Bolsonaro tenta aprofundar a crise institucional

Um dia depois de aplaudir ação da PF contra adversário, presidente tenta blindar filhos e amigos de investigação do STF. E mais: cresce onda de demissões; no “auxílio” a Estados, Planalto golpeia servidores e agrada banqueiros

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres | Imagem: Aroeira

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A CRISE INSTITUCIONAL SE APROFUNDA

A última quarta-feira de maio começou com outra operação da Polícia Federal, desta vez no âmbito do inquérito das fake news aberto pelo Supremo em março do ano passado. O relator, ministro Alexandre de Moraes, determinou buscas, apreensões e quebra do sigilo bancário e fiscal de dois conhecidos empresários bolsonaristas – Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (SmartFit) – suspeitos de financiar um esquema de divulgação de notícias falsas contra autoridades. No caso de Corona, o ministro do STF anexou em sua decisão o print de uma mensagem enviada no grupo de WhatsApp “Brasil 200 Empresarial” em que ele defendeu: “Temos de impulsionar estes vídeos. Precisamos de dinheiro para investir em mkt [marketing]”. Os vídeos em questão eram contrários ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A última quarta-feira de maio começou com outra operação da Polícia Federal, desta vez no âmbito do inquérito das fake news aberto pelo Supremo em março do ano passado. O relator, ministro Alexandre de Moraes, determinou buscas, apreensões e quebra do sigilo bancário e fiscal de dois conhecidos empresários bolsonaristas – Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (SmartFit) – suspeitos de financiar um esquema de divulgação de notícias falsas contra autoridades. No caso de Corona, o ministro do STF anexou em sua decisão o print de uma mensagem enviada no grupo de WhatsApp “Brasil 200 Empresarial” em que ele defendeu: “Temos de impulsionar estes vídeos. Precisamos de dinheiro para investir em mkt [marketing]”. Os vídeos em questão eram contrários ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). 

Além de Hang e Corona, foram alvos de mandados de busca e apreensão notórios personagens da fauna bolsonarista, como o Allan dos Santos (do site Terça Livre) a ativista Sara Winter e até Roberto Jefferson (PTB). Além disso, seis deputados bolsonaristas foram intimados a depor em um prazo de dez dias: Bia Kicis, Carla Zambelli, Daniel Silveira, Filipe Barros, Cabo Junio Amaral e Luiz Philippe de Orléans e Bragança. 

De tarde, o presidente Jair Bolsonaro fez uma reunião de emergência no Planalto. Participaram os ministros militares, o ministro da Justiça, André Mendonça, e o advogado-geral da União, José Levi. A pauta era achar caminhos para reagir à operação deflagrada horas antes e ao STF de forma geral.  De lá, saíram algumas ideias. 

O governo deve ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade para contestar a legalidade da investigação. E também entrar com ações na Justiça contra Alexandre de Moraes e Celso de Mello, que está com o inquérito da suposta interferência do presidente na PF e permitiu a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril.

Por sua fala nessa reunião – “Eu, por mim, colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF” –, o ministro da Educação Abraham Weintraub tinha sido convocado a depor. Mas o governo resolveu tentar blindá-lo e deve apresentar habeas corpus para impedir o depoimento. 

Também na linha de desobediência a determinações da Justiça, o governo discutiu que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, não acate nenhum pedido de diligência que venha na esteira de seu pedido impeachment, apresentado pelo PT ao STF – e que também tem o decano Celso de Mello como relator.

Por fim, a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da PF, outra decisão de Alexandre Moraes, voltou à baila. O governo pode entrar com uma nova reclamação contra a medida. Mas a ala ideológica defende um enfrentamento aberto, com a renomeação de Ramagem.

Ao mesmo tempo em que a reunião acontecia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou um pedido ao Supremo para que seja suspenso o inquérito das fake news. Aras reclamou que a PGR foi “surpreendida” pela operação, da qual não participou. 

