Como o governo sufoca a Reforma Agrária

Suspensa, de novo, vistoria de imóveis para desapropriação. Pivô: o homem que articulou Bolsonaro com os ruralistas… Leia também: depois dos protestos, Saúde Indígena será mantida; risco-glifosato faz ações da Bayer despencar; e muito mais

Foto: Fabiana Ribeiro
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GOVERNO SUSPENDE REFORMA AGRÁRIA (DE NOVO)

É a segunda vez neste ano: o Incra suspendeu a reforma agrária por tempo indeterminado. Foi o general João Carlos de Jesus Corrêa, indicado por Bolsonaro para presidir órgão, quem assinou o memorando ordenando que se interrompam as vistorias nos imóveis rurais. No Repórter Brasil, a matéria de Camilla Freitas explica que, sem vistorias, não se faz desapropriação de imóveis e, consequentemente, não se criam novos assentamentos. A justificativa para a suspensão é a redução orçamentária. Em 2015, havia R$ 800 milhões para essa aquisição de imóveis; agora, são R$ 42 milhões. 

De imediato, pelo menos 250 processos de aquisição de terras para assentamentos serão afetados. Em 2019, nenhum foi criado e nenhuma terra foi desapropriada. O Incra até está atuando, mas só na legalização das terras que já foram expropriadas. Funcionários do Instituto ouvidos pela reportagem afirmam que, se as coisas continuarem assim, vai ser o fim da reforma agrária. Eles atribuem a suspensão ao secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, que articulou contatos entre Bolsonaro e produtores rurais durante a campanha eleitoral. 

Este figura já apareceu aqui na news algumas vezes, como quando indicamos um perfil seu que saiu no Intercept. É um inimigo histórico do MST e acusado de envolvimento com milícias armadas no interior paulista; defende a revisão dos assentamentos de 350 mil famílias e o fim das escolas rurais do movimento. 

Sob sua gestão, informa Camilla, o Incra criou um GT para reformular sua estrutura, cortar 30% dos cargos e limitar as superintendências a uma por estado. Com isso, somem duas no Pará. A de Santarém (criada após o assassinato de Dorothy Stang) e a de Marabá (que surgiu após o massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 trabalhadores ligados ao MST foram mortos por PMs).  

MANDETTA VOLTOU ATRÁS

Depois que protestos de indígenas se espalharam, Mandetta anunciou ontem, em reunião com lideranças, que vai manter a Secretaria de Saúde Indígena(Sesai) na nova estrutura do ministério. No Globo, o repórter Rafael Ciscati lembra que a Sesai surgiu em 2010 como uma demanda do próprio movimento indígena de que sua saúde ficasse no âmbito federal. Com a criação da Secretaria, o volume de recursos para a área aumentou e os serviços se expandiram, mas o ministro da Saúde não a via com bons olhos, e deixou isso claro desde o primeiro minuto. 

ALGUMAS VISÕES

Esta curta entrevista na Folha com Antonio Carlos Pipponzi, presidente do conselho da Raia Drogasil, é no mínimo bem interessante. “Agora é expectativa, expectativa, expectativa. Estamos vivendo esse período, esperando a reforma [da Previdência], tentando entender o comportamento do Congresso. É uma interrogação. Até que ponto os partidos estão estruturados e fortalecidos? O que é negociar com bancada? O que é essa coisa de bancadas da bala, da bola, da Bíblia? Qual é a visão de uma bancada sobre a Previdência? Tem quem goste de boi, de Bíblia, mas o que pensam sobre Previdência?”. Pipponzi dá um desconto a Bolsonaro ao avaliar sua atuação, pesando nas críticas ao Congresso. Mas, discorrendo ainda sobre a demora na aprovação da Reforma, fala de um grande receio de que haja uma paralisia no país, e ainda relaciona isso à queda da popularidade do presidente. “Temos que entender que todo mundo vai perder porque o país não tem condições de pagar” (todo mundo?). Apesar do foco na Previdência, ele discorre sobre outras coisas, como a concentração das redes de farmácias como negócios familiares. “As famílias entendem o consumidor, se relacionam com ele, entendem a cultura daqui. (…) O varejo farmacêutico é muito competitivo. Se você olhar a relação das dez maiores, umas 70% são familiares. É uma característica do negócio”. 

