O Brasil está preparado para uma pandemia?
Bolsonaro volta atrás: resgatará brasileiros em quarentena na China. Porém, aponta especialista, segurança sanitária à população dependerá do fortalecimento do SUS e da ciência — as áreas atacadas com quedas dos gastos discricionários
Publicado 03/02/2020 às 09:45 - Atualizado 05/05/2020 às 12:32
Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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Esta é a edição do dia 03 de fevereiro da nossa newsletter diária: um resumo interpretado das principais notícias sobre saúde do dia. Para recebê-la toda manhã em seu e-mail, é só clicar aqui. Não custa nada.
O RESGATE
O presidente Jair Bolsonaro voltou atrás
e anunciou ontem que vai resgatar os brasileiros que estão na região de
Wuhan, epicentro da crise do coronavírus. A decisão acontece depois que
15 pessoas gravaram um vídeo
com a hashtag ‘Brasil casa de todos nós’. Na gravação, eles citaram as
operações de evacuação já feitas por outros países, como Alemanha e
Estados Unidos, e disseram estar dispostos a passar pelo período de
quarentena fora do território chinês.
Bolsonaro se reuniu com o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, ontem no Alvorada, e definiu que enviará uma medida provisória ao
Congresso para disciplinar a quarentena, já que o país não tem uma lei
que trate de isolamento e medidas a serem adotadas em caso de epidemias.
Os brasileiros que forem repatriados serão obrigados a cumprir uma
quarentena de 21 dias, possivelmente em unidades militares ainda a serem
definidas, antes de serem liberados. Ainda não há caso confirmado no
país. Até sábado (1º), eram 16 suspeitos.
Já são 361 mortes na China, que contabiliza 17.205
infecções pelo novo coronavírus. Os números divulgados pela Comissão
Nacional de Saúde na noite de domingo foram os maiores já registrados em 24 horas
desde o início do surto, em dezembro, com aumento de 2.829 casos e 57
mortes. E o governo chinês decidiu que os mortos terão de ser cremados
em uma funerária designada e perto do local onde se encontram – não
serão transportados entre diferentes regiões e não serão preservados por sepultamento ou outros meios.
A primeira morte fora do território chinês foi confirmada ontem. Aconteceu nas Filipinas.
Segundo a OMS, a vítima é um homem chinês de 44 anos, nativo da cidade
de Wuhan. No mundo, são 146 infecções distribuídas em 23 países.
“Todas as manchetes sobre o
coronavírus que estão alarmando as populações mundo afora fariam melhor
serviço se semeassem o pânico quanto ao desmonte dos sistemas públicos
de saúde e à desvalorização da ciência. Estes sim são as grandes ameaças
à segurança da saúde global”. A reflexão é da professora da USP Deisy
Ventura, que coordena o doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade da
Faculdade de Saúde Pública. Ela lembra que “só existe segurança sanitária verdadeira
em sistemas capazes de cobrir a totalidade do território com acesso
universal à saúde”,e que a”detecção de uma doença não pode depender de
recursos financeiros para pagar um atendimento, e ainda menos a sua
prevenção e o seu tratamento”.
Mundo estranho: depois do coronavírus, o jogo Plague Inc passou a dominar o ranking dos mais baixados no mundo. O objetivo do jogador é espalhar uma doença infecciosa e mortal,
desviando de ações do governo e da comunidade internacional que tentam
frear o contágio. “Toda vez que há um surto de alguma doença, vemos um
aumento de jogadores”, declarou a empresa que o criou, a Ndemic
Creations. Enquanto isso, máscaras de proteção contra doenças (e também
contra poluição do ar) se tornam… acessórios no mundo da moda.
MENOS DINHEIRO
Os gastos discricionários em Saúde e Educação caíram no primeiro ano do
governo Bolsonaro. A queda nesses investimentos e despesas que o governo
tem o poder de cortar foi de 4,3% e 16%, respectivamente,
de acordo com o resultado das contas federais divulgado pelo Tesouro.
