegar a uma ampla cobertura nacional; ela tem de ser atingida em cada comunidade, cada família, cada criança”, diz. 

16ª CNS

As diretrizes, propostas e moções aprovadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde já foram publicadas. Estão aqui.

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