A matemática bolsonarista

O presidente e suas redes distorcem números da pandemia para negar evidente fracasso brasileiro

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Entre quarta e quinta-feira o Brasil registrou o maior número diário de infecções pelo novo coronavírus até agora (foram 13.944) e ultrapassou, com folga, os 200 mil casos. São ao todo 202.918, o que dá mais ou menos um caso para cada mil brasileiros. No número de óbitos, a alta foi de 844 registros, e agora o total é 13.993. Para lembrar: a marca das dez mil mortes foi alcançada no sábado à noite, apenas cinco dias antes.

Se esses dados resultassem de uma ampla testagem, não seriam tão ruins. Mas não. A fila de amostras de pessoas que já morreram continua estagnada, com duas mil em investigação. Na coletiva de imprensa de ontem, o secretário substituto de Vigilância em Saúde, Eduardo Macário, comemorou que o Brasil finalmente chegou a 500 mil testes moleculares, o que, sabemos, é pouco. Até terça, haviam sido 482.743, uma diferença de apenas 17 mil testes em dois dias… Enquanto, há um mês, o Ministério da Saúde promete conseguir uma média diária de 50 mil. O ministro Nelson Teich já reconheceu que o governo navega às cegas, e ontem a Pasta afirmou aquela que parece ser sua única certeza no momento: o Brasil não tem nenhuma perspectiva de estabilização ou diminuição da curva.

O presidente Jair Bolsonaro, que tem perdido apoio popular, consegue dar mil voltas e repercutir habilmente os péssimos números brasileiros junto à sua base. No habitual papo em frente ao Palácio do Alvorada, foi questionado sobre o número de mortes no Brasil e na Argentina – quase 14 mil aqui e 353 lá. Deu de ombros: “É só você fazer a conta por milhão de habitantes. Vamos falar da Suécia? Pronto! A Suécia não fechou!”, cravou, aproveitando para citar o bicho-papão de sempre: “Você pegou um país que está caminhando para o socialismo, a Argentina”, disse ao jornalista, encerrando a conversa.

As contas, contudo, não poderiam ser mais óbvias. O Brasil tem 66 mortes por milhão de habitantes, enquanto a Argentina tem oito. Na Suécia, que não decretou nenhuma medida dura de isolamento, são nada menos que 349. Mas ninguém contestou a fala do presidente na hora, e o que aparece no vídeo é apenas a sua “lacração”. O caso sueco tem sido compartilhado exaustivamente nas redes bolsonaristas – com a retórica do presidente, e não com os números que mostram o seu fracasso, é claro.

A propósito: mais de 500 mil registros de óbitos sumiram do Portal da Transparência do Registro Civil. Essa base de dados, alimentada pelos cartórios, tem sido usada para calcular o excedente de mortes no Brasil este ano e, assim, estimar o número real de vítimas da covid-19, já que os dados oficiais não são confiáveis. Falamos ontem que essas informações estão desatualizados e que isso é um grande problema para quem as utiliza para fazer estimativas sobre o coronavírus, mas o novo sumiço piora ainda mais as coisas. Os óbitos em questão são referentes a outros anos, e inviabilizam ainda mais a comparação.

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