Também de tarde, na abertura da sessão plenária do STF, o vice-presidente da Corte, ministro Luiz Fux, defendeu o Tribunal. Na nota, também assinada por Dias Toffoli, que está de licença médica, há admissão de que uma crise está em curso: “Seja na prosperidade, seja na crise que ora vivenciamos, este Tribunal mantém-se vigilante em prol da higidez da Constituição e da estabilidade institucional do Brasil”. 

Perto dali, no Congresso Nacional, tanto Maia quanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se manifestaram. “O que nós precisamos é respeitar as investigações e decisões do Supremo Tribunal Federal, do Poder Judiciário. Acho que a operação de hoje segue uma linha de inquérito que já está aberta há algum tempo e que tem por objetivo a investigação de como esses movimentos que tentam desqualificar as instituições democráticas funcionam”, disse Maia, que comparou a reação negativa do presidente e de seus apoiadores à reação positiva da véspera, quando o alvo de uma operação da PF foi um adversário político, no caso, Wilson Witzel. “Um dia eu fico a favor, um dia eu fico contra. Não pode.”

Tanto ele quanto Alcolumbre acenaram com aprovação de um marco legal contra fake news que além de responsabilizar quem financia e dissemina, também responsabilize as plataformas que permitem essa circulação. De acordo com o presidente do Senado, a Casa vai votar na semana que vem um texto que cria a chamada Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O projeto visa acabar com o uso de robôs e envio de mensagens em massa, duas ferramentas que foram mencionadas na decisão de Moraes para deflagar a operação de ontem. 

Ainda no parlamento, a oposição parece ter, finalmente, acordado. Todos os líderes na Câmara e no Senado acertaram uma estratégia contra a escalada autoritária de Bolsonaro. O primeiro ponto da agenda será a defesa da liberdade de imprensa, marcado por um ato que vai acontecer na próxima quarta (3) na sede da Associação Brasileira de Imprensa. Um encontro do tipo não acontecia desde fevereiro de 2019, devido à disputa entre PT e PDT. Agora, as reuniões serão semanais. 

Mas do lado da direita, a operação de ontem também conseguiu unir frações que estavam em disputa até anteontem. Além dos bolsonaristas de carteirinha, o Partido Novo, o MBL e o movimento Livres enxergaram abuso do STF contra a liberdade de expressão. 

Depois da reunião de emergência com seus ministros, Bolsonaro seguiu para o Alvorada, onde declarou a apoiadores que trabalharia “até meia-noite” com o ministro da Justiça. Ele, que não havia se manifestado publicamente durante o dia todo, por fim postou no Twitter: “Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos, por exercerem seu direito à liberdade de expressão, é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia”. Em outra publicação, o presidente escreveu que nenhuma violação da liberdade de expressão “deve ser aceita passivamente!“.

Seu filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, foi além. Disse que “quando chegar ao ponto que o presidente não tiver mais saída e for necessário uma medida enérgica ele é que será taxado como ditador”. E ainda: “Eu até entendo quem tenha uma postura mais moderada, vamos dizer, para não tentar chegar em um momento de ruptura, um momento de cisão ainda maior, um conflito ainda maior. Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse momento de caos, mas, falando bem abertamente, opinião do Eduardo Bolsonaro, não é mais uma opinião de se, mas de quando isso vai ocorrer.” Ainda segundo o filho 03, suspender o inquérito das fake news não basta. “A gente vai ter que punir, isso é abuso de autoridade”. 

A operação contra bolsonaristas se baseou em grande medida em depoimentos feitos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News que acusaram tanto Eduardo quanto Carlos Bolsonaro de participar de um “gabinete do ódio” voltado a ataques virtuais. Nem Carlos nem Eduardo foram citados na operação de ontem. Mas há uma inquietude explícita. “Hoje esse inquérito está aqui, entrando na casa do Allan [dos Santos], mas não tenho nem dúvida que amanhã vai ser na minha casa”, disse Eduardo.

Mais cedo, em entrevista à Rádio Gaúcha, o vice-presidente Hamilton Mourão já havia dado a entender que Bolsonaro reagirá caso as investigações cheguem mais explicitamente aos filhos. “Não é muito normal isso aí, quando você tem todo um grupo familiar envolvido na política. Da maneira como eu vejo, é óbvio que o presidente muitas vezes sente que está havendo algum tipo de parcialidade no tratamento que é dado a alguns integrantes da família dele e busca se contrapor a isso“.

