O que o Brasil pode perder com a privatização do INPI

Proposta de Paulo Guedes assombra movimento sanitarista até no exterior. Fim da autarquia responsável pela concessão de patentes favorece monopólios e altos preços dos remédios, alerta Stat, conceituado site de saúde

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A PRIVATIZAÇÃO DO INPI LÁ FORA

Os planos do ministro da Economia Paulo Guedes são capazes de escandalizar até os liberais mais empedernidos. No final do ano passado, circulou a notícia de que à guisa de “enxugar” a máquina pública, o governo federal estuda extinguir o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). A ideia foi destaque no Stat ontem. Vejamos como o site dos EUA especializado em saúde – talvez o veículo mais importante da área no mundo – apresentou a informação: “Uma recente proposta do governo brasileiro para, na prática, privatizar o escritório de concessão de patentes está alarmando ativistas pelos direitos dos pacientes, que temem que a manobra possa facilitar que a indústria farmacêutica mantenha monopólios de medicamentos e, consequentemente, cobre altos preços em uma das maiores economias do mundo.” 

A proposta foi apresentada em uma nota técnica publicada em 9 de dezembro pelo Ministério da Economia, que sugere a edição de uma medida provisória para extinguir o INPI e transformar a ABDI num serviço social autônomo chamado Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDPI). Para quem não lembra, o governo Bolsonaro tem uma inclinação toda especial para esse tipo de personalidade jurídica, vide a obsessão com a Apex e a criação da Adaps, a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde que tanto preocupa o movimento sanitário. Os serviços sociais autônomos são regidos pelo direito privado e não são obrigados a observar os princípios constitucionais da administração pública. As entidades do Sistema S (Senai, Senac, etc.) são o maior exemplo.     

DIÁRIO DE EXPEDIÇÃO

Em quase dois anos de newsletter, podemos dizer que se trata de um produto que induz o leitor a não se aprofundar nos textos resumidos e comentados. Não é nossa intenção, mas olhando as estatísticas de cliques nos links que colocamos em cada uma das notas e levam aos textos originais, é a nossa conclusão. Só que existem reportagens que perdem muito dos seus atrativos quando resumidas. Quando acontece, sempre destacamos: vale a pena ler. É o caso da reportagem de capa da edição de janeiro da revista Radis, escrita no formato de diário. O subeditor da publicação, Bruno Dominguez, visitou dezenas de comunidades na região amazônica acompanhando pesquisadores de um inquérito que pretendia avaliar se o Brasil eliminou o tracoma como problema de saúde pública, alcançando uma meta estabelecida pela OMS para este ano de 2020. 

O tracoma é causado por uma bactéria, altera a pálpebras e cílios dos doentes, causando lesões nas córneas que podem levar à cegueira. Uma simples dose de antibiótico é o suficiente para prevenir tal desfecho e tratar a enfermidade, que está intimamente ligada às condições de vida miseráveis da população. O inquérito coordenado no Brasil pela Fiocruz rodou estados como Amazonas, Acre, Roraima, Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia procurando tanto zonas endêmicas quanto as chamadas zonas     ‘silenciosas’, áreas em que a pobreza é gritante, tornando as pessoas vulneráveis ao tracoma e de fora do radar dos serviços de saúde. 

A conclusão do inquérito, antecipada pela revista, é que, o país atingiu as metas da OMS para a doença, ficando bem abaixo, aliás, dos percentuais aceitáveis pelo organismo. Mas a despeito da grande relevância dessa informação, a beleza do texto está em seguir e descrever os passos dos profissionais de saúde em seu contato com uma população absolutamente esquecida em um registro bem-humorado e sensível.

Destacamos um trechinho: “A registradora Eri pergunta a um casal de idosos se a casa em que moram tem acesso à água, onde essa água é armazenada, se há uma estação de seca, seguindo as perguntas que aparecem na tela de um smartphone. Pede para ver o banheiro, que é fora da estrutura principal: uma ‘casinha’ com um buraco no chão circundado por paredes de madeira e telha de amianto. Preenche no aplicativo que não tem sabão para lavar as mãos. O tracoma está relacionado com precárias condições socioeconômicas, especialmente de esgotamento sanitário e acesso à água. Em países desenvolvidos, o controle da doença foi alcançado com melhoria das condições de vida e saneamento básico. As medidas de prevenção do tracoma são basicamente de higiene pessoal — lavar o rosto e as mãos, não compartilhar toalhas e lençóis. ‘No Brasil, temos tanto crianças que lavam os olhos com xampu de PH neutro quanto crianças que nem sequer têm água para tomar banho’, compara Célia [Landmann, coordenadora do inquério]. Eri também pergunta sobre acesso à saúde: quantas visitas receberam de um agente comunitário nos últimos 12 meses? ‘Nenhuma, minha filha. Aqui nunca veio ninguém. Vocês são os primeiros da saúde que vêm aqui’, ouve da dona da casa, que não esconde a emoção diante da visita.” 

