Mapa do interior das células promete decifrar as doenças

Detalhes um milhão de vezes menores que um milímetro podem fazer a diferença entre a vida e a morte. Esse é o desafio de pesquisas de ponta da ciência médica e biológica. Querem ver de perto como as milhares de proteínas das células atuam e podem levar à saúde ou à doença

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As tentativas de fazer um mapa minucioso do interior das células avançam em uma linha tênue entre a saúde e a doença, com o objetivo de observar como milhares de moléculas “trabalham” nesse ambiente inacessível aos microscópios. As proteínas – as “ferramentas” das células, como diz um estudo recente – têm escala nanométrica, de um bilionésimo de um metro. Nesse estudo, cientistas dos Institutos Max Planck de neurobiologia e bioquímica desenvolveram meios de “enxergar” pela primeira vez a forma das proteínas que trabalhavam dentro do cérebro de mamíferos – no caso, camundongos utilizados em pesquisa sobre as doenças de alzheimer, parkinson ou de huntington.

Tornando as proteínas luminescentes, conseguiram verificar que algumas delas estavam dobradas de maneira inadequada, de uma maneira que pode propiciar a ocorrência daquelas doenças. Na edição atual da revista Science, pesquisadores anunciaram um resultado notável nessa direção: a construção de uma grande biblioteca contendo a localização de 1310 proteínas e suas interações físicas dentro da célula. A equipe recorreu à luminescência e outras técnicas na tentativa de decifrar as ações mais básicas do organismo. “Nossos dados fornecem informações sobre a função de proteínas individuais”, explicam os autores, “mas também nos permitem derivar alguns princípios gerais da organização celular humana”.

Eles explicam que mapas abrangentes do conjunto das proteínas humanas – chamado proteoma – “servirá como referência para explorar a função dos genes na saúde e na doença”. O quebra-cabeça é grande porque quase tudo é importante: a composição das moléculas e sua geometria, ou seu estado energético, mas também os lugares onde elas atuam no interior da célula. “A maioria das doenças humanas pode ser atribuída a partes defeituosas de uma célula”, assinala outro estudo marcante recente, que redesenhou a geografia celular apontando estruturas inéditas. A técnica que usaram combina microscopia, bioquímica e inteligência artificial, e é conhecida pela sigla MuSIC (do inglês “integração celular em multi-escala).

LEGENDA DA FIGURA: Arquitetura clássica da célula, à esquerda; esquema mostrando novas estruturas em rede, à direita

As proteínas localizam-se em diferentes compartimentos subcelulares e interagem umas com as outras formando redes moleculares, explica o estudo. O MuSIC revelou aproximadamente 70 “compartimentos” em células de rim humano – metade dos quais nunca havia sido vista antes. Chegou-se, com isso, a um horizonte distante dos primórdios do proteoma, que começou logo após o término do sequenciamento dos genes pelo projeto do genoma humano. Os dois estudos tendem a se complementar, como definem alguns cientistas, combinando-se na profunda transformação pela qual passou a biologia celular nas últimas décadas.

Ao definir a lista de proteínas que participam da operação celular, o proteoma abre caminho para elucidar como as cerca de 20 mil proteínas codificadas no genoma se organizam no espaço e no tempo para definir a estrutura funcional da célula. O Atlas de Proteína Humana é um grande mapeamento de proteínas iniciado em 2003 logo após a conclusão da sequência do genoma humano. Por meio dele, mais de 10 milhões de imagens sobre proteínas em um nível celular estão disponíveis publicamente na internet. Outro trabalho marcante desse tipo é o Atlas de proteínas humanas: um mapa espacial do proteoma humano.

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