Hora de repensar a mineração brasileira

Em MG, outra cidade ameaçada por barragem, descaso com vítimas de Brumadinho, Vale superpoderosa. Até quando? Leia também: como a Funai sobrevive a Bolsonaro; 10 anos por cirurgia ortopédica no Rio; e muito mais

Foto: Romerito Pontes
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DOIS MESES APÓS BRUMADINHO, NOVA BARRAGEM PODE ROMPER

Ontem fez dois meses que a barragem da Vale em Brumadinho rompeu. Até agora, foram confirmadas 212 mortes, e 93 pessoas estão desaparecidas. Parentes e amigos das vítimas protestaram na entrada da cidade.

“Só na minha rua foram quase 20 casas embora. Tem água na torneira, mas a gente não pode beber, meus filhos não podem pegar uma fruta no quintal por causa de contaminação. Minhas coisas estão embaladas desde antes do carnaval para eu fazer a mudança e, até hoje, nada”, afirmou um morador à jornalista Beatriz Ramos, do Repórter Brasil Atual.

A população sofre com doenças físicas e mentais. Há problemas de pele, animais morrendo, a água potável não está sendo oferecida a todos, segundo o Saúde Popular. 

A Vale está com R$ 13,6 bilhões bloqueados, tanto para reparar os danos como para pagar pelos prejuízos nas evacuações de outra cidades que estão sob risco. 

E em Barão de Cocais, também mineira, há uma barragem da Vale em risco iminente de rompimento desde a última sexta-feira – o risco vem aumentando desde fevereiro. Um grupo de moradores está fazendo vigília à noite, e term gente deixando o carro pronto na garagem, com documentos e lembranças de família, para tentar fugir a qualquer momento. “Fiz um vídeo. Gravei tudo na minha casa. Até as plantas. Ao vê-lo depois, se eu tiver mesmo que ir embora, vou lembrar da vida que tive e arrancaram de mim”, disse uma mulher ao Estadão. O MP requereu que a Vale se responsabilize pelo abrigamento de todos, e que realize auditoria técnica para garantir a segurança de várias outras estruturas. 

Esta semana vai haver treinamento para rota de fuga por lá. Já em Congonhas, onde uma barragem da CSN tem a mais alta classificação de risco, o MP já pediu a remoção preventiva. 

O economista e sociólogo Carlos Vainer destaca, em entrevista ao blog do CEE-Fiocruz, que evidentemente não existe barragem sem risco. “Não se deve perguntar apenas como prevenir os riscos. Um cálculo minimamente racional pode sugerir que a decisão mais adequada é não construir. Essa é a única barragem segura, aquela que não foi construída”, diz. 

QUARENTA MESES

É complicada a vida dos municípios onde a Vale se instalou – e dominou a economia. Quarenta meses após o desastre em Mariana, o prefeito da cidade decretou ontem estado de calamidade financeira. Segundo ele, a arrecadação mensal está em R$ 12,7 milhões, contra os R$ 30 milhões mensais de 2014, quando a Vale e a Samarco ainda atuavam. Após a tragédia de 2015, a Samarco está com suas atividades paralisadas, e na semana passada a Mina da Alegria, da Vale, foi paralisada também. A prefeitura deve perder R$ 92 milhões este ano. Para tentar compensar, está com duas ações contra a Vale

AINDA OS POVOS INDÍGENAS

A decisão do Ministério da Saúde de mudar a saúde indígena, transformando a Sesai em um departamento da atenção básica, foi muito mal recebida por militantes e pesquisadores da área. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva lançou ontem uma nota se posicionando. Segundo o documento, este não foi o único ataque às políticas indigenistas. De gritantes, houve também a transferência da Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a passagem da demarcação de terras para o Ministério da Agricultura. “A Abrasco se posiciona para que seja retomado o funcionamento regular do subsistema de saúde indígena, com as medidas administrativas adequadas e com a garantia do direito às especificidades socioculturais dos povos indígenas. A Lei Arouca, que assegura o direito das populações indígenas de participar da formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, deve ser cumprida. Qualquer medida de reorganização do subsistema deve ser produto de um processo participativo”. 

