Como Bolsonaro está envenenando nossa comida
Levantamento aponta: esse é o governo que mais liberou agrotóxicos na história. Em 12 meses, 503 novos venenos — um quinto, extremamente tóxicos. Leia também: no mundo, uma a cada cinco mortes se deve à sepse, grave infecção
Publicado 17/01/2020 às 11:02 - Atualizado 17/01/2020 às 12:23
Por André Antunes e Maíra Mathias
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MUITO VENENO NA MESA
De cada cinco agrotóxicos liberados no Brasil pelo governo Bolsonaro em 2019, um é considerado extremamente tóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cento e dez novos venenos aprovados no ano passado receberam essa classificação – a mais alta da escala que mede o perigo desses produtos para a saúde humana. É o que aponta levantamento publicado no Por Trás do Alimento, parceria entre Agência Pública e Repórter Brasil.
Os números, que já são chocantes, na verdade poderiam ser bem piores. Isso porque, em julho, a Anvisa mudou seu marco regulatório para classificação do risco toxicológico oferecido pelos agrotóxicos, tornando mais difíceis os critérios para um produto ser considerado extremamente tóxico. Resultado: até setembro, sob as regras anteriores, 101 dos 353 venenos liberados pelo governo foram classificados pela Anvisa como extremamente tóxicos, ou 28% do total. Daí em diante, com as novas regras, de 150 agrotóxicos aprovados para comercialização no país, apenas nove receberam essa classificação, ou 9%.
E os agrotóxicos que já estavam sendo comercializados também tiveram sua classificação alterada. Antes das mudanças, 800 dos 2,3 mil produtos liberados no país eram considerados extremamente tóxicos. Agora são apenas 43. O glifosato – herbicida mais consumido do país – foi um dos que teve a classificação de toxicidade reduzida: nenhum produto à base desse ingrediente ativo é hoje considerado extremamente tóxico. Antes, eram 24 os produtos que recebiam essa classificação.
Para piorar, 2019 foi o ano em que mais se aprovou a liberação de agrotóxicos no país: em 12 meses, foram registrados 503 novos produtos, 53 a mais do que no ano anterior. Um recorde, mesmo se for considerado que a primeira liberação, publicada em Diário Oficial no dia 10 de janeiro de 2019, continha produtos liberados ainda no governo Temer, que detinha o recorde de liberações até então, com 450. Essa “honra” é hoje do governo de Jair Bolsonaro.
VITÓRIAS NA JUSTIÇA
Uma comunidade indígena de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, deverá receber R$ 150 mil como indenização por ter sido vítima de aplicação irregular de agrotóxicos. A Justiça condenou um proprietário rural, um piloto de avião e uma empresa a pagarem o valor à comunidade – a primeira a receber indenização por danos morais coletivos no estado, segundo o Ministério Público Federal, que entrou com a ação. O caso aconteceu em 2015, quando sete famílias tiveram seus barracos diretamente aspergidos por agrotóxicos despejados de um avião que sobrevoou a comunidade, atingindo ainda outros barracos construídos junto a uma plantação de milho. O produto provocou dores de cabeça e garganta, diarreia e febre. Uma lei proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a menos de 500 metros de povoações.
Enquanto isso, a Bayer está próxima de chegar a um acordo com mais de 75 mil pessoas que procuraram a Justiça para provar que desenvolveram câncer depois de entrarem em contato com o Roundup, herbicida à base de glifosato fabricado pela multinacional, que é uma das maiores produtoras de agrotóxicos do planeta.
UM EM CADA CINCO
No mundo, uma a cada cinco mortes se devem à septicemia – ou infecção generalizada. O número é o dobro do que se pensava antes e foi revelado ontem, com a divulgação de um estudo feito por pesquisadores dos EUA publicado no Lancet que é notícia em toda a mídia internacional. Os cientistas usaram dados de 2017 processados pelo Instituto de Avaliação e Métricas em Saúde e concluíram que, naquele ano, houve quase 50 milhões de casos de sepse no mundo, que levaram a 11 milhões de óbitos. Para se ter uma ideia do que isso representa, a reportagem do Guardian fez a seguinte comparação: em 2018, o câncer matou 9,6 milhões de pessoas, segundo a OMS.
E os mais vulneráveis são bebês e crianças pequenas de países pobres: mais da metade dos casos de septicemia atingiram essa população, provocando algo em torno de três milhões de óbitos. Os pesquisadores recomendam que os países deem mais foco à prevenção, com programas de vacinação, saneamento e programas de educação para a higiene, e também invistam em medidas de combate à resistência antimicrobiana a medicamentos que afeta, e muito, os desfechos.