E um artigo da Economist critica novamente Bolsonaro, mas, embora cite confusões diversas, a preocupação principal também é a inabilidade do governo em aprovar a reforma da Previdência. Bolsonaro seria um “aprendiz”: “O grande problema é que Bolsonaro ainda tem de mostrar que entende a sua nova função”, diz o texto.

Enquanto isso, Sonia Fleury está à frente de um grupo sobre o futuro da proteção social no Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. Um dado importante é que há 30 milhões de pessoas vivendo em famílias em que pelo menos metade da renda vem de aposentadorias ou pensões. Ou seja, limitar isso vai gerar pobreza na certa. Ela comenta as reformas já feitas nos governos FHC e Lula, que já tinham essa preocupação com a estabilidade financeira, mas não romperam com a ideia do sistema solidário como a capitalização proposta agora. 

MESMA TECLA

Está quase todo mundo dando o contra, mas a proposta de desvinculação do orçamento não morreu. Segundo o Estadão, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse que o contingenciamento de R$ 30 bilhões anunciado semana passada poderia ser um terço menor se houvesse “flexibilidade” para o governo gastar (mas, como comentamos ontem, saúde e educação não estariam mais a salvo dos cortes). Segundo ele, quase 10 bi ficaram “empoçados” nos ministérios nos últimos dois meses, porque poderia ter sido gasto e não foi. Só com emendas parlamentares, há R$ 2,1 bilhões parados por algum impedimento, como problemas nos projetos.  Mas o “campeão de empoçamento” é o Ministério da Saúde, que está com R$ 3,4 bilhões sobrando. O que é uma frase bem estranha. Os porquês desse empoçamento geral mereciam ser analisados na matéria. 

PREVENÇÃO AO SUICÍDIO

A Câmara aprovou ontem um projeto de lei obrigando que  estabelecimentos de saúde e instituições de ensino a notifiquem as autoridades sanitáriasquando houver episódios de automutilação ou tentativa de suicídio. Segundo a matéria do Globo, a notificação já é compulsória (no caso das unidades de saúde) desde a publicação de uma portaria de 2014, mas uma lei é mais forte para fazer cumprir a medida. O projeto é de Osmar Terra e institui uma Política Nacional de Prevenção a Automutilação e Suicídio a ser implementada pela União em parceria com estados e municípios.

CULTURA DAS DROGAS

A ideia de que universidades públicas são locais de sexo & drogas tem se alastrado em certas bolhas.  Para acabar com a parte das drogas, o deputado estadual de SP Gil Diniz (do PSL) apresentou um projeto de lei que exige exames toxicológicos dos estudantes para matrícula e manutenção nos cursos, segundo o Estadão. Ah, quem deve arcar com os custos são as próprias universidades. Nas redes sociais, Diniz se autointitula Carteiro Reaça. Foi o quinto mais votado em SP.

CARTA ABERTA

Um grupo enorme de organizações e sociedades médicas, inclusive estrangeiras, assinaram uma carta aberta posicionando-se contra a criação doGT de Moro para estudar a redução dos impostos dos cigarros. O texto destaca que não faz sentido falar em melhor ou pior qualidade de cigarro nenhum, pois “é incontroverso que todos os produtos de tabaco, legalizados ou não, causam forte dependência e mais de 50 doenças e risco de morte”; que “a fórmula é simples: quanto mais caro o produto, mais difícil o acesso”; e que, finalmente, há estrategias já em curso para o combate ao contrabando, inclusive com a recente sinalização do Paraguai em atuar mais ativamente nesse controle. 