O DEBATE SOBRE O INQUÉRITO

O inquérito das fake news nasceu de uma maneira torta. Foi instaurado num longínquo março de 2019 pelo presidente do STF, Dias Toffoli, sem que o Supremo fosse “provocado” por outro órgão – o que é atípico – para apurar fake news, ameaças e ofensas caluniosas, difamatórias e injuriosas a ministros da Corte e seus familiares. Alexandre de Moraes foi escolhido diretamente por Toffoli para ser o relator, quebrando outra tradição: o sorteio entre todos os ministros. Pouco tempo depois, em abril, Alexandre de Moraes tomaria no âmbito desse inquérito a decisão de censurar uma reportagem publicada pela revista Crusoé que contava que Marcelo Odebrecht teria explicado que um dos vários codinomes usados por seu grupo empresarial para pagar propinas – “amigo do amigo do meu pai” – se referia a Toffoli. Moraes voltou atrás da censura três dias depois.

Existe um debate jurídico sobre se o STF pode ou não abrir um inquérito. Toffoli, na época, usou o regimento interno da Corte para sustentar que sim. Mas o texto prevê inquéritos em caso de “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal”. O inquérito investiga ofensas no mundo virtual. Toffoli contra-argumenta que os ministros da Corte “são o Tribunal”.

Há ainda um outro argumento que vem não do regimento do Supremo, mas no artigo 242 do Código de Processo Penal, que determina que uma busca pode ser determinada “de ofício” por um juiz – sem que haja qualquer pedido externo.  Há especialistas contra essa interpretação e também aqueles que são a favor, principalmente levando em consideração a inação do Ministério Público Federal desde a época de Raquel Dodge. Mesmo autoridades públicas que hoje pedem o arquivamento do inquérito já se manifestaram favoravelmente a sua existência no passado. 

Seria o caso do ministro da Justiça, André Mendonça, que quando era advogado-geral da União deu pareceres favoráveis à continuidade do inquéritoE de Augusto Aras

OUTRA DECISÃO

E o plenário do Tribunal de Contas da União decidiu ontem que o governo federal deve suspender todo o gasto com publicidade do Banco do Brasil direcionada a sites, blogs e redes sociais, exceto os que têm confiabilidade comprovada segundo os critérios propostos pelo relator, Bruno Dantas. A confusão se deu em torno do direcionamento de dinheiro para o Jornal da Cidade Online pela Secom.

OITO GOVERNADORES NO ALVO

A Procuradoria-Geral da República está investigando a gestão de oito governadores por suspeitas de irregularidades em contratos firmados durante a pandemia, revelou a colunista Mônica Bergamo, na Folha. Além de Wilson Witzel (PSC-RJ), estão no alvo: João Doria (PSDB-SP), Wilson Miranda (PSC-AM), Helder Barbalho (MDB-PA) e João Azevedo (PSB-PB). Três outros nomes seguem em sigilo. Todas as investigações já teriam recebido uma avaliação preliminar da PGR – e alguns requerimentos para abertura de inquérito já teriam sido enviados ao Superior Tribunal de Justiça. Depois do Rio, os procuradores considerariam a investigação sobre o Pará a que está em estágio mais avançado.

Ontem, Reinaldo Azevedo destacou no UOL que a PGR criou um grupo para acompanhar ações dos governos estaduais durante a pandemia. Colocou na estrutura subprocuradores próximos a ele, como Lindora Araújo e Célia Regina Delgado. Ele chama atenção que o foco das investigações recaia apenas nos governos estaduais. “Não se sabe de qualquer preocupação relacionada ao governo federal. Isso pode decorrer do fato de que este é de tal sorte incompetente e inoperante na área que pouco resta a investigar. Fato: tudo aquilo de que Bolsonaro precisava agora era de uma cortina de fumaça, ainda que exista incêndio — isto é, malfeitos — para encobrir a montanha de corpos de pobres vitimados pela doença. O órgão comandado por Aras lhe fez este favor.” 

