“Livres” e mortos

Lema do nazismo não é único problema da nova campanha do governo: vídeo induz ao erro

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Depois da famigerada campanha “O Brasil não pode parar”, o governo federal lançou outro lema escolhido a dedo. A Secretaria de Comunicação publicou no Twitter um vídeo, repostado por Jair Bolsonaro, que consegue juntar um erro gramatical horroroso e uma nada singela referência ao nazismo: “O trabalho, a união e a verdade nos libertará (sic)”, diz um trecho. Impossível não lembrar a inscrição na entrada de Auschwitz (“O trabalho liberta”). O secretário Fabio Wajngarten, que é judeu, se defendeu, dizendo que a peça foi “deformada para se encaixar em narrativas”.

Mas a referência está longe de ser o único problema do vídeo, cujo objetivo é enaltecer a resposta do governo federal na pandemia, ao mesmo tempo em que se critica a cobertura da imprensa. Há informações descontextualizadas que induzem ao engano e que podem levar as pessoas a se preocuparem menos com a covid-19 bem no momento em que essa preocupação deveria estar crescendo. A peça diz por exemplo que o Brasil tem uma das menores taxas de mortos por milhão de habitantes (os dados são do dia 23 de abril). É verdade; acontece que o surto chegou aqui quase dois meses depois de atingir a China, e um mês depois de ser registrado em países como França e Itália.

Acontece também que vários estados brasileiros começaram a decretar medidas de isolamento social mais cedo, comparando com países europeus. E, ao contrário do que pretende fazer crer o presidente Bolsonaro, isso parece ter tido resultados no achatamento da curva, ainda que por um breve período. A reportagem da Folha conta que até cerca de 15 dias atrás, apesar do aumento do número de casos, esse crescimento estava desacelerando, em um padrão parecido ao de países europeus. Se tivesse continuado na mesma tendência, a situação geral ainda seria ruim, mas menos pior: haveria 2,5 mil mortes a menos nesse momento.

Não dá para afirmar com 100% de certeza que o afrouxamento do isolamento social seja responsável sozinho pelo fracasso, porque as estatísticas são muito ruins. Pode ter havido tanto um aumento real das mortes como apenas um aumento no registro dos óbitos. Como a fila de mortos sem diagnóstico ainda é imensa e como as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave continuam explodindo, é razoável apostar no primeiro fator, ou ao menos numa combinação de ambos. “Todo o avanço obtido com a rápida adoção das políticas de distanciamento pode ser perdido caso o relaxamento das medidas se dê de forma descontrolada. Se isso acontecer, a esperada redução no número de óbitos, observada em muitos países até agora, pode acontecer mais tardiamente ou com menor intensidade no Brasil”, diz Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas.

Fato é que, segundo o próprio Ministério da Saúde, o Brasil ainda não chegou no pico da curva. No geral os outros países estão esperando seus casos entrarem em declínio para pensar em reabrir suas economias, enquanto por aqui se cogita fazer isso quando eles estão em inequívoca ascensão.

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