O ciclone Idai e a ajuda que não é

Responsabilidade dos países ricos em desastres como o de Moçambique é muito maior do que a “ajuda” que oferecem. Leia também: novo governo deixa indígenas à beira da morte; estamos bebendo agrotóxicos?

Foto: Unicef
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O CICLONE IDAI E A AJUDA QUE NÃO É AJUDA

Já são mais de 700 mortes em Moçambique, Zimbábue e Malawi por conta do ciclone Idai, e a pior situação é em Moçambique. Lá, foram até agora 446 mortos, mais de 1,5 mil feridos, 110 mil desabrigados e, segundo o Unicef, pelo menos um milhão de crianças afetadas. Há aldeias inteiras submersas, e a catástrofe pode ser ainda maior pela disseminação de doenças como cólera, malária e diarreia. A diretora-executiva do fundo afirma que devem ser necessários ao menos US$ 30 milhões para prestar ajuda imediata. 

Ao contrário do que tem circulado via memes, não é verdade que países ricos não estejam enviando dinheiro e insumos. Mas qualquer ajuda vinda deles pode ser considerada uma espécie de indenização voluntária, muito mais do que ajuda humanitária. Não se pode estabelecer com certeza que há uma relação de causalidade entre o aquecimento global e o ciclone Idai, mas várias pesquisas, como relatórios recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, permitem avaliar que sim , as mudanças aumentam a frequência e a intensidade desse tipo de desastre. Não é preciso dizer que Moçambique, Malawi e Zimbábue contribuem com uma fração ínfima das emissões que estão piorando as coisas. Além disso, áreas mais pobres têm construções mais precárias e são muito mais afetadas nesse tipo de evento e, historicamente, certos países vêm enriquecendo às custas da miséria de outros. O artigo no Conversation afirma que os principais países doadores, EUA e Reino Unido, não fazem mais do que a obrigação ao oferecerem ajuda imediata, mas isso não é suficiente.

“Deveriam oferecer apoio aos países mais pobres, desde a construção de defesas contra enchentes até o apoio aos serviços sociais e à transferência de tecnologia. Eles devem perdoar a dívida nacional, redistribuir a riqueza ou, pelo menos, dar-lhes acordos comerciais preferenciais para ajudá-los a adaptar-se à mudança climática”, escrevem os pesquisadores em Justiça Climática Michael Mikulewicz eTahseen Jafry.

A propósito, uma matéria da nossa editora, Maíra Mathias, na Revista Poli aborda a pouco discutida relação entre aquecimento global, doenças e mortes. Pelo menos cinco milhões de pessoas – em uma estimativa conservadora – entre 2030 e 2050 em consequência das mudanças climáticas, contando apenas os problemas com desnutrição infantil, malária, diarreia em menores de 15 anos e exposição de idosos ao calor.

O MINISTRO E OS INDÍGENAS

O ministro da Saúde, Mandetta, já assumiu em janeiro dizendo que mudaria a saúde indígena e levantando suspeitas (sem provas) sobre os gastos na área e os contratos com ONGs. Esta semana, organizações indígenas e o Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena denunciaram que os cortes de pagamentos desde a posse está levando ao risco de morte. Na Folha, uma reportagem de Rubens Valente diz que 13 mil funcionários do setor  em todo o país estão com os salários atrasados. A matéria examina mais especificamente uma unidade de saúde em Brasília, a Casai (vinculada ao Ministério) que acolhe e acompanha indígenas que passam por tratamentos, incluindo crianças com câncer. Desde a posse de Mandetta, o abrigo está sem receber dinheiro para a alimentação e para bancar os salários. Teve que começar a devolver as pessoas às suas aldeias e procurar vagas em outras unidades. A reportagem procurou a pasta, e a resposta foi que alguns contratos estão em fase de finalização e em breve os repasses serão regularizados. 

MUDANÇAS NA PASTA

No mesmo jornal, outra reportagem resume as mudanças que devem acontecer em breve no ministério – algumas já prometidas há tempos, outras de anúncio recente. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) deve mesmo perder seu status e virar um departamento da atenção básica, e parte do atendimento deve migrar da União para estados e municípios (ficando o governo federal apenas com as áreas mais remotas). 

