Quando a informatização da Saúde leva ao caos

Nos EUA, investimento de US$ 36 bi, para unificar prontuários dos pacientes, foi perdido – em especial devido à privatização e desuniformidade dos serviços. Leia também: Chile combate a comida-trash; os negros não sofrem de Down? – e muito mais

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O ENGODO DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO

A demanda aqui no Brasil é antiga, e o prontuário eletrônico estava, como um carimbo, nos planos de governo de quase todos os candidatos à presidência nas últimas eleições. É, aliás, algo tido pelo ministro Luiz Henrique Mandetta como uma de suas prioridades. Bom, nos EUA, dez anos atrás, alegou-se que a informatização dos prontuários traria economia, segurança e tornaria a assistência mais seguras. Pesquisadores poderiam usar dados para descobrir novos e melhores tratamentos. Pacientes poderiam levar seu histórico médico a qualquer parte. Em suma, seria bom para todo mundo. Hoje, a implantação disso chegou a praticamente todo o país. Porém… algo deu errado, como mostra a ótima reportagem investigativa, produzida em conjunto durante meses por jornalistas do Kaiser Health News e da Fortune, e publicada por esta última*. Foram feitas mais de 100 entrevistas com médicos, pacientes, pesquisadores em tecnologia, especialistas em políticas públicas, representantes de empresas e da administração pública. A conclusão é que, depois de o governo colocar US$ 36 bilhões em empresas privadas (e continuar colocando), tem-se uma “bagunça profana”.

Bagunça que gera mortes, ferimentos graves e acidentes. Milhares. As caras tecnologias não funcionam tão bem quanto o prometido. Têm interfaces ruins que acabam convidando ao erro médico. Há sistemas eletrônicos espalhados como uma colcha de retalhos pelo país, desconectados. Um bug atrás do outro, erros nos registros de medicamentos e nos resultados de laboratórios e códigos de exames e remédios errados. Ao mesmo tempo, políticas de sigilo mantêm os erros fora das vistas do público. Só quem sai fortalecida é a indústria que vende toda essa tecnologia – e está lucrando US$ 13 bilhões por ano. 

AGROTÓXICOS E AUTISMO

Há muito  se pesquisa a relação entre agrotóxicos e problemas no neurodesenvolvimento; ao mesmo tempo, o Transtorno de Espectro Autista é ainda uma das coisas mais misteriosas da medicina, e não se sabe ao certo tudo que o determina. Mas nesta quarta foi divulgada uma pesquisa com conclusões bem impressionantes. O British Medical Journal publicou os resultados (e um editorial falando disso) sobre um enorme estudo que analisou registros de quase 40 mil pessoas em uma região agrícola da Califórnia, observando o nível de pulverizações de veneno perto da casa de suas mães na época da gravidez. Quando as gestantes viviam a menos de dois quilômetros de uma área muito pulverizada, seus filhos tiveram entre 10% e 16% mais diagnósticos do Transtorno. Já crianças expostas durante o primeiro ano de vida tiveram até 50% mais diagnósticos. Foram analisados 11 venenos. Entre eles, o famoso glifosato e ainda o malation, que por aqui é também usado para o controle do Aedes Aegypti em áreas urbanas. O artigo foi resumido pela nossa editora Raquel Torres no link acima, e a íntegra está aqui

PRISÕES E AÇÕES

Causou furor – e mil teorias, e piadas – a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer ontem, após delação premiada. Moreira Franco, que muitos desejavam ver preso há décadas, também foi levado. A denúncia sobre uma propina de R$ 1 milhão veio no âmbito da Lava-Jato, em uma delação premiada.

E o deputado Ricardo Barros, ex-ministro de Saúde de Temer, se tornou alvo de uma ação por improbidade administrativa. Veio tarde: oito anos depois das investigações sobre quando ele era prefeito de Maringá (PR). A acusação é que ele interferiu em uma licitação de R$ 7,5 milhões para a contratação de uma empresa de publicidade, e recai também sobre o ex-secretário de saneamento,Leopoldo Fiévski. Barros diz que a ação foi movida por que o Ministério Público está reagindo às críticas que ele faz aos seus privilégios. 

