Nelson Teich tem um dia de cão

Das ameaças do presidente à coletiva cancelada na última hora, ministro passou o dia encurralado

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O Ministério da Saúde tem sido objeto de barganha política durante a maior pandemia das últimas décadas. A autoridade da pasta já vinha sendo colocada à prova por Jair Bolsonaro há muito tempo até, por fim, ser escancaradamente minada essa semana. Primeiro, Nelson Teich foi avisado por jornalistas da edição do decreto que considera salões de beleza e academias como serviços essenciais no meio de uma coletiva de imprensa. Ontem, o presidente voltou à carga: logo de manhã, fez uma defesa da alteração no protocolo da cloroquina – droga cuja eficácia no combate da covid-19 vem sendo questionada pela ciência. O curioso é que à medida que esses estudos vinham saindo, Bolsonaro foi deixando o assunto, antes foco principal do seu discurso sobre o coronavírus, de lado. O que suscitou o resgate, então? Uma discretíssima demonstração de autonomia do ministro da Saúde. 

Na terça-feira (12), Teich escreveu em sua conta do Twitter que o Ministério da Saúde havia liberado o uso da cloroquina para pacientes hospitalizados, regra que foi flexibilizada pelo Conselho Federal de Medicina para “outras situações”. Em seguida, alertou que o medicamento tem efeitos colaterais, que qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica e que os pacientes precisam assinar um termo de consentimento que lista os riscos da droga.

Na manhã de ontem, Bolsonaro rebateu: “Não é o meu entendimento, que eu não sou médico. É o entendimento de muitos médicos do Brasil e outras entidades de outros países [que entendem] que a cloroquina pode e deve ser usada desde o início [do aparecimento dos sintomas], apesar de saberem que não tem uma confirmação científica da sua eficácia.” Se dizendo preocupado com o “elevado número de mortes”, o presidente mais uma vez ligou o remédio à cura da doença. Revelando que teria reunião com Teich naquela manhã, Bolsonaro disse que gostaria que o Ministério da Saúde avaliasse o uso da cloroquina para casos leves. “Todos os ministros têm que estar afinados comigo. Todos os ministros são indicações políticas minhas. Quando eu converso com os ministros, quero eficácia na ponta da linha. Neste caso, não é eu gostar ou não do ministro Teich. É o que está acontecendo. Estamos tendo centenas de mortes por dia. Se existe uma possibilidade de diminuir este número com a cloroquina, por que não usá-la?”, ameaçou. 

Não se sabe como foi a reunião, marcada para 11h40. Mas o dia de cão de Nelson Teich estava apenas começando. De tarde, o ministro se reuniu com os conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde – Conass e Conasems. O assunto era o que o ex-empresário chama de “estratégia de gestão de risco”; em português corrente, o manual com diretrizes para o isolamento social. Os gestores do SUS brecaram a divulgação. 

Seus argumentos são bastante objetivos: o número de casos e mortes confirmadas da doença só faz crescer, logo, os esforços precisam ser inequívocos na direção do endurecimento das quarentenas. “A mensagem sobre o isolamento social deve ser clara e objetiva. Gerar dúvidas na sociedade sobre sua importância ou mesmo relativizá-la nos parece inadequado”, explicou, em nota, o presidente do Conass, Alberto Beltrame. Já os secretários municipais de saúde cobram do Ministério da Saúde celeridade na habilitação de leitos de UTI e na ampliação da oferta de testes. “Temos outras prioridades no momento que não essas”, resumiu Wilames Bezerra, presidente do Conasems.

A falta de sinergia entre o governo federal e os demais níveis de gestão do SUS provocou outra situação extremamente atípica. Oito minutos antes do início da entrevista coletiva que acontece diariamente às 17h, o Ministério da Saúde fez circular uma nota informando que o evento tinha sido cancelado. “O Ministério da Saúde aguarda a pactuação da estratégia de gestão de riscos junto a estados e municípios”, diz o texto. À Folha, representantes dos estados e municípios reforçaram que a pactuação tem poucas chances de acontecer agora.

Mas isso não é tudo. Ontem, saiu no Diário Oficial a demissão de Francisco de Assis Figueiredo. Ele estava à frente da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério. O ato – assinado pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto – faz parte da negociação do governo com o Centrão. O posto será ocupado por um nome do Partido Liberal (PL) que, segundo o Estadão, teria desistido de indicar o novo chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde. Isso porque a Atenção Especializada, que autoriza a habilitação de leitos de UTI, seria mais atrativa. Até agora, o custeio de 3.352 leitos de UTI exclusivos para o enfrentamento à pandemia soma R$ 484,6 milhões em recursos transferidos para estados e municípios.

Detalhe: Nelson Teich, que não teve direito a escolher seu secretário executivo, teria convidado Mauro Junqueira para ocupar a secretaria. Ele é ex-presidente do Conasems. “A negociação se encerrou quando o PL pediu o cargo”, revela o repórter Thiago Faria.

Na Folha, as repórteres Talita Fernandes e Natália Cancian apuraram que o estilo “enfraquecido e perdido” de Teich agrada Bolsonaro, que, por enquanto, não pensa em apeá-lo do cargo. Aos gestores que precisam de coordenação no enfrentamento da pandemia, porém, o enfraquecimento do Ministério da Saúde, coroado com a escolha de um nome sob medida aos caprichos presidenciais, toda a situação é preocupante. “O ministro não sabia dar informações sobre ações que seriam básicas para a gestão da crise, como a compra de equipamentos de assistência”, relatam fontes sobre as primeiras reuniões de Teich. “Para um secretário estadual de saúde ouvido pela Folhao ministro tem atitudes próximas a de um consultor, que ouve e diz que analisará demandas para solucionar a crise”, diz a reportagem.

“É melancólica a situação de Nelson Teich. Antes de completar um mês em Brasília, o oncologista já foi fritado pelo chefe. Agora ele parece se arrastar no cargo como um ex-ministro da Saúde em atividade. (…) Isolado, Teich pode ser forçado a escolher entre duas opções ingratas: agarrar-se ao timão como um comandante fantasma ou abandonar o navio durante o naufrágio”, analisa, por sua vez, Bernardo Mello Franco n´O Globo.