NOVO VÍRUS NA ÁREA

Ontem, a OMS anunciou que a misteriosa doença que apareceu na cidade chinesa de Wuhan é provavelmente causada por um novo coronavírus. Ainda não é uma conclusão definitiva, mas é o que apontam resultados preliminares de exames conduzidos por um time de especialistas. Até agora, 59 casos da doença que se parece com pneumonia foram confirmados – e 15 doentes foram testados, com resultados positivos para esse novo coronavírus. O pesquisador que lidera o time se chama Xu Jianguo e avisou em seu relatório: “Podem levar anos para que cientistas desenvolvam medicamentos e vacinas.” Para complicar ainda mais, as chances do novo vírus se espalhar na China são grandes porque o país comemora no fim de janeiro o Ano Novo Lunar, e há previsão de que a imensa população de lá faça 440 milhões de viagens de trem e 79 milhões de viagens de avião. As autoridades prometem tentar evitar o pior esterilizando os meios de transporte. O novo vírus é da mesma família da SARS, que surgiu em 2002, e da MERS, de 2012.

PIOR DO MUNDO

Além da longa epidemia de ebola, a República Democrática do Congo enfrenta um outro sério problema: o sarampo. Na terça-feira, a OMS confirmou que mais de seis mil pessoas morreram naquele país em 2019 por conta da doença. Os casos suspeitos chegaram à marca dos 310 mil. Em várias áreas do país, a cobertura vacinal é muito baixa e 25% dos casos acometeram crianças menores de cinco anos. A OMS tenta sensibilizar parceiros para fazerem doações que ajudem a conter a epidemia de sarampo – considerada a pior de todo o mundo.

INOFENSIVO, MAS NEM TANTO

Em outubro do ano passado, o Facebook lançou nos Estados Unidos um novo aplicativo: o Preventative Health. Sidney Fussell, repórter especializado em tecnologia da The Atlanticrecupera parte da história das investidas da empresa no setor para analisar os impactos do app. Isso porque, comparado com as tentativas anteriores do Facebook, o aplicativo parece ser bem mais inócuo: baseado apenas nas informações de idade e gênero, manda notificações para quem se inscreve avisando sobre clínicas gratuitas próximas para aqueles sem seguro ou incentivando a fazer exames clínicos (o que, pensando bem, é meio estranho do ponto de vista da racionalidade sanitária: se já existe um debate de que os médicos fazem anamnese de menos e exames de mais, o que dizer de um app que toma a frente e incentiva exames sem respaldo de um profissional de saúde?).

Mas o fato é queantes do escândalo da Cambridge Analytica, o Facebook tocava projetos muito mais ambiciosos na saúde, por meio de um time batizado de ‘Prédio 8’ chefiado por Regina Dugan, ex-diretora da agência governamental de pesquisas avançadas em Defesa. Já falamos de pelo menos um deles por aqui: a tecnologia que pretende que sejamos capazes de digitar com o pensamento (Fussell cita outro ainda mais próxima da ficção científica, que pretendia que pudéssemos ouvir através da pele). Tudo isso acabou oficialmente e a empresa apontou o pesquisador de Yale Freddy Abnousi como chefe de sua divisão de saúde. Antes, ainda nos termos do ‘Prédio 8’, Abnousi – que é cardiologista – já trabalhara em um projeto bem factível de convencer o Colégio Americano de Cardiologia e a Universidade de Stanford em embarcarem num cruzamento de dados dos usuários da plataforma com informações de pacientes de hospitais para prever desfechos clínicos. 

Com tudo isso em mente, o repórter da The Atlantic analisa que se com certeza uma distância grande separa os projetos tocados pelo Prédio 8 do  Preventative Health app, o novo aplicativo se move pela mesma lógica perniciosa da gigante de tecnologia: criar conveniência para usuários de modo que passem cada vez mais tempo e compartilhem cada vez mais dados com a plataforma. 

Fussell reflete: “Para o Facebook, o valor real da ferramenta não está na monetização direta. É tornar-se parte integrante de mais uma faceta da vida dos usuários. Historicamente, essa parece ser a estratégia operacional do Facebook: se mover em um espaço amplamente não regulado, aproveitar a onipresença inigualável da plataforma para criar um produto altamente conveniente dentro desse espaço e depois transformar a conveniência em dependência e mais tempo gasto na plataforma. O Facebook acelerou sua ascensão monetizando dados sociais e transformando curtidas em receita massiva de anúncios. Em seguida, lançou novos produtos como o Messenger e aumentou seu império ao adquirir o Instagram e o WhatsApp, os quais geraram cada vez mais dados. O que começou como um anuário on-line se tornou produtos que atraíram novos usuários e assim por diante. À medida que o Facebook ingressa no setor de saúde, seu sucesso futuro provavelmente se parecerá com seu sucesso passado.”

CARTEIRA NACIONAL

Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Com o documento, que pode ser tirado de graça, essa população passa a ter prioridade de atendimento em serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. O projeto de lei que criou a carteira foi aprovado pelo Congresso em dezembro passado. A proposta foi apresentada ainda em 2019 pela deputada federal Rejane Dias (PT-PI) e alterou dispositivos de uma lei de 2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

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