O presidente não se fez de rogado ontem quando perguntado por um apoiador sobre operações da Polícia Federal contra governadores: “Vai ter mais. Enquanto eu for presidente, vai ter mais. Isso não é informação privilegiada, não. Vão falar que é informação privilegiada”, disse Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo defende a tese de que, embora a Operação Placebo deflagrada contra Witzel no Rio tenha muito provavelmente sido vazada para bolsonaristas como Carla Zambelli por membros da PF, é na PGR que os holofotes devem ser colocados. “Os governadores que se cuidem. O risco maior não vem de uma PF, também bolsonarizada, mas da bolsonarização da PGR”.

Já Rafael Mafei Rabelo Queiroz, professor de Direito da USP, faz outra reflexão importante, desta vez na Piauí. Para ele, prestamos pouquíssima atenção no Superior Tribunal de Justiça, responsável por arbitrar os casos que envolvem governadores. E o STJ gosta dessa invisibilidade – a título de exemplo, Mafei cita que só há pouco tempo criou uma sala que abrigue os jornalistas que dão plantão no tribunal. “A despeito de sua importância, porém, o STJ é, para muitos, ‘esse outro desconhecido’ (…). É um tribunal sobre o qual sabemos menos do que deveríamos, e que acompanhamos menos do que a prudência republicana recomenda”. 

E, claro, os membros do Tribunal têm suas aspirações políticas. Rosa Weber, Luiz Fux e Teori Zavascki ascenderam para o Supremo vindos diretamente de lá. Para isso, precisam ser indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. Nesse sentido, Mafei cita um episódio recente que certamente agradou Bolsonaro: o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, resolveu opinar sobre um caso em andamento – o que é proibido por lei – e disse que era contra a divulgação dos exames de detecção do coronavírus feitos por Bolsonaro.  Outra coisa que agradaria o presidente, sabemos, é a condenação de adversários políticos.

Para o professor da USP, os prognósticos para Wilson Witzel não são bons. Primeiro, pelos indícios. Depois, pelo histórico do ministro Benedito Gonçalves, a quem coube relatar o caso do governador fluminense, que já acusou em oportunidade anterior o ex-governador de Minas, Fernando Pimentel. 

FALANDO EM WITZEL

Foram protocolados ontem dois pedidos de impeachment contra o governador do Rio. Partem de bolsonaristas e outros membros da oposição. O presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), disse que ‘a Casa não vai ficar inerte’. Antes do escândalo, três pedidos de impeachment já haviam sido apresentados contra Witzel, mas não foram pra frente.

A situação da primeira-dama está recebendo bastante atenção e parece complicada. A Polícia Federal não encontrou nenhum documento físico que pudesse comprovar os trabalhos que teriam sido realizados por Helena Witzel para uma empresa investigada na Lava Jato, que seria ligada a Mário Peixoto, e com quem ela tem um contrato de R$ 540 mil.

Além disso, veio à tona algo que não é ilegal, mas é estranho: Helena e Witzel mudaram o regime de casamento para comunhão universal de bens no dia 3 de setembro do ano passado. O pedido para a mudança foi feito em julho. E o contrato alvo do inquérito teve início em agosto. 

Outra revelação do mesmo gênero: assim que Witzel assumiu o governo, Helena passou a ocupar o cargo do marido como advogada nacional do PSC. De janeiro de 2019 para cá, já recebeu mais de R$ 350 mil. Acontece que ela teria “parca experiência como advogada”. Se inscreveu na OAB em 2015, desde então, atuou em poucos processos, quase sempre defendendo a família Witzel ou o partido. 

Mas o ex-subsecretário estadual de saúde, Gabriell Neves, negou que Wilson Witzel tenha participado de reuniões para tratar de qualquer contrato na Saúde. Ele acusou o ex-secretário estadual, Edmar Santos, que havia sido afastado pelo governador da saúde, mas indicado para um cargo criado especialmente para ele: secretário-extraordinário de Acompanhamento da Covid-19. Pois ontem, o Tribunal de Justiça do Rio determinou o afastamento de Santos desse cargo.

