As vistas grossas do Ibama para as madeireiras
Presidente do órgão afrouxa fiscalização para exportação de cargas de madeira retirada das florestas. Servidores, perplexos, apontam conivência com devastação. Leia também: no Congo, último paciente com Ebola tem alta
Publicado 04/03/2020 às 08:06 - Atualizado 04/03/2020 às 11:45
Por Raquel Torres
MAIS:
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MAIS UM EMPURRÃO
Aconteceu em plena terça-feira de carnaval mas o assunto vem à tona hoje no Intercept,
em reportagem de Rafael Neves e Leonardo Fuhrmann: a pedido de duas
associações de madeireiros, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, assinou
um documento acabando com a necessidade de que o órgão de fiscalização
autorize a exportação de cargas de madeira retiradas das florestas do
Brasil. Em outras palavras: afrouxando a fiscalização sobre quem derruba madeira para exportação.
A canetada eliminou uma barreira legal que existia há
oito anos e deixou perplexos os servidores do Ibama, já que a
fiscalização costuma flagrar grandes quantidades de madeira extraída
ilegalmente da floresta. “Essa medida prejudica o nosso controle sobre
as cargas que são exportadas, que é quando verificamos se elas têm
origem legal. Com isso aumentam as chances de quem vende madeira ilegal
sair impune”, explica um deles.
A partir de uma série de documentos obtidos com a Lei
de Acesso à Informação, o texto narra como a coisa se desenrolou. E o
pedido foi, em princípio, negado por técnicos do Ibama antes que Eduardo
Bim atendesse aos desejos dos madeireiros. A partir de sua decisão, a
autorização passa a ser exigida só para exportação de madeira de
espécies ameaçadas de extinção ou em condições especiais.
QUASE LÁ
Ontem o último paciente de ebola
em tratamento na República Democrática do Congo recebeu alta. Sua saída
foi comemorada por funcionários do hospital, que cantaram e fizeram
batucada em latas de lixo: pela primeira vez desde que o surto foi
declarado, em agosto de 2018, não há casos ativos da doença. Nesse
período o vírus infectou mais de três mil pessoas, matando 2.264. Só não
foi mais mortal do que a epidemia de 201-2016, que levou a mais de 11
mil mortes no continente africano.
Ainda não é, oficialmente, o fim. O país está sem casos
confirmados há 14 dias; para que o surto seja considerado encerrado, é
preciso que esse período se estenda a 42. E, como é difícil rastrear
casos nos locais mais violentos, ainda há riscos. “Devido ao complexo
ambiente de segurança, a transmissão do Ebola fora dos grupos atualmente
sob monitoramento não pode ser descartada (…) Um único caso pode
reacender a epidemia”, disse o porta-voz da OMS Tarik Jasarevic.
CORONAVÍRUS NO BRASIL
O Ministério da Saúde ampliou para 27 o número de países monitorados
pela Pasta por apresentarem transmissão direta do coronavírus, e incluiu
os Estados Unidos (veja a lista completa).
Pessoas que estiveram em todos esses países e apresentarem febre e mas
um sintoma gripal vão ser enquadradas como casos suspeitos. Até ontem à
noite havia 488 casos suspeitos no país; 240 já tinham sido descartados e apenas dois seguem confirmados.
A pedido do Ministério, esta semana a Fiocruz começa a produção de protótipos de kits para realizar 30 mil testes diagnósticos em laboratórios públicos do país inteiro.
E numa tensão entre o governo e a Anvisa sobre a importação de imunoglobulina, a Agência terminou vencida.
A droga é usada para imunizar pacientes de diversas doenças e a Pasta
afirma que pode servir para casos mais graves do coronavírus. Ainda no
fim do ano passado, o governo havia fechado uma compra de R$ 209 milhões
em 300 mil frascos da China, e mais R$ 70 milhões por 100 mil frascos
da Coreia do Sul, pois o estoque brasileiro está baixo — o
impasse para a importação desse produto vem desde 2018. “Integrantes da
Anvisa avaliam que o governo não poderia ter feito uma compra de produto
sem registro. As regras para aquisição de medicamentos não avaliados
pela agência são rígidas e tidas como barreira para evitar entrada no
país de produtos falsos ou perigosos aos pacientes”, apurou o Estadão.
Algumas semanas atrás o ministro em pessoa, Luiz Henrique Mandetta,
esteve na Agência pressionando pela liberação. Ontem, ela aconteceu,
com ressalvas: “Os diretores pedem que o Ministério da Saúde realize
testes para garantir a segurança dos pacientes que receberem o
medicamento”.
“PARASITAS”, SUS E CORONAVÍRUS
De Sonia Fleury, no site do Cebes: “Os funcionários públicos da área da
saúde, tratados como ‘parasitas’ pelo Ministro Paulo Guedes, estão se
preparando para enfrentar o vírus. Deles e do sistema público de saúde
dependerá o sucesso no enfrentamento da crise sanitária que vem sendo
anunciada com a disseminação do covid-19. Se isso acontecer, não vai dar para os mais ricos dizerem que não usam o SUS,
nem fugir para Miami. Ao contrário, seria a hora de reconhecer a
importância da política de saúde e do sistema universal para toda a
sociedade brasileira, juntando forças de toda a sociedade para conseguir
superar os principais gargalos do SUS na produção mais efetiva de
medidas de saúde pública. A primeira medida, com certeza deve ser a
revogação da Emenda Constitucional 95, que definiu um teto de gastos
para um período de 20 anos, ignorando questões básicas como o
envelhecimento da população ou que uma epidemia poderia atingir o país,
por exemplo”.
