DataSUS pode ter menos da metade do orçamento, em 2023

• Corte de Bolsonaro no DataSUS, o perigo aos dados de brasileiros e o desmonte como projeto • O desfinanciamento dos Consultórios de Rua • Procedimento defasado para aborto no SUS e os reflexos do patriarcado • As baixas taxas de vacinação contra HPV •

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DataSUS pode ter menos da metade do orçamento, em 2023

Aos poucos, vão aparecendo os alvos específicos nos cortes no ministério da Saúde feitos pelo governo Bolsonaro, na proposta de Orçamento para 2023. Está previsto, para o DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), orçamento 58% menor, em relação a 2022. O órgão gerencia os sistemas de informática do SUS, onde são processadas informações de saúde dos brasileiros. As filas para consultas e procedimentos e as informações sobre doenças passam por ele. Os dados de saúde, considerados muito sensíveis, estão armazenados nos sistemas do DataSUS. O orçamento previsto para um órgão de tamanha importância, em 2023? R$ 140,2 milhões. Em 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro, o departamento dispunha de R$ 512 milhões.

Ataques hacker e segurança de dados

O corte causa calafrios em especialistas de segurança digital. E não é para menos: entre o final de 2021 e os primeiros meses de 2022, diversos ataques cibernéticos derrubaram sistemas e aplicativos como o ConecteSUS, o e-SUS Notifica e o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI). A plataforma que contabiliza dados da pandemia de covid ficou fora do ar ou instável por mais de 30 dias entre dezembro e janeiro. Pouco depois, em fevereiro, mais uma invasão e um alerta do hacker que a orquestrou: “continua uma bosta”. Ele vazou alguns documentos de cidadãos, com as informações rasuradas, para mostrar como os sistemas ainda estavam desprotegidos. Em maio, aconteceu a última tentativa de invasão de que se tem notícia.

Cortes na saúde digital: descaso ou projeto?

Mas o problema não se restringe à segurança. Na terça-feira, Outra Saúde publicou e ajudou a divulgar uma carta aberta contra um obscuro projeto do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga: o Open Health. Ele idealiza um sistema através do qual os dados de saúde de todos os brasileiros possam ser acessados pelo conjunto dos entes que atuam na Saúde – públicos ou privados. Mas seu interesse está justamente em dar grande poder às empresas para enriquecer seus bancos de dados e categorizar consumidores. O corte do governo Bolsonaro no DataSUS é mais uma prova de que não há interesse em organizar os dados dos brasileiros para seu benefício ou do SUS – mas sim abrir espaço para que o setor privado tome conta da saúde digital. Especialistas ouvidos por reportagem da Folha concordam que “o corte sinaliza desinteresse do governo em tornar o departamento protagonista do debate sobre a estratégia de saúde digital”.

Política do SUS para atender população de rua também sofreu cortes

Outro programa vítima de cortes sucessivos desde o início do governo Bolsonaro – mesmo com orçamento já bastante baixo – é o Consultório na Rua. Criado em 2012, durante o mandato de Dilma Rousseff, dentro da Política Nacional de Atenção Primária, visa ampliar o acesso da população de rua aos serviços de saúde. As equipes do Consultório de Rua são preparadas para receber a população vulnerável que vive desabrigada nas grandes cidades – pessoas que, por falta de documentação, de condições materiais ou mesmo por se sentirem socialmente inferiorizadas, acabam não acessando as unidades de saúde. Um estudo feito pelo Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e pelo Instituto Cactus, divulgado pela BBC Brasil, analisou a verba destinada às equipes do Consultório de Rua, ano a ano. Em 2019, o investimento foi de R$ 580 milhões. Já no ano passado, caiu 15%, descendo a R$490 milhões. O número de pessoas que vivem na rua, no Brasil, cresce a olhos vistos, embora haja poucos dados para compreendê-la. Segundo estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2015 e 2020 a população mais que dobrou, de 102 mil para 222 mil cidadãos.

Brasil faz abortos com cirurgia não recomendada pela OMS

Mesmo nos poucos casos em que a interrupção de gravidez é autorizada por lei e feita pelo SUS, falta segurança e cuidado com as mulheres. Mas o problema vai além, e envolve mulheres que sofrem abortamento por outros motivos. O procedimento feito em 90% dos casos é a curetagem, prática que a OMS considera defasada há pelo menos dez anos, a não ser em casos de exceção. Entre os riscos que ela traz, estão perfuração uterina, hemorragia, infecção e morte. Quase 500 mulheres faleceram, nos últimos dez anos, ao passar pela cirurgia, entre as 2 milhões que realizaram curetagem. 

Por que submetemos tantas mulheres à curetagem?

A OMS recomenda substituir o procedimento pela aspiração manual intrauterina (AMIU) ou pelo uso de medicamentos abortivos, como o misoprostol – droga eficaz e segura, que tem efeitos colaterais raros e leves. Além de trazerem menos risco às mulheres, esses métodos também são mais baratos. Em entrevista ao Universa UOL, Cristião Rosas, líder brasileiro da Rede de Médicos pelo Direito de Decidir, enfatiza o “crime sanitário” que é o Brasil não ter dado um basta à curetagem ainda. “Essas mulheres sequer deveriam estar internadas pra tratar um aborto incompleto. É um gasto público desnecessário e fora das melhores práticas”, afirma. A OMS, hoje, recomenda que o procedimento pode ser feito por telemedicina, com a indicação do misoprostol para uso caseiro. Mas, no Brasil, o uso do medicamento ainda é restrito aos hospitais…

Vacinação contra HPV, também aquém do necessário

Câncer de colo de útero está entre os com maior incidência entre as mulheres no Brasil. Há uma maneira simples e gratuita de evitá-lo: a vacina contra o HPV, infecção sexualmente transmissível. O imunizante, destinado a crianças e adolescentes até 15 anos, diminui em até 70% o risco do câncer e está disponível gratuitamente em todos os postos de saúde. Para que funcione corretamente, é preciso que o ciclo vacinal – de duas ou de três doses – seja completo. Mas a vacinação está muito abaixo do necessário, no país, como tantas outras. Uma matéria da Agência Brasil informa que, no estado do Rio de Janeiro, entre as meninas a cobertura está em 54,8% para a primeira dose e 33,3% para o esquema completo. Entre os garotos, a situação é ainda pior: 22,4% e 14%, respectivamente.

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