Medicina Psicodélica: as promessas e os riscos

Associado a psicoterapia, MDMA parece eficaz contra diversos distúrbios. Mas surgem casos de abuso sexual de pacientes, pelos terapeutas. Leia também: Coronavírus ganha o mundo, mas recua na China. Bolsonaro e Congresso fecham meio a meio

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ALVOS FÁCEIS

Tem crescido o interesse no uso medicinal de drogas psicodélicas – há por exemplo ensaios clínicos promissores para algumas doenças e problemas mentais combinando MDMA e psicoterapia. Novos tratamentos são sempre uma boa notícia. Mas uma longa reportagem do site Quartz cita histórias bizarras e processos judiciais que apontam para um grave perigo: o de que pacientes sejam submetidos a abusos sexuais. Essas pessoas estão extremamente vulneráveis, lidando com questões de saúde mental, em uma relação de desequilíbrio de poder em relação ao terapeuta e ainda por cima com a percepção da realidade alterada. E, no caso específico do MDMA, temos uma droga conhecida por gerar sentimentos de excitação e intimidade emocional.

A matéria descreve minunciosamente o caso de Richard Yensen, um terapeuta acusado há quatro anos de abusar sexualmente de Meghan Buisson, paciente com transtorno de estresse pós-traumático, durante um ensaio clínico com MDMA. Nos tribunais, Yensen alegou que houve um relacionamento consensual. Em geral há dois profissionais acompanhando os pacientes, e nesse caso havia mesmo: Yensen e sua esposa. Só a mulher, no entanto, tinha uma licença para atuar como terapeuta.

Mas a preocupação com abusos é bem mais antiga do que isso. Nos anos 1980, antes de o uso como medicamento dessa substância se tornar ilegal nos EUA, houve casos bem conhecidos entre profissionais que faziam uso dela. Como o de dois psiquiatras, Richard Ingrasci e Francesco DiLeo, que administraram MDMA e foram processados por ex-pacientes.

O próprio chefe da MAPS (sigla para Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos, organização sem fins lucrativos que realiza os estudos clínicos), Rich Doblins, também mencionou essa preocupação no início dos anos 2000. “Há uma consciência há muito estabelecida na psicoterapia de que a intimidade do relacionamento às vezes se transforma em relacionamentos sexuais entre paciente e terapeuta que não são bons para o paciente (…) Penso que é necessário estabelecer salvaguardas, para que o MDMA não seja usado em dessa maneira”, disse, em entrevista. No entanto, no ensaio que envolveu Buisson anos depois — e que foi supervisionado por Doblins –, nada disso foi informado aos pacientes nos termos de consentimento.

A grande questão hoje é conseguir construir protocolos que protejam pacientes. Uma das coisas importantes é o próprio consentimento informado. Outra é o problema das licenças. Hoje, psicólogos nos EUA e no Canadá precisam ter uma licença, mas isso não é exigido a todos os terapeutas que usam psicodélicos em ensaios clínicos. Seria importante, já que pressupõe uma formação específica, e se um psicólogo tiver um relacionamento sexual com um paciente, perde a licença e o direito à prática. Mas a MAPS quer que a FDA (agência reguladora dos EUA) aprove regras que permitam a esses terapeutas trabalhar em duplas, com apenas uma licença por par. Exatamente como atuava Yenssen quando foi acusado.

AINDA MAIS DIFÍCIL

Desinformação sobre seus direitos, barreiras do idioma e grandes distâncias para chegar até serviços de atendimento são algumas das dificuldades enfrentadas por mulheres indígenas na luta contra a violência doméstica. Reportagem de AzMina revela os números dessa realidade meio invisível: entre 2007 e 2017, foram registradas 8.221 notificações de casos de violência contra mulheres indígenas – e, em um terço deles, os agressores são pessoas próximas, como ex ou atual companheiro. As vítimas são bem jovens: quem tem entre dez e 19 anos responde pela maior parte dos casos, que acontecem, em geral, na própria residência. Os dados foram compilados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde.

ORÇAMENTO IMPOSITIVO

Ontem, a Câmara manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro ao orçamento impositivo. No placar, 398 deputados foram a favor do veto e dois contra. O resultado só pode ser alcançado porque o governo mandou ao Congresso três projetos de lei que repartem os R$ 30,1 bilhões que iriam para emendas parlamentares impositivas entre os dois poderes. Nesse acordo, ao Executivo, caberá a administração de R$ 15,1 bilhões, à Câmara, de R$ 10 bilhões e ao Senado, dos R$ 5 bi restantes. Mas os PLs ainda precisam ser votados. “Em uma primeira vista, a sensação é que foi uma vitória da gestão Bolsonaro, que incitou protesto de sua militância contra os parlamentares e, enquanto negociava, foi às redes sociais dizer que não estava cedendo aos legisladores. Na prática, escancarou-se um balcão de negócios que o Executivo poderia ter evitado, caso soubesse dialogar”, escreveu Afonso Benites, no El País Brasil

TERCEIRO CASO CONFIRMADO

O Brasil confirmou o terceiro caso importado de coronavírus. Trata-se de um colombiano de 46 anos que mora em São Paulo e, em fevereiro, visitou Espanha, Itália, Áustria e Alemanha. A secretaria estadual de Saúde de SP informou que o homem está em isolamento domiciliar e passa bem. Essa infecção também foi detectada pelo Hospital Albert Einstein – assim como os outros dois casos confirmados de Covid-19 no país. E está em investigação outro possível caso na capital paulista. Exames de contraprova estão sendo realizados pelo Instituto Adolf Lutz para confirmar se uma adolescente de 13 anos que esteve recentemente em Portugal e Itália tem a infecção. Ontem no final da tarde, o Ministério da Saúde informou que monitora um total de 531 casos suspeitos. Os estados com mais afetados são: São Paulo (135), Rio Grande do Sul (98), Minas Gerais (82) e Rio de Janeiro (55). A Pasta ampliou de 27 para 31 o número de países monitorados por apresentarem transmissão direta do vírus.

Nas últimas 24 horas, 76 países registraram 2.103 novos casos da doença. Argentina e Chile entraram nessa lista. Em seu balanço, a Organização Mundial da Saúde destacou que o número é bem maior do que os 120 casos registrados na China, país que parece caminhar para uma estabilização do quadro de transmissão. No total, o número de infectados desde o começo da crise chegou a 93.090, com 3.198 mortes, das quais 213 ocorreram fora do território chinês.

O segundo país com mais infectados é a Coreia do Sul: 5.328, com 32 mortes. O Irã já teve 2.336 casos confirmados e 77 mortes. A Itália vem em terceiro, com 2.502 casos e 80 mortes, e anunciou ontem a decisão de fechar todas as escolas e universidades até 15 de março. Por lá, o senador Matteo Salvini, ex-ministro do Interior que tentou derrubar o governo seis meses atrás, critica a resposta italiana: “Agora é o momento de enfrentar a emergência sanitária, encontrar novos leitos para a terapia intensiva e apoiar as empresas em dificuldade. Quando essa fase terminar, o que foi feito nas semanas anteriores será revisado. E é claro que os primeiros alarmes lançados em janeiro não foram ouvidos pelo Governo, que não considerou necessário intervir com controles e bloqueios. Isso teria evitado o nível de propagação da contaminação.”

De acordo com dados do governo chinês compilados por uma missão de especialistas da OMS em fevereiro, a taxa de mortalidade por coronavírus é até nove vezes maior entre pessoas com alguma doença crônica quando comparada à de pacientes sem patologia preexistente. No grupo de infectados que não tinham nenhuma comorbidade, apenas 1,4% morreu. Já entre os pacientes com alguma doença cardiovascular, por exemplo, o índice chegou a 13,2%. Considerando todos os pacientes infectados, a letalidade foi de 3,8%. A análise foi feita com base em amostra de 55.924 casos e 2.114 mortes registrados na China até 20 de fevereiro. Também segundo a OMS, a taxa de mortalidade também varia com a idade. Em termos gerais, 2.3% dos casos confirmados terminaram com o óbito do paciente, mas entre os chineses com 80 anos ou mais, a taxa de mortalidade foi de 14,8%. A mesma taxa foi de 1,3% para quem estava na casa dos 50, 0,4% para pacientes na casa dos 40 anos e 0,2% entre pessoas de 10 a 39 anos. 

E em Wuhan, na China, um paciente morreu cinco dias depois de ter alta do hospital. Ele havia sido internado com o coronavírus no dia 12 de fevereiro e foi liberado em duas semanas, sob instruções de permanecer em quarentena em um hotel. Mas começou a passar mal dois dias depois, voltou ao hospital e morreu em seguida — o atestado de óbito indica Covid-19 como a causa da morte, apesar de que, segundo sua esposa, os sintomas sentidos eram boca seca e problemas estomacais.