A secretaria que hoje apoia mecanismos de participação popular, controle social, auditorias e ouvidorias no SUS – Secretaria de Atenção Estratégica e Participativa/Sgep – também deve acabar e, segundo o ministro, as funções devem ir para a secretaria executiva e para a diretoria de integridade, ligada ao seu gabinete. 

Na sexta-feira, quando falamos da newsletter sobre o desastre que foi e é a informatização dos prontuários nos EUA, comentamos que essa é uma prioridade anunciada por Mandetta. O texto da Folha afirma que vai ser criada, no ministério, uma secretaria voltada à tecnologia da informação para implementar o famoso prontuário eletrônico no país.  

PRÓXIMO

Falando no Mandetta, ele esteve no XIII Congresso Brasileiro de Seguro e Previdência. Em sua página no Facebook, posa com os diretores da Fenasaúde e do Seguros Unimed, entre outros.

O FIM DA UNASUL

“Trata-se de uma ferramenta de cooperação, de diálogo, sem ideologização alguma”, foram as palavras do colombiano Iván Duque para descrever o Prosul, ou Fórum para o Progresso da América Latina, que nasceu na semana passada enterrando definitivamente a Unasul. A nova organização regional, segundo o El País, é de orientação conservadora, e vai contar com Chile, Colômbia, Brasil, Equador, Argentina, Peru e Paraguai. Seus temas de incumbência são “integração em matéria de infraestrutura, energia, saúde, defesa, segurança e combate ao crime, prevenção e manejo de desastres naturais”.

“EU NUNCA ACHEI QUE FOSSE TÃO POBRE”

Mais uma matéria sobre a fome na Agência Pública. Agora, sobre algo que não se descobre sem fazer exames ou sem uma pesquisa que avalie o consumo alimentar: no mundo inteiro, a OMS estima que uma em cada quatro pessoas sofre daquilo que se chama oficialmente de fome oculta. São pessoas que comem todo dia, sentem-se saciadas e não estão abaixo do peso (às vezes, estão mesmo obesas), mas, apesar das calorias, não consomem os nutrientes necessários. Falta de dinheiro e de tempo ou questões de hábito levam a um cardápio diário fraco, com salgados, salsichas, refrescos, macarrão e pão substituindo almoço e janta. “Eu nunca achei que fosse tão pobre. Eu saí de lá achando que era uma mãe ruim. Deu raiva. Deu vergonha”, conta uma mulher que descobriu a condição – dela e de toda a família – depois de fazer um exame admissional de emprego. Mas a matéria mostra que nem só pessoas pobres padecem disso. A falta de ferro tende a ser maior entre pobres, mas a de outros nutrientes (como cálcio, magnésio e vitamina D) estão em todas as camadas sociais. 

ENTREGANDO A ANGÚSTIA

Todo bebê tem direito a fazer o teste do pezinho pelo SUS e descobrir se tem ou pode desenvolver seis doenças, mas já existe em laboratórios privados um exame ampliado, que descobre 38. Claro que custa muito, mais de mil reais. A matéria do Estadão entrevistou gente que defende (médicos de hospitais, além do diretor de um laboratório). Mas dois representantes de sociedades científicas se opõem. “Se faço uma varredura ampla genética, vou achar uma série de alterações que provavelmente nunca vão se manifestar na vida inteira. O que faço com essa informação? Se entrego à família, estou entregando a angústia”, diz Armando Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo. Já um teste molecular, que encontra falhas no sistema imunológico das crianças e apareceu por aqui há dois anos, foi defendido em outro texto.

TRIPLO HOMICÍDIO EM ASSENTAMENTO

Na sexta-feira, a líder rural Dilma Ferreira Silva, que atuava no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Pará, foi morta em casa com seu marido e um amigo do casal na casa da militante. O crime foi na casa da militante, no assentamento Salvador Allende, a 60 km de Tucuruí, no sudeste do Pará. Os três foram amarrados, amordaçados e esfaqueados. 

