No auge da crise, Bolsonaro tenta se desatolar

Presidente decepa quadros das alas militar e ideológica do governo

Presidente Jair Bolsonaro fala com apoiadores sem máscara e volta para colocar a sua que ficou no carro. Durante a conversa com os jornalista Bolsonaro colocou as mãos na máscara por mais de 6 vezes para arruma-la. Sergio Lima/Poder360 11.05.220
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A já esperada demissão do chanceler Ernesto Araújo finalmente chegou – mas acabou sendo apenas uma entre seis trocas oficializadas ontem por Jair Bolsonaro no primeiro escalão do governo. O movimento que gerou mais rebuliço foi, de longe, a queda do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. “Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado“, diz ele em sua carta de demissão, dando panos para manga. A proximidade do dia 31 de março, aniversário do golpe de 1964, ajuda a criar aquele clima de tensão. 

Foi Jair Bolsonaro quem pediu o cargo e, segundo o colunista d’O Globo Lauro Jardim, a conversa em que a saída de Azevedo foi selada durou apenas três minutos. A relação entre eles já não ia bem e piorou nas últimas semanas, quando o presidente começou a aventar a possibilidade de decretar um estado de sítio para lidar com a crise política da covid-19. Bolsonaro queria mais demonstrações públicas de apoio por parte das Forças Armadas. Pelo que escreve em sua nota de saída, Azevedo e Silva não as queria dar. Se bem que, no ano passado, o general chegou embarcar em um helicóptero da FAB para sobrevoar com Bolsonaro uma manifestação que pedia intervenção militar e se colocava contra o STF… Também n’O Globo, a jornalista Malu Gaspar diz ter ouvido de interlocutores que ele não estava disposto a repetir o que viveu na época.

O fato é que, há meses, Bolsonaro pressionava Azevedo e Silva pela demissão do comandante do Exército, Edson Pujol, que se opunha ao presidente em relação à pandemia – e chegou a oferecer o cotovelo para cumprimentar Bolsonaro quando este tentou lhe dar a mão. O mesmo Pujol disse, ainda, que militares tinham que ficar fora da política. Segundo o Valor, o ministro caiu porque se recusou a limar o comandante. 

Outro estopim para a crise pode ter sido esta entrevista do general Paulo Sérgio, autoridade máxima da saúde no Exército, publicada no Estado de Minas no domingo. Nela, ele explica por que a taxa de mortalidade por covid-19 entre as 700 mil pessoas sob a responsabilidade é de 0,13%, bem menor que os 2,5% da população geral do país. O ‘segredo’ não é nenhum tratamento precoce, mas uso de máscaras, testagem massiva, quarentena, home office, distanciamento social nos refeitórios e dormitórios… “Todas as medidas sanitárias, diretrizes emanadas pela OMS, corroboradas pelas nossas diretorias de saúde, são rigorosamente cumpridas em nossos quartéis”, disse ele, dez dias depois de Bolsonaro de clarar que “meu Exército” não fiscalizaria lockdown, Paulo Sérgio deixou claro que as medidas nos quartéis batem de frente com as recomendações do governo federal. E, pior ainda, afirmou que o Exército trabalhava com a possibilidade de haver em breve uma terceira onda da doença no Brasil, ainda pior do que a segunda.

Os desdobramentos da saída de Azevedo e Silva ainda não estão totalmente dimensionados, mas a saída de Pujol do Exército parece já estar certa. Hoje de manhã, não apenas ele mas também os comandantes da Marinha e da Força Aérea devem colocar seus cargos à disposição do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. A tripla debandada será inédita, caso se confirme. 

Ruptura ou ruído?

A procura de Jair Bolsonaro por um ministro da Defesa e comandantes das Forças Armadas mais alinhados com seus propósitos é algo que, evidentemente, gera preocupação. Mas a narrativa de que pode haver  autogolpe acabou varrendo um pouco para debaixo do tapete a grande derrota de um enfraquecido governo federal no episódio da demissão de Ernesto Araújo – talvez o maior símbolo do bolsonarismo raiz dentro do governo. A verdade é que o Centrão pediu e o presidente cedeu. “Bolsonaro não gosta de dar demonstrações de fraqueza, mas desta vez não tem como esconder os fatos. Lira ameaçou… e levou“, resume Bernardo Mello Franco, n’O Globo

Quem assume no lugar de Araújo é  o embaixador Carlos Alberto Franco França, considerado pelos parlamentares como um nome “moderado”. Resta saber se, de fato, alguma coisa vai mudar na política externa, o que seria fundamental para garantir insumos e vacinas contra a covid-19. Como observa o jornalista Jamil Chade, França “nunca liderou embaixada do Brasil no exterior, nunca foi subsecretário e nunca sequer foi chefe de departamento no Itamaraty”. A ver…

Depois de Araújo, o próximo alvo do Centrão é o Meio Ambiente de Ricardo Salles. 

Dança das cadeiras

Com a saída de Braga Netto da Casa Civil, para ocupar o ministério da Defesa, quem fica em seu lugar é o general Luiz Eduardo Ramos, que ocupava a Segov (Secretaria de Governo). A deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) assume a vaga de Ramos, e aí temos um claro aceno ao Centrão. José Levi foi demitido da AGU, que passa a ser comandada por André Mendonça – que, por sua vez, deixa o Ministério da Justiça. A pasta fica a cargo de Anderson Gustavo Torres, secretário da Segurança do Distrito Federal. 

Em tempo: O presidente do STF, Luiz Fux, disse a interlocutores próximos que todas essas mudanças são apenas um “realinhamento político do governo” e não geram preocupação

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