O declínio do Farmácia Popular

Programa fechou 400 unidades públicas e, nos últimos dois anos, deixou de atender 7 milhões de pessoas. Leia também: ministra da agricultura nega Ciência e defende Glifosato; o superfungo que pode chegar ao Brasil – e muito mais

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O DECLÍNIO DO FARMÁCIA POPULAR

Foi com Temer na presidência que começou o declínio do programa Farmácia Popular: em 2017, foram fechadas 400 farmácias públicas administradas pelo governo federal, e caiu a distribuição de medicamentos na rede privada conveniada. Desde então, as coisas só pioraram. Em dois anos o programa deixou de atender 7 milhões de pessoas, segundo um levantamento feito pelo jornalista Diego Junqueira, do Repórter Brasil, junto ao Ministério da Saúde e à Fiocruz. O programa está sem coordenador desde setembro. Seu orçamento, reduzido em 27% em relação a 2015, é o menor desde 2013.

Criado em 2004, o programa tem 31 mil farmácias privadas conveniadasque vendem produtos com até 90% de desconto. Os estabelecimentos federais estavam em cidades e bairros de baixa renda,forneciam uma gama maior de medicamentos. 

A reportagem também recupera os problemas do programa, que enfrentou suspeitas de fraude e investigações no TCU, em parte responsáveis pela redução orçamentária. Foram descredenciadas 3,5 mil farmácias particulares com convênios suspeitos, e foram identificados valores muito altos pagos pelo ministério a elas. Mas a importância do programa é inegável: um estudo do Ipea mostrou que ele conseguiu reduzir em dois milhões o número de internações por hipertensão, diabetes e asma, e houve redução no número de mortes nas cidades assistidas. 

Para o Ministério da Saúde, a falta de recursos, de estabelecimentos e a redução no número de pessoas atendidas não afeta em nada o acesso a medicamentos, que são oferecidos nas unidades básicas de saúde. Aqui observamos: quem  frequenta essas unidades sabe que não é bem assim. E a tendência é de piora, porque o total de repasses da União para os municípios comprarem medicamentos básicos vem caindo desde 2010. 

AS ÚLTIMAS DE TEREZA CRISTINA

A Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, esteve ontem na Comissão de Meio Ambiente da Câmara para explicar a liberação recorde de agrotóxicos no governo Bolsonaro. Bruno Stankevicius Bassi, do De olho nos ruralistas, acompanhou. Ela errou (ou mentiu) ao falar sobre o papel dos agrotóxicos na morte de meio bilhão de abelhas no Rio Grande do Sul. “O problema das abelhas é que foi usado um produto chamado Sulfoxaflor. Esse produto não está registrado no Brasil. Esse é o grande problema dessa fila enorme. Esse produto muito provavelmente entrou de maneira ilegal, está sendo usado de maneira errônea e causou a morte das abelhas”, disse ela, que já presidiu a Frente Parlamentar da Agropecuária. Só que o inseticida, produzido pela Dow AgroSciences, está registrado: foi aprovado nos últimos dias do ano passado e liberado em janeiro. Seu impacto potencial sobre insetos polinizadores é conhecido há anos.

Ela ainda contestou pesquisas científicas (o que aparentemente é uma marca deste governo), defendeu o glifosato como sendo insubstituível e, quanto ao boom de registros, jogou a bola para a Anvisa, argumentando que é a Agência quem dá a palava final sobre isso. Mas não deixou de afirmar que o país precisa liberar ainda mais agrotóxicos: “Nós temos que mudar a legislação para que os produtos de baixa toxicidade tenham seu registro facilitado e possam chegar mais rápido ao mercado”.

Tereza Cristina também deu seu palpite sobre a fome no país: “Nunca tivemos guerra e nós não passamos muita fome, porque temos manga nas ruas em nossa cidade e clima tropical”.

FAXINA DA ANVISA

A agência pretende começar a rever a lista de ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados no Brasil e excluir substâncias tidas como obsoletas, que sejam pouco ou nada usadas. Com isso, novos agrotóxicos com essas substâncias não vão mais poder ser registrados. Segundo a reportagem de Natália Cancian, na Folha, um dos objetivos é minimizar as críticas que o país recebe por permitir aqui venenos que já foram banidos em outros países. A proposta vai passar por consulta pública. 

MUITO AFETADOS

A saúde indígena tem sido um tema recorrente aqui na newsletter. Dessa vez, foi o Intercept que publicou uma reportagem sobre isso, lembrado que o Ministério da Saúde paralisou os contratos da Sesai com cinco das oito entidades conveniadas que prestavam atendimento à população indígena em todo o país. Hoje, há 13 mil trabalhadores com salários atrasados e 870 mil aldeados sem assistência. Além disso, tem todo o problema da saída de Cuba do Mais Médicos, que atingiu em cheio essa população.

A repórter Thais Lazzeri narra situações absurdas, como quando profissionais precisam escolher entre cuidar de uma criança transplantada ou uma cardiopata, porque falta de tudo e é preciso trabalhar “com a escala do que é mais grave”. Ela pediu uma entrevista com o ministro da Saúde, Mandetta, mas não foi atendida. A pasta enviou uma nota por e-mail informando que 239 médicos brasileiros formados no exterior foram encaminhadas para os DSEIs,  que havia 119 vagas “com médicos em atuação” até março, e ainda que “o Ministério da Saúde passou por dificuldades jurídicas para solucionar o pagamento da prestação de serviços”, mas os recursos para as entidades conveniadas foram autorizados. Porém, sindicatos, trabalhadores e indígenas afirmaram que isso não aconteceu. 