E a Agência Pública traz uma reportagem sobre a Funai, que enfrenta uma situação difícil há tempos. Nas últimas duas décadas, ela perdeu dois mil funcionários. Mas tudo piorou este ano, quando 90% do seu orçamento foi contingenciado. A coisa está pior nas estruturas mais descentralizadas, as Coordenações Técnicas Locais (CTLs) e as Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs) , que são justo as mais próximas das comunidades. Em regiões de conflitos intensos, é comum ter apenas um servidor. “O ambiente é muito hostil. Algumas áreas de demarcação sobrepõem grandes fazendas de lavoura e pecuária, isso acaba gerando muito atrito. O fato de ser um único servidor traz esse sentimento de certa vulnerabilidade. É uma cidade pequena. Todo mundo sabe quem sou eu, onde eu moro, a minha rotina. Isso deixa a gente vulnerável”, avalia um deles.

TORTURA NOS PRESÍDIOS

Entre janeiro e fevereiro, dispararam as denúncias de tortura nos presídios paulistas, conta a matéria da Folha. Até o dia 12/2 foram registrados 73 casos, sendo 66 em um único presídio, o Centro de Detenção Provisória 2. Lá, há 1,6 mil detentos para 833 vagas. O número de denúncias é conservador, já que representa apenas os dados das ouvidorias. Há outros canais de denúncia, como a Defensoria Pública, que recebem mais. Além disso, detentos e famílias muitas vezes não contam o que passam, temendo retaliação. Mas há relatos de agressões físicas, cortes de água e luz, castigos em solitárias, atendimento médico negado. Os deputados estaduais chegaram a aprovar a criação de um Comitê e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura, mas, em janeiro, a lei foi integralmente vetada pelo governador João Doria

FORA DA VALIDADE

Milhares de pacientes com Hepatite C ficaram sem remédio e o poder público perdeu  mais R$ 1,8 milhão: pelo menos 220 tratamentos de sofosbuvir, um medicamento caríssimo, perderam a validade antes de serem entregues, segundo o Estadão. A compra havia sido feita em 2017 e as caixas ficaram estocadas no Ministério da Saúde até o mês passado, quando foram entregues aos estados, restando pouco mais de um mês antes de a validade expirar. Vários montaram operações de emergência para que as caixas chegassem aos pacientes, mas parte das remessas não pôde ser escoada a tempo. O Ministério não informou qual foi a perda total. Segundo a pasta, o problema foi que essa droga deve ser distribuída em conjunto com outra, o daclastavir, e para esta segunda houve atrasos na licitação. Quando chegou – após uma compra emergencial que, segundo organizações ligadas a pacientes, dobrou o preço dos produtos –, já era tarde. 

DE OLHO

Amanhã o ministro da Saúde, Mandetta, vai participar de uma sabatina no Congresso. Não só ele mas outros sete ministros, incluindo Paulo Guedes, Sergio Moro e Ricardo Salles. Segundo o Estadão, Guedes foi alertado que a sabatina pode virar um “corredor polonês”, com perguntas “incômodas” vindas tanto da oposição como de governistas. 

No dia seguinte, a Comissão de Assuntos do Senado vai receber Guedes para falar sobre dívidas estaduais. A Casa quer articular uma pauta de ajuda aos estados.

O CICLONE

É difícil correr atrás das estatísticas dos atingidos pelo ciclone Idai, porque os números aumentam, e pioram, a cada hora. A matéria do El País conta que não há água, nem eletricidade, nem transportes, nem serviços de saúde, e os preços dos alimentos subiram 600%. O maior risco, agora, está na água estancada, por conta das doenças que fatalmente vão aumentar. O Unicef vai concentrar esforço sem distribuir tabletes de purificação de água. 

VALE O RISCO?

Nos EUA, pesquisas com o vírus da gripe aviária foram suspensas há quatro anos. O motivo? Era perigoso demais. O vírus é altamente mortífero e nunca foi transmitido de pessoa para pessoa. Se for, pode gerar pandemia. E se, durante as pesquisas, alguém cometer algum erro e se infectar, pode passar adiante. Pois recentemente as autoridades americanas permitiram novamente a realização das pesquisas, que envolvem a propagação proposital do vírus em animais. O objetivo é entender como funciona a transmissão justamente para impedir que ela aconteça entre mamíferos. Para os críticos, não vale o risco. 