TEVE DE DAR

Enquanto Michel Temer era preso, Jair Bolsonaro ia para uma visita oficial ao Chile, onde deve participar da Cúpula sobre Integração Sul-Americana. O ministro da casa civil. Onyx Lorenzoni, aproveitou para elogiar Pinochet. “No período de [Augusto] Pinochet, o Chile teve de dar um banho de sangue. Triste, o sangue lavou as ruas do Chile, mas as bases macroeconômicas fixadas naquele governo…já passaram oito governos de esquerda e nenhum mexeu nas bases macroeconômicas colocadas no Chile no governo Pinochet”, disse à Rádio Gaúcha. 

BONS EXEMPLOS ALI

Vem do Chile um exemplo que não é lá muito a cara deste governo. Já comentamos algumas vezes sobre como o país combate a venda de alimentos açucarados e porcarias em geral, e a Folha traduziu uma matéria do Financial Times sobre como as mudanças estão interessando outras nações. O governo introduziu um imposto de 18% sobre bebidas açucaradas e, não bastasse isso, começou a combater pesado o marketing voltado para crianças, limitando desenhos infantis nas embalagens e a venda de comida não saudável nas escolas, restringindo a publicidade na TV, proibindo brinquedos promocionais (tipo Mc Lanche Feliz e Kinder Ovo) e colocando advertências em produtos muito calóricos, com altos teores de sal, açúcar ou gordura – uma mudança de rotulagem que está em discussão há tempos no Brasil, e que tem se mostrado uma briga difícil de vencer. Todas as estatísticas mostram que está funcionando demais para melhorar a saúde da população. 

Segundo a reportagem, o aumento de impostos para alimentos não saudáveis está aparecendo em países como Reino Unido, Hungria, México e Tailândia, e os governos do Peru, Uruguai e Canadá demonstraram interesse na experiência chilena. Além disso, saiu no mês passado um relatório no qual dezenas de especialistas em nutrição do mundo todo apelam por um tratado mundial para regulamentar essas comidas, redirecionar os subsídios hoje dados à produção de carne e milho, e aumentar impostos. 

AS FILANTRÓPICAS

Apesar de todas as críticas, vem com tudo a nova Política de Saúde Mental – que, precisamos lembrar, não é invenção da gestão Bolsonaro (veja aquiaquiaqui). O ministro da Cidadania, Osmar Terra, anunciou na quarta uma medida provisória para “regular definitivamente” as comunidades terapêuticas, instituições privadas que o governo quer priorizar no atendimento a usuários de drogas “Isso [a negociação] só foi possível pelo trabalho da Confederação de Comunidades Terapêuticas e pelo fato de o governo Bolsonaro estar decidido a enfrentar a questão das drogas”, elogiou Terra, que foi ministro do Desenvolvimento Social e Agrário de Temer e foi o grande articulador das mudanças na politica de drogas.

E a Frente Parlamentar que apoia entidades filantrópicas quer garantir mais dinheiro para as Santas Casas: mais recursos públicos e refinanciamento das dívidas.

COMUNITÁRIOS

No ano passado, acompanhamos os movimentos dos agentes comunitários de saúde até a aprovação do reajuste do seu piso salarial, que estava congelado havia quatro anos. A Confederação Nacional de Municípios se opôs desde o início, e no dia 13 ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Beatriz Mota, da Escola Politécnica da Fiocruz entrevistou Luiz Cláudio Celestino, presidente de uma das organizações que representam esses profissionais, a Fenasce. Ele diz que o reajuste deve ser só uma das preocupações da categoria: “A EC da morte [o Teto dos Gastos] prejudica os investimentos na saúde e, consequentemente, a ação profissional dos agentes (…) A previdência que está aí pra ser apresentada também prejudica todos nós, ninguém está imune. Enquanto isso, a maioria dos ACE e ACS [agentes de combate a endemias e comunitários de saúde] do país acha que somente brigar pelo piso é importante“.

FICAM PARA TRÁS

Ontem foi o Dia Internacional da Síndrome de Down e o destaque aqui vai para esta reportagem do Estadão sobre uma questão pouco falada. Quantas fotos de pessoas negras com a síndrome você já viu em campanhas ou na imprensa? Provavelmente nenhuma. Entre as primeiras imagens que aparecem na busca do Google só aparecem dois negros, e entre os primeiros vídeos no YouTube, só um. Daí que muita gente acha que a síndrome só afeta brancos. Mentira, porque ela não tem relação nenhuma com a cor da pele. A matéria discute os motivos e as consequências disso. E entrevista Evanira Aparecida, mãe de um menino negro que atua fortemente na defesa dos seus direitos desde que ele nasceu, já foi conselheira de saúde, já participou de fóruns internacionais, e nunca foi chamada pras campanhas de inclusão. “Ele não tem o rosto que as pessoas querem ver”, afirma ela, comentando também que, como a família não é rica, o acesso a tratamentos e atividades adequadas é muito mais complicado. O lema da data este ano é “Ninguém fica para trás”. Com razão, Evanira não acha que seja assim na vida real.