SUPERFUNGO

Resistente aos principais medicamentos, um fungo chamado Candida auris está preocupando cientistas. Foi identificado em 2009, no Japão, e já se espalhou por mais de 30 países, como EUA, Austrália, Venezuela, Espanha, Índia, Paquistão, África do Sul e Alemanha. Só nos EUA, recentemente foram reportados 587 casos. Ninguém sabe de onde ele veio, como apareceu quase ao mesmo tempo em tantos lugares diferentes e, especialmente, como combatê-lo. Há uma especificidade importante: ele tem capacidade para permanecer na pele das pessoas e em objetos, inclusive equipamentos médicos, o que facilita a transmissão. 

No Brasil, ainda não circula. Mas o perigo existe, informa a jornalista Cláudia Collucci,  na Folha. Ela conversou com o médico Arnaldo Colombo, professor da Unifesp, que ajudou a identificar esse fungo na Venezuela, e demonstra preocupação: de acordo com ele, não possuímos um sistema ativo de vigilância de fungos capaz de identificar precocemente a Candida auris.

OUTRA GUERRA

Acompanhamos no ano passado a questão envolvendo a quebra de patente do sovosbuvir, medicamento contra Hepatite C, caríssimo, produzido pela Gilead. Agora, um fármaco usado em combinação com ele, o daclatasvir, é alvo de uma nova disputa. Segundo o Globo, um grupo de trabalho formado por ONGs. pacientes e pesquisadores apresentou ontem um pedido para anular a patente do medicamento, que aqui é vendido exclusivamente pela Bristol-Myers Squibb (BMS) com o nome comercial Daklinza. O preço pago pelo Ministério da Saúde por cada ciclo completo do tratamento, usando o Daklinza, é R$ 6.674. No Egito, onde há genéricos, o mesmo tratamento custa US$ 22,50 (R$ 86,80). Já nos EUA, onde há patentes para cada componente das diferentes combinações de tratamento, a média é US$ 80 mil (R$ 308 mil).

A diferença nos preços cobrados pela própria BMS  mostra o quanto eles não têm relação nenhuma com quaisquer custos: “Mesmo em países onde não há genéricos, a BMS cobra preços muito inferiores, como em Myanmar, onde o tratamento completo custa US$ 354 (R$ 1.366). Aqui no Brasil, a empresa chegou a oferecer um desconto significativo em julho de 2018, baixando o preço do tratamento para US$ 630, mas, depois de concedida a patente, voltou atrás na cobrança de US$ 1.730, em novembro do mesmo ano”, diz a matéria. 

UM PRESIDENTE DESSES…

Estamos falando de Eduardo Fortunato Bim, presidente do Ibama. Ele ignorou as recomendações do… próprio Ibama, e autorizou o leilão de sete blocos de petróleo em áreas próximas a Abrolhos – uma das regiões de maior biodiversidade do Oceano Atlântico. Bim nega, mas o Estadão teve acesso à analise técnica que recomenda a não autorização (em quatro dos blocos, por conta da potencial destruição em caso de derramamento de óleo; em outros três, por falta de estudos de avaliação ambiental), e ao parecer do presidente, rejeitando a orientação.  

OS 100 PRIMEIROS DIAS

Bolsonaro chegou ao marco de 100 dias com duas baixas em ministérios, popularidade em queda e uma já vasta coleção de recuos em suas decisões e promessas. Das metas estabelecidas para o período, só 36% foram cumpridas– se confirmados os anúncios que o Planalto pretende fazer hoje, o percentual sobe para 58%. Considerando o teor de certas metas, até que não é má notícia.  

Destacamos aqui a série publicada no Le Monde, com um conjunto de artigos que contextualizam e analisam esse primeiro trimestre para trabalhadoresmulherescientistaseducadoresdireitos humanos

CAMINHANDO

O deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), relator da reforma da Previdência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, deu ontem parecer favorável à aprovação do projeto. 

E uma comissão mista aprovou a MP 859/18, que viabiliza empréstimos do FGTS para santas casas e hospitais filantrópicos. É um desdobramento de outra MP, a 848, que já virou lei e criou uma linha de crédito para essas instituições, mas não foi implementada por conta de pendências na regulamentação. A 859 é para acabar com essas pendências. 

HORÁRIO AMPLIADO

O ministro da Saúde, Mandetta, anunciou ontem a possibilidade de ampliação nos horários das as unidades básicas de saúde que ampliarem o horário de atendimento vão receber mais recursos do governo federal. Os gestores vão poder decidir se elas vão funcionar 60h ou 75h por semana. Segundo o Ministério, duas mil unidades estão prontas para entrar com o pedido e começar com o novo horário. 

Na mesma ocasião, ele informou que vai haver uma campanha de imunização permanente para ampliar a cobertura vacinal. Mas a campanha nacional específica contra a gripe começa hoje. 

CHUVAS NO RIO

É a segunda vez este ano que um temporal causa mortes e muitos transtornos na capital fluminense. Após as chuvas de segunda à noite, já foram confirmadas dez mortes. Duas delas, em um local onde a sirene não tocou. O prefeito Crivella (que atualmente é alvo de processo de impeachment) é criticado por cortes de gastos com drenagem urbana e manutenção das encostas. Para ele,a chuva foi atípica. 

EMERGÊNCIA

A cidade de Nova Iorque declarou estado de emergência por conta do sarampo, e vai haver vacinação compulsória em um bairro. Quem recusar, paga multa de mil dólares. 

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