QUATRO MORTES
A secretaria estadual de Saúde de Minas confirmou ontem a morte de mais duas pessoas provavelmente intoxicadas pela cerveja Belorizontina, da Backer. São quatro mortes confirmadas até agora. O caso mais recente é o de um homem de 89 anos cuja identidade não foi revelada. Ele estava internado no MaterDei, em Belo Horizonte, com sintomas da síndrome nefroneural, que está sendo ligada pelas autoridades à ingestão da substância dietilenoglicol identificada em lotes da cerveja. Na quarta, morreu Antonio Márcio Quintão de Freitas, 77 anos, que também estava internado no MaterDei. No dia 7 de janeiro, o óbito de Paschoal Dermatini Filho, 55 anos, foi registrado em Juiz de Fora – trata-se do único caso de intoxicação por dietilenoglicol confirmado até o momento. Entre as vítimas está ainda uma mulher de 60 anos, que também não teve sua identidade revelada, e morreu na cidade de Pompéu no dia 28 de dezembro. Ela ingeriu a cerveja durante viagem à BH.
Além do dietilenoglicol, a Polícia Civil de Minas identificou também outra substância tóxica em lotes de cervejas produzidas pela Backer: o monoetilenoglicol. Ambos são produtos utilizados como anticongelantes no processo de fabricação de cervejas. Mas o dietilenoglicol é bem mais tóxico. O G1 detalha a diferença entre as duas substâncias.
E o Ministério da Agricultura informou ontem que identificou a presença das duas substâncias em oito produtos da cervejaria. Além das marcas Belorizontina e Capixaba, foram encontrados traços das substâncias tóxicas nas cervejas Pele Vermelha, Capitão Senra, Fargo 46, Backer Pilsen, Brown e Backer D2. A Polícia Federal realizou uma operação de busca e apreensão em uma empresa que fornecia monoetilenoglicol para a Backer, em Contagem, na região metropolitana de BH.
NA CONTA DA SAÚDE
O Ministério da Saúde vai pagar a conta da campanha publicitária de Damares Alves. Segundo a coluna Painel, da Folha, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está sem caixa para bancar a publicidade sobre abstinência sexual como método contraceptivo. Mas como a área técnica da Saúde é contra, não se sabe que bicho vai sair dessa parceria.
FUNCIONANDO NORMALMENTE?
Na quarta, Bolsonaro recebeu o prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos) no Palácio do Planalto. E optou por fazer um relato da conversa aos repórteres tocando em um ponto bem específico: “Ele diz que a [Rede] Globo, por exemplo, o tempo todo diz que a saúde não funcionava no Rio. E ele comprovou que funcionava, com atendimentos. Ele fala isso para mim, entre outras coisas.” Nesse tom entre o endosso e o disse-me-disse, Bolsonaro pega carona no discurso do prefeito da capital fluminense de fabricação da realidade e culpabilização do mensageiro – que, aliás, é a sua própria estratégia.
De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Bolsonaro foi o responsável por 121 dos 208 ataques contra veículos de comunicação e jornalistas compilados no Brasil no ano passado. Isso representa nada menos do que 58% do total.
Só para não passar em branco, Crivella deixou de investir, nos últimos três anos, mais de R$ 2 bilhões no SUS, remanejando essas verbas para outros fins – irregulares, acusam o Ministério Público e a Defensoria, que fizeram levantamento das contas da Prefeitura. O resultado foi atraso nos pagamentos às organizações sociais que, por sua vez, suspenderam salários de profissionais da saúde instaurando o caos na cidade, que também viu sua atenção básica reduzida pela gestão Crivella.
PRESO
Cesar Romero, ex-subsecretário estadual de saúde do Rio na gestão de Sergio Cabral e delator do esquema de corrupção que aconteceu na Pasta comandada por Sergio Côrtes, foi preso ontem. Ele é acusado de omitir fatos relevantes em sua delação premiada. De acordo com o Estadão, Romero teria feito isso para proteger um empresário alvo da Operação Calvário que investiga desvios de R$ 134 milhões na saúde de outro estado, a Paraíba. A ordem partiu do juiz Marcelo Bretas.
POLÊMICA NA ALEMANHA
Um projeto de lei para ampliar a doação de órgãos vem causando polêmica na Alemanha. Defendido pelo ministro da Saúde, Jens Spahn, o PL quer que os maiores de 16 anos sejam automaticamente considerados doadores de órgãos, caso não tenham rejeitado explicitamente essa opção em vida. Hoje, acontece o inverso: para ser doador, é preciso expressar essa vontade quando vivo. Segundo reportagem do G1, a Alemanha teve, em 2015, uma taxa de 11,2 doações de órgãos para cada um milhão de habitantes – bem aquém da média mundial, de quase 17 doações. E os números vem caindo nos últimos anos.
MAIS CASOS
A doença provocada pelo novo coronavírus que surgiu em Wuhan fez sua segunda vítima fatal na China. E as autoridades da Tailândia reportaram um segundo caso da doença – com esse, já são três casos confirmados fora do território chinês. Mas, até agora, todos os casos são ligados à Wuhan, cidade que é epicentro da enfermidade: ou as pessoas infectadas viviam ou viajaram para lá.
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