Como Trump planeja devastar a Saúde

Corte de US$ 1 trilhão para os mais pobres e drástica redução de verbas para a OMS. Muro na fronteira com México e indústria bélica serão prioridades. Leia também: Coronavírus pode afetar produção mundial de medicamentos

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Por Raquel Torres

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O QUE TRUMP QUER CORTAR

O governo Trump anunciou esta semana sua proposta de orçamento para 2021, de US$ 4,8 trilhões. É um valor recorde e as prioridades não poderiam ser mais óbvias. Há um adicional de US$ 2 bilhões para a construção do muro na fronteira com o México, além de verba extra para financiar o desenvolvimento de armas de última geração. Há também aumento de alguns gastos com a NASA e verba para construir um sistema de internet  teoricamente impossível de invadir. Por outro lado, é claro que há muitos cortes – em áreas sociais.

Os mais profundos são na Agência de Proteção Ambiental, que teria uma redução de nada menos que 26% no seu financiamento, com a eliminação de 50 programas. Segundo a proposta, o subsídio federal para empréstimos estudantis seria eliminado; o Departamento de Educação perderia 7,8% de suas verbas; haveria ainda cortes nos benefícios destinados a deficientes. O orçamento também estabelece várias mudanças no Medicaid, reduzindo os gastos em assistência médica para pessoas pobres e incapacitadas. Só do Medicaid e dos subsídios previstos no Obamacare, seria retirado US$ 1 trilhão. Já no Medicare – que o presidente prometeu manter intacto – foram incluídas propostas para afinar o programa e retirar o que o documento chama de “desperdício”.

O Centro de Controle de Doenças deve perder 16% do seu orçamento. Além disso, a proposta prevê uma redução geral de 10% no financiamento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, que tem programas diretamente relacionados a surtos e epidemias.

“No momento, nos EUA, os hospitais já estão inundados pela gripe [que é um problema grave por lá] e estão com seus suprimentos de equipamentos de proteção contados. Os cortes no programa de Doenças Infecciosas Emergentes prejudicariam ainda mais a capacidade do CDC [ Centro de Controle de Doenças] de fazer pesquisas sobre doenças como o coronavírus e de reunir as informações científicas que lhe permitem se preparar para surtos como este.”, diz a matéria do site The Verge.

Trump ainda vai cortar a verba para as Nações Unidas, afetando diretamente a OMS: os EUA contribuem hoje com 2,5% do orçamento geral da Organização, de cerca de US$ 4,8 bilhões. Trump quer tirar US$ 65 milhões, o que reduziria a contribuição do país em mais de 40%.

Especialistas avaliam, contudo, que o orçamento proposto não vai passar na Câmara dos Deputados, atualmente controlada pelos democratas. Aliás, o “orçamento de Robin Hood às avessas de Trump deve ser um presente para os democratas“, avalia John Cassity, em coluna na New Yorker.

CHEGANDO PERTO

A entidade missionária Jocum (Jovens com uma Missão), de origem nos EUA, já foi expulsa do território suruwahá – povo recém- contatado da Amazônia – por praticar atividades proselitistas e discriminatórias.  Pois esta semana duas indígenas ligadas à Jocum vão participar de uma viagem organizada pelo governo federal a esse mesmo território. A iniciativa é da Ministra Damares Alves e da Sesai; a BBC obteve documentos documentos sobre os preparativos para a viagem indicando que o objetivo é sanar uma “crise de saúde mental”, devido a cinco suicídios recentes no grupo. As duas indígenas envolvidas, Muwaji e Inikiru, vão atuar como intérpretes. E elas foram retiradas da aldeia justamente por um casal de missionários da Jucum há quase 15 anos, sem qualquer autorização da Funai ou da Funasa.

Aliás, hoje cerca de 50 lideranças indígenas dos povos Guarani, Guarani Mbya, Ava Guarani, Kaingang e Xokleng vão marchar em Brasília contra o PL de do governo que que autoriza a abertura de terras indígenas para mineração, garimpo, hidrelétricas, agronegócio e exploração de petróleo e gás natural.

CORONAVÍRUS

Agora a doença respiratória causada pelo coronavírus tem um nome oficial: Covid-19. Ele substitui o de 2019-nCoV, que era provisório.

