A cruzada antiaborto, made in USA

Organizações norte-americanas mandam dinheiro e pessoal para apoiar leis restritivas em mais de cem países. Leia também: genes podem fazer a pílula falhar; Itália fecha cerco contra antivacinação; e muito mais

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CRUZADA ANTIABORTO

Em 2004, uma jovem mexicana foi condenada a 30 anos de prisão por um aborto ilegal. A moça não sabia que estava grávida, passou mal na faculdade e foi levada ao hospital. O médico não acreditou nela e disse sentir que era seu dever moral denunciá-la. “Matou seu bebê ainda não nascido”, escreveu no formulário hospitalar. O México é um dos países mais conservadores em relação ao aborto – embora na capital ele seja permitido e realizado em hospitais públicos, no resto do país só o é em caso de estupro – e Suzana Rocha teve ‘sorte’ porque sua defesa conseguiu demonstrar a falta de provas e reverter a decisão. Mas não sem que antes ela passasse sete anos na cadeia. A partir dessa história, a matéria da CNN conta como organizações dos Estados Unidos enviam milhões de dólares para apoiar os esforços antiaborto em países onde as leis são mais severas.

A Human Life International, por exemplo, mandou quase 8 milhões de dólares entre o ano 2000 e 2014, e a organização faz viagens missionais a cerca de 100 países. “Nosso trabalho é diversificado, mas se concentra em treinamento pró-vida e adaptado às necessidades da região”, diz uma diretora. Na América Latina, a HLI apoiou financeiramente a criação de pelo menos 160 centros antiaborto. Entre as atividades apoiadas está, é claro, o lobby para forçar a manutenção de leis restritivas. Mas há também organização de conferências, protestos e ativismo nas redes sociais. Fora as táticas mais diretas de intimidação: identificam mulheres que podem ter passado pelo procedimento e publicam seus nomes e endereços na internet. 

Grupos dos EUA também ajudaram a financiar o lobby na Irlanda e estão por trás da campanha 40 dias pela vida em países como o Quênia e o Brasil. E a HLI também está hoje presente nas Filipinas (onde o procedimento é ilegal em qualquer circunstância).

AINDA A CARTILHA

O governo segue tentando justificar a fala desastrosa de Bolsonaro sobre a Cartilha da Saúde do Adolescente. Agora, o ministro da Saúde, Mandetta, anunciou a intenção de fazer um novo modelo separado por faixas etárias. “O que vimos é que ficou uma linguagem única, e a adolescência é um período muito vasto. O início da adolescência não é uma data matemática. Há meninas de dez anos já com menarca e meninas de 14 anos que ainda estão terminando sua infância”, disse ele. O livreto criticado é voltado para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos; a nova ideia é ter dois grupos: de 10 a 14 anos e de 14 a 18. 

SEM CULPA

Quando uma mulher engravida tomando pílula, a gente logo imagina que ela deve ter feito algo errado. Não é bem assim. Um estudo publicado ontem na Obstetrics & Gynecology indica que algumas mulheres podem herdar genes que fazem os hormônios dos anticoncepcionais serem metabolizados mais rapidamente, de modo que o nível deles fica baixo demais para prevenir a gravidez. A pesquisa foi feita  com um anticoncepcional hormonal injetável, de longa duração – era mais fácil garantir que não haveria erros na administração – mas a ideia é repeti-lo com a pílula. 

BARRADO

No mês passado o deputado federal Daniel Silveira (PSL) chocou muita gente ao apresentar um projeto de lei para tornar compulsória a doação de órgãos por parte de suspeitos mortos em confrontos com a polícia. A Mesa Diretora da Câmara o rejeito e devolveu ao parlamentar, por considerá-lo inconstitucional. Silveira não desistiu, porém. Vai “analisar o texto e modificar no que tiver que ser modificado”, segundo o Uol.

OVERDOSE… EM CRIANÇAS

A crise dos opiáceos segue sem perspectiva de fim nos EUA, e agora o estado do Alabama veio com um projeto para contornar overdoses em crianças. O tratamento – com medicação e desfibriladores – está sendo incluída nos kits de emergência escolares, e professores e outros profissionais vão receber treinamento para administrá-lo. “Os tempos mudaram. As crianças estão tirando coisas dos armários de seus pais. Elas não precisam sair na rua e não sabem o que estão fazendo”, disse à BBC um supervisor de enfermagem escolar. 