UM TANTO FICA DE FORA

Hoje, as empresas fornecedoras de água precisam testar a presença de 27 agrotóxicos específicos, a cada seis meses, nos sistemas que gerenciam. O problema? Como mostra a matéria do Brasil de Fato, são 306 os agrotóxicos registrados no Brasil, então a maioria absoluta não aparece nos testes. Basicamente, não sabemos quais venenos estamos bebendo.

GRANDE DESAFIO

Um dos grandes desafios para a saúde e o meio ambiente nos próximos anos é o que fazer com todo o excremento produzido no mundo. Estima-se que até 2030 o planeta vai produzir pelo menos 5 bilhões de toneladas de fezes por ano, a maioria vindo da pecuária. E ainda não há boas soluções para a sua eliminação segura. A poluição das águas e o aquecimento global são problemas mais frequentemente falados, mas há outros. Os gases liberados por esses resíduos podem ser letais em grande quantidade, e já há estudos demonstrando que pessoas que vivem perto de fazendas industriais têm mais asma crônica, irritação respiratória e imunodepressão. 

PROBLEMA EXTRA

Em países que vivem afetados por conflitos, as chances de as crianças morrerem pela violência é muito menor do que a de morrer por falta de água potável. Essa é uma das conclusões do relatório Water under Fire, divulgado pela Unicef na sexta-feira, que examinou a mortalidade em 16 países em guerra. 

FUNDAÇÃO CURIOSA

Famoso e caro destino turístico no interior de São Paulo, Campos do Jordão foi fundada para tratar a tuberculose. No início dos anos 1900, um médico sanitarista teve a ideia de transformar o que era até então um pequeno vilarejo em uma vila sanitária e tinha órgãos voltados para o tratamento e cura. 

MULHERES & PORNÔ

As pessoas começam a ver pornografia cada vez mais cedo, e há vários estudos sobre como isso afeta os meninos e homens. Mas quase nada sobre o sexo feminino. A matéria de Alexandra Jones na BBC fala desse vácuo e, na falta de pesquisas, a repórter conversou com mulheres viciadas em pornografia para entender o que se passa com elas. 

SOUVENIRS

Décadas após o acidente na Usina Nuclear de Chernobyl, quiosques no local vendem camisetas com o símbolo da radiação, ímãs coloridos e canecas com pinturas do reator que causou o desastre, enquanto turistas fazem selfies usando máscaras de gás. O texto da Economist, traduzido no Estadão, se baseia em três livros sobre o acidente para deixar a provocação de que, enquanto ele se transformou em mito, há uma atitude de indiferença em relação aos seus impactos na saúde. 

SOBRE O FUTURO

Ligia Bahia, no Globo: “A dúvida é se o sarampo ou qualquer outro problema de saúde será prioritário nos próximos anos. As previsões do ministro da Economia de reduzir à metade o número de servidores e desvincular o orçamento da saúde são incompatíveis com o funcionamento do SUS”.

DESARMAMENTO

Em artigo de opinião na Folha sobre a restrição no acesso a armas de fogo, Melina Risso lembra que, segundo a última pesquisa de opinião feita sobre isso, a maioria da população é contrária à posse de armas. Especialmente pessoas mais pobres e mulheres. “Se andar armado fosse uma boa estratégiade defesa, policial armado que é treinado para usá-la não morreria tanto em seu horário de folga quando tenta reagir”, exemplifica. 

FALSO AMIGO

Se você é do tipo que pede refrigerante light ou diet pra ser mais saudável, pense duas vezes. Não há provas concretas, mas algumas boas evidências de que eles estão relacionados a doenças cardíacas e AVCs.

ROUBO DE REMÉDIOS

Foi no hospital Pérola Byington, em SP: dois homens armados levaram medicamentos, inclusive de quimioterapia, na sexta-feira. 

INCÊNDIO EM SP

No sábado à noite, um incêndio atingiu a Favela do Cimento, na capital paulista. Uma pessoa morreu. Ontem, um homem foi detido, suspeito de iniciar o fogo. Havia uma reintegração de posse marcada para domingo de manhã. Há mais de 200 pessoas desabrigadas.

AGENDA

Estão abertas as inscrições para o 6º Encontro Nacional do Ministério Público e de Defesa da Saúde.

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