INGENUIDADE

No Colorado, primeiro estado dos EUA a legalizar completamente a maconha, as entradas em serviços de emergência devido ao uso da droga triplicaram entre 2012 e 2016 (foram de 250 para mais de 750). Este achado, de um estudo publicado no Annals of Internal Medicine, era até esperado. Surpreendente foi ver que 10% das consultas foram após ingestão de produtos comestíveis com cannabis, enquanto esses produtos representam só 0,3% das mercadorias com maconha vendidas. O descompasso, segundo um dos autores, se dá porque há um “um comportamento ingênuo em relação à cannabis comestível”. O efeito é menos previsível, demora muito mais para ser sentido e, depois, também demora mais para se dissipar. Consumidores menos experientes acabam comendo muito rápido pensando que não está fazendo efeito. Aí, quando a coisa bate… Pode dar intoxicação, e também sintomas psiquiátricos agudos. 

ATÉ OS 90

Uma pesquisa publicada ontem na Nature Medicine indica que, sim, continuamos produzindo neurônios até tarde. Até uns 90 anos, mais especificamente. No ano passado, outras pesquisa tinha garantido que não havia essa produção depois dos sete anos. Tudo indica que havia um problema com os marcadores usados. Os cientistas agora também descobriram que cérebros antigos de pessoas saudáveis têm taxas maiores de neurogênese do que os das pessoas com Alzheimer. Existe uma esperança de que, conseguindo-se aumentar a taxa de neurogênese, se possa proteger contra a doença.

PAGARAM PARA RESOLVER

Depois de cinco anos brigando na Justiça, a Bayer e a Johnson & Johnson concordaram em pagar US$ 775 milhões para acabar com cerca de 25 mil ações judiciais. Nelas, alegava-se que as empresas não avisaram sobre os efeitos colaterais associados ao anticoagulante Xarelto. .

ENXAQUECA

A Anvisa aprovou ontem a primeira medicação especificamente desenvolvida pra enxaqueca. Aqui, vai se chamar Pasurta e ser vendido pela Novartis. Ainda não se sabe o preço, mas vai ser alto: nos EUA, custa US$ 6,9 mil por ano.

MULHER XY

A matéria do El País fala de uma forma de intersexualidade chamada Síndrome da Insensibilidade aos Andrógenos, rara, que pouca gente conhece. É quando alguém nasce ‘projetado’ para ser do sexo masculino, com cromossomos sexuais XY. Só que, por uma anomalia genética, o organismo não consegue responder aos efeitos do hormônio testosterona. Há diferentes graus da síndrome. Na forma completa, a pessoa desenvolve genitais externos femininos, mas sem ovários nem útero; não tem muitos pelos, tem voz fina, seios etc. Na forma parcial, há alguma resposta à testosterona e, dependendo a resposta, a pessoa pode crescer com características físicas masculinas mas infértil, ou com as glândulas mamárias um pouco mais desenvolvidas. 

FILA GIGANTE

Um dos principais hospitais de cirurgias ortopédicas do país é o Into, no Rio. Com o almoxarifado desabastecido, a unidade está com as cirurgias suspensas desde dezembro, e sem diretor há oito meses: os últimos indicados para o cargo foram presos em desdobramentos da Lava Jato. Já há 12,5 mil pacientes na fila, sem contar os que aguardam por consultas. A situação já era ruim antes. Segundo a Defensoria Pública, hoje as pessoas aguardam em média 10 anos para operar.

DENGUE CRESCE 264%

Em relação ao mesmo período do ano passado, o número de casos de dengue cresceu 264 nos primeiros meses de 2019: de 62,9 mil para 229.064 mil. O número de mortes aumentou 67%, metade delas no estado de SP.

INTIMIDADE

Cartas, fotos e vídeos de Oswaldo Cruz estarão em exposição no Rio, no Centro Cultural Correios, de 29 de março a 30 de junho.

UM REGISTRO

Michel Temer, Moreira Franco e o coronel João Baptista Lima Filho saíram ontem da prisão

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