O depoimento de Mandetta na CPI

Segundo ex-ministro, Bolsonaro soube dos riscos da pandemia desde o início, mas preferiu ignorar recomendações técnicas e seguir “assessoramento paralelo” de Carluxo & cia

.

Esta nota faz parte da nossa newsletter do dia 5 de maio. Leia a edição inteira. Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

O primeiro  depoimento da CPI da Pandemia não decepcionou. Ao longo de mais de sete horas, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se manteve sereno enquanto traçava um quadro de como o governo federal se comportou nos primeiros meses de pandemia. Segundo ele, não foi por falta de aviso e informação que Jair Bolsonaro agiu contra o isolamento social e pela cloroquina.  

Perguntado se o presidente tinha consciência de que 85% dos casos da covid-19 são leves ou assintomáticos, e que advogar o uso de uma droga ineficaz poderia ter o efeito de fazer as pessoas atribuírem erradamente a evolução positiva de seus quadros à cloroquina, o ex-ministro respondeu que isso sempre esteve claro para Bolsonaro.

Mandetta mostrou uma carta enviada ao presidente em 28 de março do ano passado que está sendo considerada a primeira “prova” da omissão de Bolsonaro por integrantes da CPI. No texto, ele pediu ao mandatário que ele abandonasse a postura contrária às orientações do Ministério da Saúde uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderiam gerar “colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população“. Como se sabe, o alerta não funcionou até hoje.

O ex-ministro também revelou que o chefe tinha um “assessoramento paralelo”. “Testemunhei várias vezes reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é vereador no Rio, estava sentado atrás tomando notas. Eles tinham constantemente reuniões com esses grupos [ligados a Carlos] dentro da Presidência”, relatou. Segundo Mandetta, vários pontos eram explicados por ele e sua equipe ao presidente nessas reuniões. Bolsonaro parecia entender, mas depois mudava de ideia, optando por ignorar os prognósticos e recomendações técnicas. De acordo com o ex-ministro, isso acontecia porque havia pessoas próximas ao presidente rebatendo as informações do Ministério da Saúde. 

Mandetta deu como exemplo a ideia de mudar por decreto a bula da cloroquina para incluir ali a indicação de uso para covid-19 que, segundo ele, foi apresentada provavelmente por alguém de fora do governo em uma reunião ministerial. Ele disse que chegou a ver o esboço do decreto, mas que a ideia tinha sido abandonada sem necessidade da sua intervenção. 

Ele também contou que Bolsonaro queria nomear quatro pessoas do Rio de Janeiro para secretarias do Ministério da Saúde. “Não são gente nossa”, teria ouvido como justificativa do presidente, em referência aos integrantes da sua equipe. Apesar de afirmar que os nomes chegaram por ofício, ele não apresentou o documento, nem lembrou quem eram os indicados. 

Ainda na linha da intervenção, Mandetta acusou o governo de impedir a realização de uma campanha publicitária para orientar a população sobre as formas de transmissão do vírus. “Não havia como fazer uma campanha, não queriam fazer uma campanha oficial. Então, havia necessidade de manter a questão das informações”, disse, em referência às coletivas de imprensa diárias que a equipe da pasta passou a dar. 

Mandetta fez muitas críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que seria o responsável por pregar no governo a falsa dicotomia entre economia e saúde.  “Esse ministro Guedes é desonesto intelectualmente, um homem pequeno para estar onde está. Não ajudou em nada. Pelo contrário, falava assim: ‘já mandei o dinheiro, agora se virem lá e vamos tocar a economia’. Talvez [ele] tenha sido uma das vozes que tenha influenciado o presidente”. 

Como resultado das declarações de Mandetta, Carlos BolsonaroPaulo Guedes e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que falava que a pandemia mataria menos de mil pessoas no país e era um dos interlocutores de Bolsonaro, devem ser convocados pelo G-7 para depor na CPI.

Os governistas, por sua vez, acusaram Mandetta de não agir com a rapidez necessária para conter o espalhamento do vírus no Brasil, dando como exemplo o fato de que o Ministério da Saúde não recomendou a suspensão do Carnaval. Eles também bateram na tecla preferida de Bolsonaro: a de que existe um “tratamento precoce” para a doença que teria sido negado pelo ex-ministro.

Coube ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) protagonizar um vexame: leu (de forma confusa) uma longa pergunta questionando a recomendação do Ministério da Saúde na época da gestão Mandetta de que as pessoas com sintomas leves ficassem em casa e só procurassem o serviço de saúde em caso de agravamento. Antes de responder, Mandetta afirmou que havia recebido na véspera a mesmíssima questão por WhatsApp do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que teria apagado a mensagem quando percebeu o engano.  

A CPI ouve hoje Nelson Teich, a partir das 10h.

Leia Também: