Onda de mortes entre bebês indígenas

Com saída de cubanos do Mais Médicos e desmantelamento da pasta de Saúde Indígena, ao menos 530 bebês morreram no ano passado — alta de 12%. Leia também: a importância do Sistema Universal de Saúde no combate ao coronavírus

Roto: Repórter Brasil
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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OS MAIS FRÁGEIS

A BBC Brasil conseguiu dados sobre a mortalidade de bebês indígenas, com a Lei de Acesso à Informação. E a notícia é ao mesmo tempo ruim e esperada: entre janeiro e setembro do ano passado (último mês em que há estatísticas disponíveis), morreram 530 bebês indígenas com até um ano de idade. Uma alta de 12% em relação ao mesmo período de 2018 – e um retorno ao patamar que havia antes do Mais Médicos.

O Mais Médicos não acabou mas, como sabemos, a mudança radical foi a saída dos cubanos, que estavam em 55,4% das unidades responsáveis pela saúde de indígenas. A maioria das vagas foi reposta por médicos brasileiros, “mas muitos líderes comunitários dizem que houve uma piora nos serviços”, diz a matéria. Sérgio Bute, do povo Pataxó hã-hã-hãe e presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) da Bahia, diz que “vários médicos brasileiros evitam visitar as aldeias e não criam laços com as comunidades”. A queixa é recorrente. “Temos médicos brasileiros excelentes, mas também temos aqueles que aparecem no serviço uma vez por semana e vivem apresentando atestado (…) É uma postura completamente diferente da dos cubanos. Com eles não tinha tempo ruim: podia estar chovendo ou fazendo sol, eles tinham essa preocupação de levar o atendimento, de manter o contato com a população”, diz Paulo Tupiniquim, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Indígenas e servidores do Ministério da Saúde ainda citam, como causas para o aumento da mortalidade, as mudanças ocorridas na Sesai (a Secretaria Especial de Saúde Indígena) no governo Bolsonaro. De acordo com servidores, a Pasta afastou técnicos experientes considerados próximos à gestão anterior — uma delas sendo a grande responsável pelas ações contra a mortalidade infantil, a nutricionista Janini Giani. Também foram substituídos os principais gestores dos DSEIs. E há problemas pontuais: no Distrito da Bahia, onde houve o maior aumento no índice de mortes (ele quadruplicou), os motoristas que faziam o transporte de pacientes deixaram de trabalhar há um ano após a Sesai encerrar o contrato do serviço. Até hoje as atividades não foram retomadas.

É HOJE

A disputa pelo Orçamento deve ter um desenlace – ou uma escalada – hoje. Isso porque o Congresso votará os vetos do presidente Jair Bolsonaro aos trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 que ampliavam os poderes do Legislativo sobre os gastos públicos. O tema, como sabemos, é fonte de tensão entre os poderes – e renovou a pauta das manifestações convocadas pela direita (e endossadas por WhatsApp pelo presidente) para o dia 15 de março, principalmente depois da declaração do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que chamou os parlamentares de chantagistas. 

De acordo com a Folha, o governo acredita ter o apoio do Senado, mas não da Câmara. Já segundo o Estadão, isso acontece porque os senadores temem que deputados estaduais e vereadores repliquem o modelo, tirando poder dos governadores e prefeitos. Além disso, o Orçamento deste ano tem como relator o deputado Domingos Neto (PSD-CE) – o que traria a desconfiança de que a Câmara seria privilegiada na distribuição dos recursos. Está em jogo o destino de R$ 30,1 bilhões. 

ALTA NO NÚMERO DE CASOS SUSPEITOS

O Brasil elevou de 252 para 433 os casos suspeitos do novo coronavírus. De acordo com o Ministério da Saúde, o aumento tem relação com a mudança iniciada ontem, já que a Pasta deixou de fazer reanálise dos casos notificados como suspeitos pelas secretarias estaduais de saúde. Na coletiva de ontem, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que o número não surpreendeu sua Pasta e que a confirmação dos dois primeiros casos da doença no Brasil tende a ampliar o número de notificações. “A gente sabe também que quando tem o primeiro as pessoas começam ‘eu vou lá porque eu quero fazer esse teste’. Os hipocondríacos existem, tem as pessoas ansiosas, e aí começa“, afirmou. De domingo para segunda, foram descartadas 162 ocorrências. O estado que concentra mais investigações continua sendo São Paulo, com 163 (no domingo eram 136), seguido por Rio Grande do Sul, com 73, Minas (48) e Rio (42).

O Ministério anunciou que vai elaborar uma portaria para delimitar protocolos específicos para quarentena e isolamento. Os dois casos estão previstos na lei aprovada pelo Congresso em fevereiro, mas segundo Mandetta falta clareza nos procedimentos. Com isso, haverá critérios sobre o que fazer em situações como a do casal de turistas franceses que procurou uma unidade de saúde em Paraty (RJ) e teve a internação compulsória determinada pela Justiça. O protocolo do Ministério determina que pessoas com sintomas leves, sem necessidade de hospitalização, sejam enviadas para casa, para isolamento domiciliar. No caso dos turistas, voltar para o hotel pode significar espalhar o vírus para outras pessoas. “Para nós, isolamento é uma situação domiciliar e quarentena é uma situação institucional. Quarentena pode ser de um espaço, de um navio, de um hospital, de uma escola, de uma sala. Para cada condição, sempre tem que estar pautada a proporcionalidade da medida em relação ao risco”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira.

A regulamentação também pode colocar um freio em iniciativas como a de colégios particulares de São Paulo, que estão determinando que estudantes que tenham viajado ao exterior fiquem em quarentena por 14 dias – ainda que não apresentem sintomas. Na coletiva de ontem, o governo pediu “bom senso”.
A Pasta vai ter uma reunião com especialistas na quinta (5) para discutir o tema. Estarão presentes, por exemplo, representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

SÓ O SUS SALVA

A revista Radis deste mês recupera a história da epidemia desde o seu início e trata da capacidade brasileira de resposta ao coronavírus. “O SUS sempre esteve à frente em todas as emergências de saúde pública que o Brasil enfrentou, tendo assim sido chamadas formalmente ou não, e agora não está sendo diferente”, destaca Rivaldo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz. E completa: “Quando falamos em SUS, é importante que o cidadão entenda: o laboratório de referência nacional para o diagnóstico do coronavírus é o da Fiocruz, que é parte do SUS; quem está coordenando as atividades de vigilância é o Ministério da Saúde, que é SUS; quem investiga os casos suspeitos são os laboratórios centrais de saúde pública, pertencentes ao SUS; o atendimento, se necessário, será na rede do SUS”.

Mas este mesmo SUS perdeu R$ 20 bilhões em 2019, segundo cálculos do Conselho Nacional de Saúde, comparando com o percentual da receita corrente líquida aplicada em 2017. Contas mais “otimistas” feitas a partir de outra metodologia pela Secretaria do Tesouro Nacional ainda apontam a gigante perda de R$ 9 bilhões no ano passado devido ao arrocho fiscal. Na Folha, a jornalista Claudia Collucci lembra o quanto faz falta ter um sistema universal de saúde no enfrentamento a epidemias como a do coronavírus: conforme exemplo de uma reportagem do The New York Times, uma família com suspeita de infecção pelo CoV-2 nos EUA recebeu uma conta de quase US$ 4 mil após procurar um serviço de saúde.

Na mesma linha, uma matéria do Stat aborda a crise nos EUA: “Para conter o vírus, as pessoas precisarão procurar serviços de saúde assim que desenvolverem sintomas semelhantes aos da gripe. Mas eles o farão, se isso significar perder dinheiro? Não apenas 26 milhões de americanos não têm seguro de saúde, mas quase metade dos que possuem seguro privado – outros 60 milhões de pessoas – têm planos dedutíveis que podem gerar dívidas de milhares de dólares”.

NO MUNDO

Ontem, a Organização Mundial da Saúde informou que o vírus já infectou 88.913 pessoas – sendo 8.739 casos fora da China. O número de mortes chegou a 3.046 em todo o mundo. Destas, 127 ocorreram fora da China. A essa altura, a doença foi confirmada em 61 países – com Portugal se unindo à lista. As maiores preocupações da OMS são as epidemias na Coreia do Sul, na Itália, no Irã e no Japão. A situação da China ainda é grave, mas o organismo pontuou que nas últimas 24 horas, houve nove vezes mais notificações em outros lugares

E segundo a coluna Painel, da Folha, o governo brasileiro tem criticado a atuação da OMS. Em áudio enviado a autoridades, o secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, diz que o organismo internacional “peca em não dizer de forma franca que o vírus se espalhou e que não é possível contê-lo”. Ele continua: “Na nossa avaliação, esta já é uma pandemia, ou seja, já temos caso e transmissão local em todos os continentes”. 

DÚVIDA

O Comitê Olímpico Internacional (COI) se reúne hoje e amanhã para debater se os Jogos de Tóquio 2020 estão ameaçados pelo coronavírus. Até agora, a entidade negou qualquer possibilidade de suspensão do evento, mas com o problema se espalhando pelo mundo, já não há tanta certeza. O evento está agendado para o período que vai de 24 de julho a 9 de agosto.

RAPIDINHO

A publicação de trabalhos científicos sobre o coronavírus tem sido rápida – extremamente rápida. As autoridades chinesas anunciaram a descoberta no dia 9 de janeiro; no fim do mês havia 36 artigos científicos e, em 28 de fevereiro, já eram 216. É uma velocidade muitíssimo maior do que a de anos atrás, na epidemia de SARS de 2002. Na época, o primeiro caso aconteceu na china em novembro, a OMS emitiu alerta sobre o surto em março do ano seguinte e só em maio o New England Journal of Medicine publicou a primeira descrição daquele coronavírus. A mudança tem uma explicação: segundo a reportagem do site da Agência Fapesp, as revistas científicas encurtaram o prazo de análise de artigos sobre o CoV-2, publicando-os em alguns dias (em vez de levar meses). Além disso, pesquisadores podem usar repositórios de artigos ainda não aceitos para publicação, que são os chamados preprints. E os dois maiores repositórios de preprints recebem em média dez novos artigos por semana sobre o coronavírus.

E o Stat fez um guia com os principais tratamentos e vacinas que estão sendo desenvolvidos agora. Tem as empresas responsáveis, os compostos pesquisados e o estágio atual de cada trabalho.

CINCO ANOS DEPOIS

Quando tivemos a epidemia de zika o desenvolvimento da pesquisa foi intenso, mas, cinco anos depois da alta incidência de microcefalia em recém-nascidos, o interesse internacional diminuiu muito. “O zika não chegou ao mundo rico, não chegou à Europa e aos Estados Unidos. Perdeu-se totalmente o interesse pelo assunto”, diz à Deutsche Welle a médica Adriana Melo, pioneira na identificação da relação entre o vírus e a microcefalia.

ONDE DÓI

Essa talvez não seja novidade para quem se interessa por matérias que envolvem gravidez e/ou parto e/ou racismo, mas, no trabalho de parto, mulheres negras têm menos chances de conseguir receber analgesia. Quando se faz episiotomia (um dolorido corte entre a vagina e o ânus), a probabilidade de elas não receberem anestesia é nada menos que 50% maior.  A Agência Pública traz uma boa reportagem sobre o injustificável problema. Na boca de profissionais de saúde em maternidades, o estereótipo de que negras são mais “fortes” e “resistentes.

DEU PARA TRÁS

Comentamos aqui que o Tribunal Constitucional da Colômbia iria se manifestar sobre uma proposta de despenalização do aborto até a 16a semana de gestação. Mas ontem a Corte anunciou que desistiu, por ora, de examinar a questão. Em comunicado, alegou impedimento devido à “falta de clareza, certeza, especificidade, relevância e suficiência” no pedido. Do lado de fora do Palácio da Justiça de Bogotá, a exemplo do que acontece há tempos na Argentina, houve uma batalha visual entre manifestantes pró-despenalização (com lencinhos verdes) e os contrários (com panos azuis).

RESPIREM FUNDO

Amanhã vai ser instalada a Comissão Mista da Reforma Tributária. Serão 25 senadores e 25 deputados que vão elaborar uma proposta com base nas PECs que tramitam nas duas casas (PEC45/19 e PEC 110/19); o governo também deve enviar seu próprio texto. O grupo vai ser presidido pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), tendo o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como relator.

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