Por aqui, saíram os resultados dos exames dos 34 brasileiros que estavam na China e foram repatriados, mais dos 24 profissionais envolvidos na operação de regresso. Deu negativo para todos. O Ministério da Saúde não respondeu se isso vai abreviar o período de quarentena, previsto para 18 dias. O país segue sem registros de novos casos e, segundo boletim de ontem da Pasta, há atualmente oito em investigação. 

Desde ontem cerca de 300 cientistas do mundo todo estão reunidos na sede da OMS em Genebra para definir pesquisas prioritárias. A expectativa é de que uma primeira vacina só esteja pronta em 18 meses.

Ao mesmo tempo, o National Institutes of Health (órgão público de pesquisa dos EUA) vem trabalhando em uma vacina – mas, até agora, nenhuma grande  farmacêutica apareceu demonstrando interesse em fabricá-la. Uma realidade “muito difícil e muito frustrante”, nas palavras do diretor do National Instituto of Allergy and Infectious Diseases, Anthony Fauci. De acordo com ele, a produção depende de que uma grande empresa chegue junto na fabricação, já que nenhum dos parceiros que estão financiando a pesquisa tem instalações para isso. Segundo a reportagem do Stat, essas empresas privadas não querem correr o risco de produzir algo e a crise de saúde passar, deixando produtos sem mercado.

MAIS UMA PREOCUPAÇÃO

Por falar nisso, há uma outra potencial crise relacionada ao coronavírus, mas não diretamente: a dependência global de certos produtos e insumos farmacêuticos fabricados na China. No site  The Conversation, quatro especialistas em pandemias da Universidade do Texas falam sobre isso e afirmam que a China é, às vezes, o único fornecedor de ingredientes ativos de certos medicamentos vitais. Nos EUA, 80% dos produtos farmacêuticos vendidos são produzidos na China, desde aventais cirúrgicos até equipamentos de ressonância magnética. “Quando uma doença atinge níveis epidêmicos, a primeira obrigação dos líderes em qualquer país é proteger seu próprio povo. À medida que a atual crise progride, pode chegar um momento em que os líderes políticos na China enfrentarão decisões sobre proibir a exportação de produtos farmacêuticos, dispositivos médicos e outros componentes médicos vitais para tratar ou proteger seu próprio povo. Tais atos seriam o resultado lógico de uma situação crescente”, escrevem eles, narrando que foi o que aconteceu em 2009, na época da pandemia de H1N1.

Os autores informam ainda que Wuhan, onde várias fábricas estão fechadas, tem várias empresas de farmacêuticas e é um polo importante na indústria de biotecnologia. “Embora uma perda total das importações de ingredientes ativos da China possa parecer exagerada, acreditamos que a escala crescente do surto a aproxima do reino das possibilidades”, alertam.

SUPER-RICOS

Segundo a colunista Monica Bergamo, da Folha, o governo aceitou conversar sobre a taxação de multimilionários: ontem, técnicos da Casa Civil e do Ministério da Economia se reuniram com os deputados Marcelo Ramos (PL-AP) e Camilo Capiberibe (PSB-AP) e com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Os parlamentares querem a taxação de fundos fechados (é onde os multimilionários investem, e eles só pagam imposto quando resgatam o dinheiro); com a arrecadação, estimada em R$ 10,7 bilhões, propõem financiar o 13º do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada. A jornalista diz que os técnicos do governo até que não se opuseram à cobrança das taxas. Mas quanto ao 13º… não gostam da ideia. De todo modo, o Minsitério da Economia quer deixar a discussão no âmbito da reforma tributária.

RECUOU

O governo agora defende uma versão mais “suave” daquela proposta de flexibilizar regras para importações de medicamentos sem registro no Brasil para uso no SUS. A intenção inicial era permitir essa importação sem a necessidade do aval da Anvisa. De acordo com o Estadão, “a nova leitura do governo é que a sugestão em debate abre brechas para que, em alguns casos, seja dispensada a análise de segurança e qualidade do medicamento”, quando a ideia era apenas liberar o caminho para importações em situações “excepcionais”. Mas a reportagem afirma que a mudança só aconteceu depois de uma pressão da indústria farmacêutica: no dia 6, Mandetta recebeu uma nota técnica de representantes das empresas pedindo um debate menos apressado sobre isso, alertando que haveria risco para a saúde de pacientes e desestímulo à indústria nacional.

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