QUASE MORTE – E UM GRANDE PREJUÍZO

Um menino de seis anos brincava na fazenda quando cortou a testa. Nada demais. Só que ele não tinha sido vacinado… seis dias depois, não conseguia respirar e tinha espasmos musculares. Era tétano: o primeiro caso documentado da doença em 30 anos nos EUA. A história aconteceu em 2017, mas veio a público agora a partir de um relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças do país.  A criança ficou em estado grave, passou 57 dias internado e as contas passaram de US$ 800 mil. Mas a posição dos pais sobre vacinação não mudou – ao fim do tratamento, os médicos explicaram à família que pegar tétano não deixa a pessoa imune, que portanto havia chances de reincidência e era recomendado vacinar o garoto. Os pais recusaram. 

Estamos acompanhando há tempos os problemas desse tipo de recusa – a epidemia de sarampo em alguns países é o mais gritante – e tornar a vacinação obrigatória tem sido um debate recorrente. Agora, na Itália, crianças não vacinadas não devem mais ir à escola. A multa para os pais que mandem seus filhos assim mesmo pode chegar a 560 euros. 

PROPINAS DA CRUZ VERMELHA

Um ex-assessor do governo da Paraíba, Leandro Azevedo, afirmou em depoimento ter recebido R$ 900 mil em propinas da Cruz Vermelha em nome da secretária de Administração. Azevedo está preso desde fevereiro pela Operação Calvário II, que investiga repasses para contratos de Saúde no estado.

MATA MAIS

Uma pesquisa publicada ontem no European Heart Journal afirma que a poluição matou 8.8 milhões de pessoas em 2015, enquanto sete milhões que morrem anualmente devido ao cigarro.

POR QUE NÃO PESQUISAR?

Na semana passada, um subcomitê do Congresso dos EUA fez uma audiência para entender como anda o estado da pesquisa sobre violência armada no país. E a conclusão é que pouco se pesquisa: há décadas não há um programa federal abrangente sobre isso. O caso é tema do editorial da  Bloomberg, conhecida pelas reportagens sobre o mercado financeiro. “Qualquer outro problema de saúde pública que causasse tanta morte, ferimentos e traumas seria um foco de intensa pesquisa governamental. Mas há anos, os legisladores escravizados pelo lobby das armas lutam para manter os pesquisadores – e os eleitores – no escuro”, diz o texto. 

MARIELLE

Está difícil desgrudar do noticiário sobre o assassinato da vereadora e novas informações pipocam o tempo todo. O que não significa necessariamente que a polícia está perto de descobrir os mandantes do crime… Ainda mais depois que o delegado Giniton Lages sugeriu, em coletiva de imprensa, que Ronie Lessa, suspeito pelo assassinato (e matador de aluguel, como já se apurou) poderia ter agido por conta própria, num verdadeiro “crime de ódio”, porque “você percebe ódio, percebe um comportamento de alguém capaz de resolver uma diferença da forma como foi no caso Marielle”. Segundo ele, a identificação dos mandantes está em aberto para uma segunda fase do inquérito. 

Ao mesmo tempo, o governador Wilson Witzel afirmou que o crime foi elucidado, mesmo sem que se conheçam os motivos e os mandantes. “É uma resposta importante que nós estamos dando para a sociedade: a elucidação de um crime bárbaro cometido contra uma parlamentar, uma mulher, no exercício de sua atividade democrática. Teve sua vida ceifada de forma inaceitável”. Durante a campanha eleitoral, ele animou uma pequena multidão no interior do estado ao lado dos então candidatos a vereador e deputado estadual que quebraram e exibiram a famosa placa em homenagem à Marielle, enquanto prometiam “varrer” militantes de esquerda. Segundo Witzel, os acusados pelo crime vão ser convidados a fazer delação premiada. 

Já Bolsonaro, em coletiva de imprensa…: “também tô interessado em saber quem mandou me matar” 

No fim da tarde, a polícia civil encontrou 117 fuzis M-16 incompletos na casa de um amigo de Ronie Lessa. Foi a maior apreensão de fuzis da história do Rio – e, vejam só, nenhum tiro foi disparado para isso.

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