O verão brasileiro evitará o coronavírus?

OMS decreta emergência global. Casos espalham-se por 19 países — Brasil tem nove suspeitas. Especialista aponta: propagação do vírus é limitada em climas quentes, o que reduz risco de epidemias. Leia também: na China, 60 milhões em quarentena

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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EMERGÊNCIA GLOBAL

Desde ontem, o novo coronavírus é uma emergência global. A decisão tomada pela Organização Mundial da Saúde se deve ao risco do que pode ocorrer no mundo em termos de contaminação. Já foram registrados 98 casos da doença fora da China em 19 países diferentes.

A emergência global é um sistema de resposta a epidemias endossado pelos 196 países que compõem a OMS e está previsto no Regulamento Sanitário Internacional (RSI), aprovado em 2009 depois de discussões que começaram seis anos antes, justamente por conta de uma pandemia causada por outro coronavírus, a SARS. Na época, a avaliação foi de que a China demorou para comunicar o problema e isso piorou muito a resposta à pandemia. Desde que o RSI foi aprovado, a OMS já decretou emergência global seis vezes: em 2009 com a gripe suína (H1N1); em 2014, com a epidemia de ebola em Serra Leoa, Guiné e Libéria; com o ressurgimento da poliomielite no Paquistão, também em 2014; com o zika vírus no Brasil, em 2016; e, finalmente, agora com o coronavírus. 

O número de mortos já chega a 213 na China, que a essa altura contabiliza 9.692 casos da infecção. Quase dois mil novos casos foram confirmados hoje (noite de quinta, 30, no Brasil) pela Comissão Nacional de Saúde de lá. E o vírus já está em todas as províncias chinesas: ontem, foi confirmado um caso no Tibete. 

Os médicos que estão tratando os pacientes em Wuhan publicaram no Lancet um relato sobre os 99 primeiros pacientes atendidos com o vírus. Todos tiveram pneumonia. Os outros sintomas detectados foram: febre (em 82 deles), tosse (81), falta de ar (31), dores musculares (11), confusão mental (nove), dor de cabeça (oito) e dor de garganta (cinco). A taxa de mortalidade desse grupo foi de 11%. 

Itália, Índia e Filipinas confirmaram ontem seus primeiros casos. E os Estados Unidos se tornaram o quarto país a confirmar transmissão de pessoa para pessoa do novo vírus fora do território chinês. Aconteceu em Chicago, entre uma mulher de 60 anos que foi a Wuhan e sua companheira de apartamento.

O Brasil segue com nove casos suspeitos de coronavírus. Até agora não há nenhum confirmado. O virologista e professor da USP Edison Durigon conversou com o Nexo sobre a possibilidade de a doença se propagar aqui, de pessoa a pessoa. De acordo com ele, as chances não são altas porque se trata de um vírus tipicamente de clima frio, como o da SARS. “Isso [a SARS] se espalhou por países frios, para quem estava no inverno, nos Estados Unidos e na Europa. Chegou à Austrália porque eles têm um contato muito próximo com a China. Mas nunca chegou ao Brasil, à América do Sul ou à África, por exemplo. Por quê? Nós estamos no verão nessa época. Esse vírus não se propaga bem em clima quente. Agora, aconteceu a mesma coisa. Começou na China, no inverno, está se espalhando em países que estão no inverno. Talvez a gente tenha um caso ou outro aqui, importado. O indivíduo que veio da China ou de algum país em que se infectou, vai ser tratado aqui, internado aqui. Mas acho que o risco de uma epidemia acontecer aqui, agora, ainda é baixa, por conta do clima. A transmissão desse vírus em clima quente não é boa, e também há a radiação do sol. Ele é muito sensível à luz ultravioleta”.

O Ministério da Saúde anunciou ontem uma licitação para alugar mil leitos de UTI em hospitais de referência para prevenir o coronavírus. Hoje, a lista inclui 35 hospitais no país todo – a maioria públicos –, mas deve ser atualizada depois de consulta aos secretários estaduais de saúde. 

A OMS não recomendou a suspensão do trânsito de pessoas e mercadorias com a China. Mas, ontem, a Rússia anunciou o fechamento de 4,2 mil quilômetros de fronteira com aquele país. E os EUA recomendaram que cidadãos americanos não viajem à China. O Japão recomenda o mesmo em caso de viagens não urgentes. A pequena Trinidad e Tobago proibiu que pessoas que viajaram à China ou chineses entrem em seu território antes de um intervalo de 14 dias entre as viagens. Mais companhias aéreas paralisaram operações na China: Air France, British Airways, Lufthansa e Virgin. 

ISOLAMENTO

A quarentena imposta pelo governo chinês a várias cidades do país já atinge a inaudita marca de 60 milhões de pessoas. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o isolamento de tantas pessoas pode impactar o abastecimento de medicamentos, alimentos e combustível – e não é improvável que acabe em um levante popular. Além disso, a medida pode ter vindo tarde demais, já que milhões de pessoas já haviam deixado a província de Hubei antes da quarentena. 

