Facebook é convocado pelo Congresso dos EUA para dar explicações sobre Instagram

Tal como fabricantes de cigarros nos anos 90, documentos sigilosos mostram que a empresa sabe que aplicativo afeta saúde mental de adolescentes

Getty Images
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O Instagram é aquele cigarro destinado a deixar os adolescentes viciados cedo, explorando a pressão de popularidade e, em última análise, colocando em risco sua saúde”. Foi assim, comparando o aplicativo do gigante Facebook com a indústria do cigarro, que o legislador democrata Ed Markey interveio em audiência realizada ontem no Senado dos Estados Unidos. A reunião foi convocada depois de o Wall Street Journal publicar, semanas atrás, uma série de reportagens com documentos internos do Facebook. Eles mostram que a empresa tem conhecimento da relação entre seu aplicativo de fotos e vídeos e danos à saúde mental de adolescentes

O caso ganhou ainda mais repercussão porque, justamente agora, o Instagram planejava o lançamento de sua versão kids, destinada a menores de 13 anos. Após a repercussão das denúncias do WSJ, a empresa anunciou uma pausa para “aprimorar” a ideia junto a “pais, especialistas, legisladores e reguladores”, segundo comunicado oficial. 

Ontem, o Senado americano ouviu Antigone Davis, diretor de segurança global do Facebook. Ele repetiu os argumentos que a gigante das redes sociais já vinha apresentando desde o aparecimento das denúncias, reforçados em declaração oficial divulgada na noite anterior à audiência. O objetivo era tentar rebater a acusação, que deu o tom da maioria das perguntas de senadores democratas e republicanos, de que o Facebook atuou conscientemente para priorizar seus lucros em detrimento da saúde dos adolescentes, negligenciando as informações sobre os efeitos negativos da plataforma.

Os senadores reforçaram que, diante do histórico de violações associado ao Facebook e das informações mais recentes, seria muito difícil confiar que a empresa estaria disposta a atuar para garantir a integridade de crianças e adolescentes. Uma das denúncias que mais repercutiu aponta que, em apresentação interna a funcionários, de março de 2020, o Instagram citou uma pesquisa conduzida por sua própria equipe e concluiu: “nós fazemos com que os problemas de imagem corporal sejam mais graves para uma entre três meninas”. Para os senadores, nenhuma atitude tomada desde então foi compatível com um tratamento adequado ao problema, que priorizasse a saúde e bem-estar do público mais jovem.

O diretor do Facebook argumentou que o objetivo dos estudos seria justamente desenvolver ferramentas para aumentar a segurança e “para tornar nossas plataformas melhores, para minimizar o que é ruim e maximizar o que é bom e para identificar proativamente onde podemos melhorar”. Repetindo quase que palavra a palavra os pronunciamentos oficiais, ele reafirmou que “o Facebook está comprometido em criar produtos melhores para os jovens e fazer todo o possível para proteger sua privacidade, segurança e bem-estar em nossas plataformas.”

Outras das informações divulgadas pelo jornal apontam que o Facebook manteria uma espécie de “lista VIP” de celebridades a quem as regras de publicações não seriam aplicadas. Conteúdos questionáveis, sensíveis e que poderiam violar direitos ficariam, assim, livres para circular a partir de contas com dezenas de milhões de seguidores. Além disso, a corporação de mídia reconhece que traficantes de seres humanos usam ativamente a plataforma para praticar crimes e que uma das mudanças de algoritmos implementadas teria alimentado a circulação de postagens controversas, sem que fosse possível limitá-las. 

A chefe de pesquisa do Instagram, Pratiti Raychoudhury, havia minimizado o estudo em declaração dada a um blog no último domingo. Como destaca O Globo, ela afirmou que a pesquisa vazada seria uma pequena amostra, feita com 40 adolescentes, e que os dados não seriam conclusivos. A executiva ressaltou ainda que os dados mostram um “lado bom” da rede: adolescentes teriam relatado que o uso da plataforma auxiliou a sentirem-se melhores em categorias como solidão e ansiedade. 

Como apenas constatar – mais uma vez – a falta de comprometimento das grandes corporações com a saúde e a garantia de direitos das populações mais vulneráveis está longe de resolver o problema, resta saber se alguma medida regulatória será tomada para deter os gigantes das redes sociais. Até agora, os senadores americanos apenas pontuam a necessidade de modernizar a lei que, no país, rege os sites que coletam dados sobre crianças – a chamada Lei de Proteção à Privacidade da Criança na Internet, de 1998.

Na próxima semana, o denunciante que compartilhou os documentos do Facebook com o Wall Street Journal vai testemunhar publicamente no Senado dos EUA. 

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