CARTEIRA PRECÁRIA

Até agora não era possível saber direito como a pandemia tinha afetado o emprego formal no Brasil. Dava para ter uma ideia pelo aumento nos pedidos de seguro-desemprego, pelas estimativas feitas por alguns setores da economia e pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, feita em março por telefone. Mas desde janeiro o governo não divulgava os dados oficiais do Caged (o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que deveriam ser publicados todo mês. Depois de um longo apagão, ontem, finalmente, os números apareceram. E são péssimos.

Em março e abril, 1,1 milhão de pessoas que tinham carteira assinada foram demitidas. Os trabalhadores do setor de serviços foram os mais afetados (458,7 mil demissões). Em seguida vêm os do comércio (296 mil), indústria (223,5 mil), construção (79,9 mil) e agricultura (9,6 mil). Só em abril, foram 860,5 mil vagas fechadas – o pior resultado pelo menos desde 1992, quando isso começou a ser medido.

Mas além dos desempregados há também 4,4 milhões que tiveram seus contratos suspensos. Ou seja: vão ficar até três meses sem trabalhar e sem receber, como se estivessem temporariamente desempregados. Outras 3,7 milhões de pessoas fizeram ‘acordos’ por cortes de salário e jornada, a maior parte com 50% de corte. Como dissemos por aqui, essas negociações foram liberadas por uma medida provisória do governo federal em abril, e os empregados afetados têm suas perdas parcialmente cobertos pelo Tesouro, mas na proporção do que receberiam como seguro-desemprego (um valor menor do que o salário de fato).

A “boa” notícia é que a medida do governo afetou mais gente no início, mas foi perdendo força com o tempo. Nas cinco primeiras semanas, a média semanal de atingidos foi de 1,5 milhão. Nas seguintes, foi caindo para 511 mil, depois 175 mil, e chegou a 32 mil na última semana. A má é que essa não deve ser uma tendência constante. De acordo com secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, os empresários devem estar esperando o fim da tramitação do MP no Congresso, “para saber se o programa vai continuar assim, se vai ter segurança jurídica”. A expectativa do governo é que na realidade 24,5 milhões de pessoas (mais de 70% dos trabalhadores formais). Até agora, foram 8,1 milhões.

Tem também o fato de que a crise econômica dificilmente vai acabar junto com o fim da pandemia, até porque economia e política andam juntas. Os acordos, que segundo o governo deveriam evitar 8,5 milhões de demissões, não garantem que essas demissões aconteçam mais adiante.

SAIU O SOCORRO

Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que garante R$ 60 bilhões de socorro financeiro a estados e benefícios. Segundo o Estadão, acabou mesmo os vetos recomendados pelo Ministério da Economia e barrou os reajustes a servidores públicos até o fim de 2011. Também foi vetado o trecho que permitia a estados e municípios suspender o pagamento das dívidas com bancos e organismos internacionais. Aliás, o Banco Mundial, o BID e o CAF avisaram que cortariam o crédito ao Brasil caso essa parte não fosse limada.

BOIADA ATROPELANDO

Na reunião ministerial do dai 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles saudou a pandemia como uma oportunidade para afrouxar a legislação ambiental. Era a hora de “ir passando a boiada” longe dos holofotes da imprensa, disse. O Nexo fez um levantamento de todos os bois que já passaram desde o início da pandemia.

Ainda no começo de abril, o ministro assina um despacho anistiando desmatadores da Mata Atlântica. Duas semanas depois, a Funai publica uma instrução normativa que legaliza a grilagem em terras indígenas que estão em processo de homologação. Ainda em abril, Salles exonera três servidores do Ibama que chefiavam fiscalizações e atuavam contra o garimpo em terras indígenas. No dia 8 de maio, Bolsonaro enfraquece o Ibama e o IMCBio, submetendo-os às Forças Armadas. Dias depois, são extintas 11 coordenações regionais do ICMBio, responsável por gerenciar e fiscalizar unidades de conservação. Na Amazônia, onde havia cinco coordenações, só sobre uma – para lidar com 130 unidades de conservação. Na mesma semana, a definição das áreas e produtos florestais a serem explorados comercialmente sai das mãos do ICMBio e vai para o Serviço Florestal, que, por sua vez, está nas mãos do… Ministério da Agricultura. E ao mesmo tempo o Congresso analisa a MP da grilagem, que permite legalizar grandes áreas públicas invadidas recentemente.