PARA BAIXO

As ações da Bayer caíram ao menor patamar em sete anos ontem, depois de o juri americano estipular aquela multa de US$ 80 milhões por um caso  linfoma não-Hodgkin. 

QUEM DECIDE?

Um contraceptivo da mesma Bayer, o DIU hormonal Mirena, está desde o ano passado no meio de uma disputa jurídica em Porto Alegre. É que a empresa e o MP do Rio Grande do Sul firmaram um acordo para distribuir 100 kits de Mirena para adolescentes acolhidas em abrigos da cidade. Só que o Conselho Municipal de Saúde, que deveria ter apreciado o convênio, não foi consultado. E, ainda por cima, esse dispositivo nem está incorporado no SUS, porque nos estudos clínicos ele não se mostra melhor do que o DIU de cobre (este sim, oferecido no Sistema). A Agência Pública atualiza a discussão. Tem entrevista com a promotora que procurou a Bayer propondo a parceria, com profissionais de saúde e com pesquisadoras da área.

SEM DOR

Alguém que não sente dor parece coisa de outro mundo, mas existe uma senhora de 71 anos que é assim: já sofreu fraturas, cortes, queimaduras e até cirurgias com pouca ou nenhuma necessidade de tomar remédio. Além disso, ela nunca entre em pânico e ainda se recupera muito rápido quando fica doente. Só descobriu que era diferente aos 65, quando precisou passar por duas operações bem sérias e normalmente muitíssimo doloridas, mas ela não sentiu praticamente nada. Então pesquisadores mergulharam no seu  DNA de para ver como era possível, e descobriram duas mutações que, juntas, suprimem a dor e a ansiedade e, ao mesmo tempo, aumentam a felicidade. A partir desse caso, pretendem buscar novos tratamentos que aliviem a dor e ajudem na cicatrização.

SEM TELAS, MAS SÓ A MINORIA

Não é bem novidade, mas saiu uma matéria nova no El País sobre isso: enquanto escolas do mundo todo se esforçam pra incorporar tudo quanto é nova tecnologia, no Vale do Silício, epicentro da economia digital, é diferente. Lá, os filhos de administradores de gigantes como Apple e Google estudam em escolas onde não se pode usar celular, tablet nem computador. Os gurus digitais estão preocupados com os problemas na saúde e na educação de suas crianças, também limitam o uso de telas em casa e até as babás assinam contratos se comprometendo a não mexer no celular. Mas há nessa reportagem um recorte interessante, de classe. Adolescentes de famílias de baixa renda gastam quase três horas a mais por dia nas telas do que os ricos, e crianças brancas são menos expostas a esses dispositivos do que as negras ou hispânicas. No próprio Vale do Silício a diferença é gritante. Na escola Waldorf, que custa 30 mil dólares por ano, por aluno, visitantes são recebidos por um espantalho em uma horta, e as telas só são permitidas no secundário (equivalente ao ensino médio); na escola pública, visitantes são recebidos por uma enorme tela de LED e cada aluno tem um IPad.  

MOÇAMBIQUE

Na próxima semana vai começar uma campanha de vacinação contra cólera, enquanto clínicas para o tratamento foram montadas. Cinco casos foram confirmados.

Hoje o Brasil vai mandar bombeiros e 870 kg em kits de medicamentos e insumos. A previsão é que os kits atendam três mil pessoas por três meses. 

PORNOGRAFIA INFANTIL

Mais de 100 suspeitos de divulgar pornografia infantil na internet foram presos ontem.

LÁ FORA

Para fechar a semana, tem a enorme matéria publicada na New Yorker sobre Bolsonaro, costurando seu passado como militar, a construção da sua vida política, as eleições, as milícias, o assassinato de Marielle Franco e o que aconteceu de mais relevante nesses primeiros meses de governo. O repórter Jon Lee Anderson entrevistou figuras como Hamilton Mourão, Marina Silva, Marcelo Crivella, Fernando Gabeira e Marcelo Freixo, além de moradores de um quilombo, uma favela, uma aldeia indígena. 

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