A BBC Brasil publicou o diário de uma moradora de Wuhan. A assistente social Guo Jing, de 29 anos, mora sozinha e está isolada desde 23 de janeiro. Um trechinho: “Tenho muito tempo para pensar em como sobreviver. Não tenho recursos, nem muitos contatos. Um dos meus objetivos é não ficar doente, por isso tenho que me exercitar. A comida também é crucial para a sobrevivência, então preciso armazenar suprimento suficiente. O governo não informou quanto tempo vai durar o confinamento. As pessoas estão dizendo que pode durar até maio. A farmácia e a loja de conveniências aqui embaixo estavam fechadas hoje, mas foi reconfortante ver que os serviços de entrega de comida ainda estão funcionando. Os noodles estão em falta nos supermercados, mas ainda é possível encontrar um pouco de arroz. Também fui ao mercado hoje. Comprei aipo, brotos de alho e ovos. Ao voltar para casa, lavei todas as minhas roupas e tomei um banho. A higiene pessoal é importante — acho que estou lavando as mãos de 20 a 30 vezes por dia. Sair de casa me faz sentir que ainda estou conectada ao mundo. É muito difícil imaginar como os idosos que vivem sozinhos e as pessoas com deficiência vão passar por isso.”

OS MAIORES MULTADOS

O De Olho nos Ruralistas identificou, a partir de dados do Ibama, os proprietários rurais que mais receberam multas por desmatamento nos últimos 25 anos. A equipe lançou um mapa que mostra os resultados em cada município, e escreveu no Intercept sobre os achados. Foram ao todo R$ 34,8 bilhões em multas, e só 25 pessoas físicas ou jurídicas são responsáveis por cerca de 10% do valor: R$ 3,58 bilhões, ou quase o orçamento do Meio Ambiente inteiro para este ano. Se corrigido, o montante ultrapassa os R$ 6 bi. E mais: entre esses 25, nada menos do que 24 foram multados mais de uma vez.

No geral, apenas 487 pessoas físicas e jurídicas levaram um conjunto de multas totalizando mais de R$ 10 milhões. Outras 466 receberam autuações que somam mais de R% 5 milhões. Só uma pequena fatia das multas, de 1,42%, foi quitada. Muitas prescreveram e outras ainda estão em fase de recursos, mesmo décadas depois.

O campeão das multas é o Incra, mas não por culpa dos assentados e sim de grileiros. Muitos locais onde as autuações foram aplicadas já não são mais assentamentos. são focos de grilagem, como São Félix do Xingu, “capital da pecuária em terras do governo federal”. Para espanto do Paulo Guedes e de mais ninguém, os maiores desmatadores são “algumas das pessoas mais ricas e poderosas do Brasil” – há desde políticos e empresários do agronegócio até um organizadores do carnaval baiano.

MUITO LENTAMENTE

Por falar em desmatamento, uma matéria da BBC conta que a regeneração de áreas devastadas na Amazônia é mais lenta do que se imaginava. Há 18 anos, foram medidos o diâmetro e a altura de árvores que cresciam em áreas desmatadas perto de Bragança, no Pará. Agora, as mesmas árvores foram revisitadas por pesquisadores do Brasil e do Reino Unido e eles viram que o crescimento foi inferior ao que pesquisas anteriores haviam previsto. Uma razão provável é o fato de que se trata da primeira região de colonização da Amazônia, desmatada há muito tempo. O solo já está, portanto, muito pobre. “Considerado o cenário atual da Amazônia, com desmatamento aumentando, e considerando que os eventos de seca severa estão cada vez mais frequentes, nós podemos inferir que as florestas da Amazônia inteira poderão ter esse tipo de comportamento a médio ou longo prazo”, alerta o biólogo Fernando Elias, um dos pesquisadores envolvidos.

AÍ FICA DIFÍCIL

A partir de 2026, carnes, frutas e verduras vão se tornar mais caras do que doces, salsichas e outras comidas nada saudáveis. A previsão é de cientistas que mediram e compararam a variação no preço dos 102 tipos de alimentos mais consumidos no Brasil entre 1995 e 2017, e uma reportagem n’O Joio e o Trigo explica os resultados: “Em 2017, os alimentos saudáveis tinham preço médio de R$ 4,69 por quilograma e os não saudáveis, de R$ 6,62 por quilo. Em 2026, o custo de ambos se tornaria igual, prevê a pesquisa. Em 2030, os cientistas calculam que a comida saudável teria valor de R$ 5,24 por quilo, enquanto a comida ‘porcaria’ teria custo de R$ 4,34 por quilo”. Pra evitar isso, só com políticas públicas.

NOVO, DE NOVO

Substâncias dos cigarros provocam mutações no DNA de células pulmonares, transformando-as em cancerígenas. Até agora, acreditava-se que os danos eram permanentes, mas um novo estudo publicado na Nature indica que pode não ser assim: as células pulmonares saudáveis teriam capacidade de se multiplicar e substituir as danificadas, depois que a pessoa deixa de fumar. O efeito foi observado mesmo em pacientes de longa data, que haviam consumido um maço por dia durante 40 anos.

O número de pacientes avaliados na pesquisa, porém, é pequeno. Foram analisadas amostras dos pulmões de 16 pacientes, incluindo fumantes, ex-fumantes, pessoas que nunca fumaram e crianças. A maior parte das células recolhidas de fumantes havia sofrido mutações, mas uma pequena porção de células estava intacta. Quando a pessoa para de fumar, são estas, as ‘normais’, que crescem nos pulmões, substituindo as que foram danificadas. Assim, até 40% das células dos ex-fumantes se assemelhavam às de quem nunca havia fumado.

INÉDITO

Pela primeira vez, um medicamento projetado por inteligência artificial vai ser usado em testes clínicos em humanos. A nova molécula foi desenvolvida pela start-up britânica Exscientia e pela empresa farmacêutica japonesa Sumitomo Dainippon Pharma e se destina a pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC.

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