MAIS FINANCIAMENTO

A OMS criou uma fundação específica, independente e regida pelo direito suíço, para receber doações privadas de pessoas e empresas. As doações já estão ‘abertas’ e, por ora, há um fundo específico para a resposta à pandemia. Segundo o organismo, um dos objetivos gerais é ter um “financiamento mais sustentável e previsível“, o que nos leva imediatamente às ameaças de Donald Trump de retirar o repasse de verbas dos Estados Unidos. Mas, segundo o diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus, a novidade não é uma resposta a isso, e a fundação começou a ser gestada há dois anos.

De todo modo, não é de hoje que se sabe dos limites do financiamento da Organização. O orçamento anual de em média US$ 5 bilhões é formado por recursos de diversos países (a maior parte, dos EUA) e já recebe bastante dinheiro entidades privadas, mas muito dessa verba vem ‘carimbada’ para usos específicos, segundo os interesses dos doadores. Ainda não há muitas  informações sobre como isso vai ficar; o que se disse foi que a verba vai passar pelo crivo da fundação antes de ser oferecido à OMS. Segundo seu criador e presidente, o diretor-geral da Autoridade Nacional de Saúde da Suíça Thomas Zeltner, haver mecanismos para impedir conflitos de interesse nas doações.

MAIS VERDE-OLIVA

Os militares chegaram a uma secretaria estratégica do Ministério da Saúde: a cobiçada Secretaria de Atenção Especializada (Saes), responsável por liberar recursos para a área hospitalar e serviços de urgência e emergência. Os partidos do centrão estavam de olho nela, mas quem levou foi o coronel Luiz Otávio Franco Duarte, indicado pelo ministro interino Eduardo Pazuello. A cadeira estava vaga desde o último dia 13. Na gestão do ex-ministro Nelson Teich,  havia sido prometida para Marcelo Campos Oliveira, que já trabalha na Saes e tinha sido aprovado por líderes do PL e do Progressistas. O secretário anterior, Francisco de Assis Figueiredo, também havia sido uma indicação do Progressistas ainda no governo Temer.

Desde a entrada do general Pazuello, o Ministério da Saúde já nomeou mais de 20 militares em cargos comissionados. Outros 20 ainda devem entrar, segundo o Estadão.

Em tempo: o ministro interino segue visitando os estados mais afetados da região Norte, e o acompanhamento da imprensa foi vetado. Ontem ele esteve no Pará, prometendo o envio de 30 respiradores a Belém.

POR QUÊ?

O Ministério da Saúde tem R$ 34,4 bilhões para usar na pandemia, mas só R$ 8,1 bilhões foram efetivamente gastos. Quando se inclui o valor empenhado (ou seja, já reservado para repasses e contratos), o montante ainda é de apenas R$ 10,4 bilhões, o que dá pouco mais de 30% do total. As contas são do Conselho Nacional de Saúde, que cobra rapidez da pasta. “O Ministério da Saúde está muito lento, moroso no repasse do dinheiro. Está brincando com a vida das pessoas”, afirmou o coordenador da Comissão de Financiamento e Orçamento do CNS, André Oliveira.