PELO MUNDO
Está em 90.893 o número de casos confirmados mundo afora. Ontem, o
diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus afirmou que 3,4% deles
resultaram em mortes; a entidade voltou a descartar a hipótese de declarar pandemia, por enquanto.
A taxa de mortes é maior do que a anunciada anteriormente (de 2%) e
também maior do que a da gripe da temporada (menos de 1%), mas a
capacidade de propagação é menor; por isso, o organismo reafirmou que é
possível adotar medidas para conter a disseminação.
A China só registrou 129 casos nas últimas 24 horas — é o menor número desde o dia 20 de janeiro. Mas agora corre o risco de importar o surto:
autoridades da província chinesa de Zhejiang confirmaram oito novos
casos de COVID-19 em pessoas recentemente retornadas da Itália. Nos
outros países foram 1.848 nas últimas 24 horas, sendo 80% deles na
Coreia do Sul, no Irã e na Itália. Na América Latina, Chile e Argentina registraram ontem seus primeiros casos.
A OMS continua preocupada com o estoque de equipamentos
de proteção para profissionais de saúde; já enviou 500 mil kits a 27
países, mas os estoques estão acabando e os preços subiram
alucinadamente (o das máscaras reforçadas triplicou). São necessárias, por mês, 89 milhões de máscaras e 76 milhões de luvas. A falta deixa em risco profissionais de saúde que atuam na linha de frente.
O Banco Mundial anunciou um fundo de contingência de US$ 12 bilhões para o coronavírus, afirmando que dará prioridade a países com alto risco e pouca capacidade de lidar com a epidemia.
E os EUA ainda não sabem bem como fazer para que os 27,5 milhões de cidadãos sem nenhum plano de saúde consigam atendimento,
caso tenham o coronavírus. Ontem mesmo comentamos aqui o sufoco que
algumas famílias estão passando, criando dívidas de milhares de dólares
por conta disso. O Wall Street Journal revelou que a Casa
Branca estuda usar verbas do programa nacional de desastres para
garantir essa cobertura. É o mecanismo usado pelo governo para
reembolsar unidades de saúde que atendam pessoas em áreas atingidas
durante desastres. Por lá, o número de casos confirmados de Covid-19
chegou a 108, e houve nove mortes, todas em Washington.
Dessas nove vítimas, sete eram moradores de um centro
de cuidados a idosos na cidade de Kirkland, que está envolvido em uma
enorme polêmica. Tudo está nebuloso na história: há pouca transparência
nas informações passadas pelo Centro, não se sabe há quanto tempo o
vírus circula por lá e quantos trabalhadores e visitantes podem ter sido infectados.
Enquanto isso, a China vai começar a usar um remédio para artrite da Roche, o tocilizumabe, para tratar pacientes de Covid-19 em condições severas.
SIMPLES PEDIDO
Ontem residentes em Saúde de várias parte do país fizeram manifestações exigindo melhor remuneração: as bolsas não são ajustadas desde 2016.
Em Brasília, o ato foi em frente ao Ministério da Saúde. “São 60 horas
semanais. É um abuso. Essa precarização nos faz assumir o serviço de
servidores. R$ 3,3 mil é um valor superexplorado. São agravos nas nossas
condições de vida e moradia, porque temos que sair das nossas cidades
para fazer a residência em outros territórios”, diz, no site do Conselho
Nacional de Saúde, o farmacêutico Gabriel Viegas, representante do
Fórum Nacional de Residentes em Saúde. Outra demanda é o retorno da
Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde, criada em
2005, que se reunia mensalmente até abril do ano passado. Vinculado ao
MEC, o Conselho era um espaço de debate entre os residentes e a gestão.
Os manifestantes em Brasília conseguiram falar com representantes da
SGTES (a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde) e
encaminharam uma nova reunião com o governo.
COM AS CHUVAS
Já são pelo menos 140 mortos pelas chuvas na região Sudeste neste verão — 70% a mais do que no verão passado — e
quase 90 mil desabrigados. O estado que concentra o maior número de
vítimas é Minas Gerais (72 mortes). Ontem houve vários deslizamentos no
litoral paulista e o temporal deixou 18 mortos, além de 30
desaparecidos.
QUE SE ESCLAREÇA
A Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e
Defesa do Consumidor do Senado convocou ontem o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, para prestar explicações sobre o possível fim dos NASF. Onyx Lorenzoni, agora no Ministério da Cidadania, também foi chamado para explicar a fila do Bolsa Família. Aguardemos.
FICOU PARA HOJE
O presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, suspendeu ontem a sessão que votaria o veto presidencial referente ao Orçamento Impositivo. A análise ficou para hoje, em sessão às 14h.
DE VOLTA
Bem que os chilenos disseram que os grandes protestos recomeçariam em março,
após as férias. Desde segunda-feira à tarde até a manhã de ontem,
milhares de pessoas se reuniram no centro de Santiago, e, segundo o
Estadão, há um “intenso” calendário de manifestações circulando na
internet, marcados para quase todos os dias do mês. Essas últimas
paralisaram parte do sistema de transporte, houve saqueios de lojas,
estações de metrô destruídas e barricadas nas ruas. Houve, como tem
acontecido, confrontos graves com a polícia: 283 pessoas foram presas e,
segundo o governo, 76 policiais foram feridos.
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