POR UM TRIZ

Alguns dos principais rios brasileiros estão, segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica, por um triz. Análises da qualidade da água feitas no último ano mostram que 74,5% dos pontos monitorados estão com qualidade precária, no limite para uso em abastecimento humano, irrigação, pesca e lazer. E 19% estão em rios poluídos, com qualidade ruim e péssima. Só 6,5% têm qualidade boa. Em tempo: hoje é Dia Mundial da Água. 

Vão ficar em consulta pública, entre 5 e 11 de abril, as propostas de mudanças na legislação sobre a segurança em barragens, em pauta em uma comissão externa da Câmara dos Deputados. 

E a Vale assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o MP de Minas para garantir o abastecimento de água em Pará de Minas. 

COM FINS LUCRATIVOS

O município do Rio, onde 53% da rede de saúde já é administradas por OSs, a prefeitura abriu ontem processos seletivos para 18 novos contratos de gestão de clínicas e hospitais. A novidade? Agora eles estão abertos à participação de entidades com fins explicitamente lucrativos. Segundo a matéria do Globo, a Secretaria de Saúde prevê gastar R$ 2 bilhões por ano com os serviços. 

AQUI É BOLSONARO

A Gênero e Número produziu uma pesquisa sobre violência contra a população LGBT no contexto eleitoral e pós-eleitoral, a partir da aplicação de questionários a 400 pessoas em três capitais (Rio, Salvador e São Paulo). Mais de 50% deles disseram ter sofrido ao menos uma agressão no segundo semestre do ano passado e 87% souberam de violências cometidas contra pessoas próximas no mesmo período. A violência verbal é a mais comum (presente em 94% dos relatos), mas violência física também esteve em 13% deles. Além disso, 36% dos entrevistados relataram ter sofrido perseguição, ameaça ou agressões nas redes sociais por causa da orientação sexual ou identidade de gênero. 

AZUIS X VERDES

Mais uma vez, mulheres na Argentina se unem para tentar aprovar uma Lei de Aborto. Recomeçaram as manifestações com os paninhos verdes que se tornaram símbolo da luta pela legalização. E a reação também: mais de 140 cidades vão ter atos, em geral marcados pelo azul-celeste da bandeira nacional, a favor “da vida da criança por nascer e da mãe que o leva no ventre”.

JOÃO DE DEUS INTERNADO

O médium João de Deus vai deixar a penitenciária e ser internado por quatro semanas para tratar um aneurisma. Para o réu que era curador espiritual, o tratamento vai ser em hospital mesmo.

MAIS UM FALSO MÉDICO

Um homem que aplicava silicone industrial em pacientes, Patrick Galvão Matos Ferreira, foi preso ontem em Guarulhos (SP). Uma de suas vítimas ficou em coma, outra terá que amputar a perna. 

FECHAR O CERCO

No projeto de lei que o Ministério quer enviar ao Congresso para melhorar a cobertura vacinal, além da exigência da carteirinha de vacinação nas escolas e no ingresso ao serviço militar, deve constar que entrevistas de admissão ou demissão de empregados passem a analisar também este quesito. 

E no podcastCafé da Manhã, da Folha, a repórter Natália Cancian fala sobre a queda da cobertura e a volta do sarampo.

VÃO AUMENTAR

Os preços dos medicamentos podem ser reajustados em até 4,33% a partir do dia 31, segundo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos. A inflação de 2018 fechou em 3,75%.

DERROTA

Mais um remédio contra a doença de Alzheimer se mostrou ineficiente, e cientistas se perguntam o que fazer. 

ACIDENTE

Uma explosão em uma fábrica chinesa matou 47 pessoas. 

*Na edição desta newsletter enviada por e-mail, escrevemos que a reportagem havia sido publicada no Financial Times. Erramos.

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