A SITUAÇÃO BRASILEIRA

O novo normal no Brasil é ter um número de mortes diárias com quatro dígitos. Ontem foram 1.086 (500 ocorreram de fato os últimos três dias), levando o total 25.598. Ainda há 4.108 mortes em investigação. O país já havia ultrapassado os Estados Unidos em relação aos óbitos diários, mas ontem também passou a frente no número de casos registrados nas 24 horas anteriores. De modo que, pela primeira vez, o Brasil foi o país que mais registrou casos e mortes em 24 horas no mundo. Ainda somos o sexto no ranking dos óbitos acumulados, mas todos os cinco países que estão à frente já começaram a estabilizar suas curvas. Aqui, ao contrário, ela cresce aceleradamente.Ainda no parlamento, a oposição parece ter, finalmente, acordado. Todos os líderes na Câmara e no Senado acertaram uma estratégia contra a escalada autoritária de Bolsonaro. O primeiro ponto da agenda será a defesa da liberdade de imprensa, marcado por um ato que vai acontecer na próxima quarta (3) na sede da Associação Brasileira de Imprensa. Um encontro do tipo não acontecia desde fevereiro de 2019, graçaO novo normal no Brasil é ter um número de mortes diárias com quatro dígitos. Ontem foram 1.086 (500 ocorreram de fato os últimos três dias), levando o total 25.598. Ainda há 4.108 mortes em investigação. O país já havia ultrapassado os Estados Unidos em relação aos óbitos diários, mas ontem também passou a frente no número de casos registrados nas 24 horas anteriores. De modo que, pela primeira vez, o Brasil foi o país que mais registrou casos e mortes em 24 horas no mundo. Ainda somos o sexto no ranking dos óbitos acumulados, mas todos os cinco países que estão à frente já começaram a estabilizar suas curvas. Aqui, ao contrário, ela cresce aceleradamente.

Negros e analfabetos morrem mais. O Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde analisou os números do governo federal até o dia 18 de maio, a partir de variáveis como idade, raça/cor, escolaridade e IDH do município onde o caso foi notificado. A chance de uma pessoa negra morrer por covid-19 é sempre maior que a de uma pessoa branca em todos os cenários: 55% dos pretos e pardos com a doença morrem, contra 38% dos brancos. Cerca de 71% dos analfabetos morrem, contra 22,5% das pessoas com nível superior. Quando se misturam essas categorias, as discrepâncias ficam ainda maiores: negros analfabetos com covid-19 têm 76% de risco de morrer, enquanto brancos com nível superior têm 19,6%.

Ontem falamos aqui dos 150 enfermeiros mortos no país; entre médicos o número também é alto: 116.

Apesar dos números ruins, estados como Amazonas e São Paulo trabalham pelas suas reaberturas. Neste último, aliás, algo mágico aconteceu. Na semana passada, o coordenador do Centro de Contingência ao Coronavírus, Dimas Covas, disse que “o vírus está vencendo a guerra”. Havia até menções a lockdown e, para evitá-lo, seria preciso chegar a um isolamento de 60%. Isso não aconteceu. Mesmo assim, ontem o governo apresentou uma lista de cidades com capacidade de reabertura gradual, incluindo a capital. Mesmo que nela ocupação das UTIs municipais esteja em mais de 90%.

É DIFERENTE

Usada pelo presidente Jair Bolsonaro como exemplo a ser seguido, a estratégia sueca de combate ao coronavírus não tem sido muito bem vista pela alta mortalidade que o país tem atingido. Por lá, não há quarentenas. Seu principal formulador, o epidemiologista-chefe da Suécia, Anders Tegnell, defende o plano contra todas as críticas. Mas nem ele acha que daria certo no Brasil, por conta da enorme diferença entre os dois países: a Suécia tem menos gente, poucos idosos vivendo com adultos jovens e crianças (mais de metade dos lares são habitados por só uma pessoa), a população sueca tem menos diabetes e obesidade.

Na entrevista à BBC, Tegnell ainda ressaltou que seu país baniu a hidroxicloroquina e a cloroquina em abril, quando especialistas alertaram para os riscos de arritmia cardíaca e morte.

Aliás… Depois da França, Itália e Bélgica também suspenderam o uso desses medicamentos, por questões de segurança. Na Folha, uma reportagem discute como a formação dos médicos brasileiros ainda tem poucas disciplincas com foco na medicina baseada em evidências. Daí o grande entusiasmo dos médicos com essas e outras drogas sem eficácia comprovada.

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