Houve aumento real (acima da inflação) de 22,1% das despesas da Defesa
em relação a 2018. Lígia Bahia, da UFRJ, comentou para o Estadão
que a emenda do teto de gastos foi vendida pela área econômica com a
argumentação de que haveria mais recursos para áreas prioritárias como
Saúde e Educação – o que não ocorreu. Procurado pelo jornal, o
Ministério da Saúde apresentou números que não são compatíveis com os do
Tesouro para afirmar que executou um volume maior de despesas em 2019
do que no ano anterior. O Ministério da Educação não se manifestou.
CORTE DE COMIDA
Há pouco mais de duas semanas, o procurador-chefe da Funai Álvaro Simeão
emitiu um despacho recomendando que a entrega de cestas básicas a
indígenas ficasse restrita apenas a terras identificadas e demarcadas, e
dizendo que “tribos” invasoras de “propriedades privadas” não deveriam
recebê-las. O Ministério Público Federal está agindo contra isso: por
meio da Procuradoria da República de Dourados (MS), recomendou à Funai o
“retorno imediato” da entrega de alimentos
às famílias dos povos Kaiowá e Guarani, com um prazo de 48 horas. No
documento, afirma que a Funai está “se beneficiando da própria torpeza”,
já que a não identificação e delimitação de terras indígenas é
resultado do atraso da própria autarquia. Com base em documentos
internacionais, os procuradores avaliam a decisão da Funai como um crime
contra a humanidade, porque acarreta a “remoção forçada” de populações.
CIRCULAÇÃO LIMITADA
Desde que o Ministério da Educação publicou uma portaria limitando o
número de pesquisadores que podem viajar para eventos, no dia 31 de
dezembro, associações científicas vêm se mobilizando para revogar a
medida. O principal ponto criticado é o que diz: “A participação de
servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos, simpósios, grupos
de trabalho e outros eventos será de, no máximo, dois representantes
para eventos no país e um representante para eventos no exterior, por
unidade, órgão singular ou entidade vinculada”. A limitação se aplica
inclusive aos pesquisadores que viajam sem custos para o MEC, bancados
pelas organizações dos eventos, instituições estrangeiras ou por
recursos próprios. No último dia 23, mais de 60 associações enviaram uma
carta ao ministro Abraham Weintraub pedindo uma revisão. A BBC procurou o Ministério, que respondeu, em nota, que “a portaria está sendo revisada e analisada para possíveis modificações“.
NO MEIO DO FURACÃO
Todos acompanhamos as manifestações no Chile a partir de outubro do ano
passado, e, como já tratamos aqui, a saúde está entre as pautas
prioritárias. O governo de Sebastián Piñera apresentou um projeto para
‘reformar’ o Fundo Nacional de Saúde do país e criar um Plano de Saúde
Universal. Mas já levanta muitas críticas. O grupo de Valparaíso da
Associação Latino-americana de Medicina Social publicou uma declaração
afirmando que o projeto “nem melhora nem piora” a situação. A primeira
crítica é no sentido de que o plano universal consolida um
“empacotamento” dos serviços de saúde, em vez de promover a coordenação e
integração entre eles. Além disso, “aprofunda a privatização da saúde,
permitindo que os provedores com fins lucrativos tenham o mesmo status
que a rede pública (…) e exige a compra de serviços quando os termos
da atenção seja excedida”. O texto foi reproduzido pela Abrasco, aqui.
PERDEU A AÇÃO
Depois de um longo processo, a Johnson & Johnson perdeu mais uma vez uma ação judicial pela venda de implantes de malha vaginal.
Os produtos são usados contra incontinência urinária e prolapso, mas
200 mil mulheres sofreram complicações como infecções, dor crônica e
necessidade de cirurgia de remoção. No ano passado, a empresa fez um
acordo para pagar US& 117 milhões em multas em uma ação envolvendo
41 estados dos EUA, com alegações semelhantes. Agora, um juri em San
Diego a condenou a pagar outros US$ 344 milhões.
LONGO PRAZO
Cientistas da USP lançaram o Estudo NutriNet Brasil, que vai acompanhar,
via internet, 200 mil pessoas durante dez anos para ver a relação entre o que elas comem e o seu estado de saúde.
A pesquisa tem a participação de pesquisadores de outras universidades,
além da Fiocruz e do Inca. Para contribuir com ela, é preciso se
cadastrar nesta plataforma,
responder a algumas perguntas sobre o sua saúde atual e o que comeu no
dia anterior; e depois responder a outros questionários de tempos em
tempos.
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