Ontem, duas semanas antes da data prevista para a reunião ordinária do seu comitê de política monetária, o Banco Central dos EUA diminuiu a taxa de juros em meio ponto. A redução é uma das ferramentas que um dos maiores órgãos emissores de moeda do mundo resolveu lançar mão para tentar conter os danos econômicos do coronavírus. No mundo, a Austrália já tinha tomado decisão semelhante. Agora, a taxa básica de juros fica na faixa de 1% a 1,25%, contra o atual índice de 1,5%-1,75%. Também ontem, a Câmara dos Deputados de lá aprovou a liberação de US$ 8,3 bilhões para combater o avanço do Covid-19. Falta aprovação do Senado.

No Brasil, o Banco Central divulgou um comunicado afirmando que acompanha atentamente os impactos do Covid-19 na economia do país e que as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do coronavírus na trajetória da inflação.

A OCDE reviu sua projeção de crescimento para 2020, derrubando a expectativa de crescimento de vários países. O Brasil, no entanto, ficou como estava: a expectativa de crescimento de 1,7% foi mantida. Os países mais afetados, de acordo com o organismo, serão a China, que crescerá oito décimos a menos, por volta de 4,9%, e a África do Sul, muito dependente da exportação de produtos básicos, que crescerá apenas 0,6% neste ano. Em seguida, vêm o México e a Austrália, com queda de 0,5%, o mesmo que se espera para o G-20 como um todo. 

DRAUZIO 2022?

A colunista Monica Bergamo entrevistou o médico Drauzio Varella, que comentou a grande repercussão de uma reportagem sobre a vida das mulheres trans nos presídios do Brasil feita pelo Fantástico. Após ouvir de uma entrevistada que há oito anos ela não recebia visitas, o médico a abraçou. O gesto teve grande repercussão e, nas redes sociais, há uma campanha para que ele seja nomeado ministro da Saúde do governo Bolsonaro – ou, o que faria mais sentido, entre na política. Há quem sugira que concorra à Presidência. Mas Drauzio parece não se empolgar com a ideia: “Nós vivemos procurando por um salvador da pátria. Esse é o drama do país. A gente se decepciona com um e corre atrás de outro que seja o oposto. Vamos ficar assim até quando?”, disse. 

REGULAMENTAÇÃO ESTADUAL

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou ontem a realização de pesquisa e cultivo científico da maconha por associações de pacientes. Segundo o autor do projeto, deputado Carlos Minc (PSB), a proposta quer facilitar o acesso de medicamentos à base de canabidiol, princípio ativo da maconha, para pacientes que sofram de problemas de saúde que podem ser minorados com o uso da substância. “O Rio de Janeiro será o primeiro estado do Brasil que passará a ter, por lei, uma política de incentivo à pesquisa com a cannabis medicinal, que tem benefícios para várias doenças, como o câncer, a epilepsia e o Parkinson. A lei permitirá também fazer convênios com associações de pacientes, que hoje em dia, mesmo quando um juiz autoriza o plantio caseiro, para ter acesso ao óleo de canabidiol, às vezes as pessoas as denunciam, acham que é tráfico. Isso é importante para quebrar uma visão medieval e de estigma”, disse Minc à Agência Brasil. Para sair do papel, o projeto precisa da sanção do governador Wilson Witzel (PSC).

DENTRO DO CORPO

Pela primeira vez a ferramenta de edição genética CRISPR foi usada dentro do corpo de uma pessoa. Foi no Casey Eye Institute, da Oregon Health & Science University, em Portland, e o paciente tem uma forma herdada de cegueira. O procedimento foi feito em em uma cirurgia de uma hora sob anestesia geral. Através de um tubo finíssimo, como um fio de cabelo, os médicos pingaram três gotas de um líquido contendo o mecanismo de edição de genes logo abaixo da retina. Mas ainda não se sabe se funcionou: agora, pode ser preciso esperar até um mês.

ALEATÓRIO

Quem começa a tomar um antibiótico deve fazê-lo até completar o ciclo, que varia: 7, 10 ou 14 dias, em geral. Do contrário, pode-se gerar resistência bacteriana ou fazer com que o tratamento falhe. Certo? Uma reportagem na Scientific American diz que na verdade isso não faz tanto sentido, porque a escolha dessas durações nunca foi baseada em evidências científicas. Além disso, vários estudos recentes mostram que tomar o remédio por períodos mais curtos tem a mesma eficácia, com menos efeitos colaterais. Inclusive em testes com infecções graves. Claro que o texto não recomenda a ninguém que pare com o medicamento antes do tempo prescrito, já que algumas infecções realmente requerem períodos maiores. A principal questão é que os médicos deveriam trabalhar para reduzir o consumo, deixando de fazer prescrições desnecessárias, e acolher as evidências de que durações mais curtas de tratamento geralmente são equivalentes a durações mais longas.

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