Quem lucra com os massacres em massa

Nos EUA, segurança privada conseguiu financiamento multimilionário para vigilância e “prevenção”. Já os sobreviventes pedem controle de armamentos. Leia também: a pressão para medicar quem não está doente; a indústria do tabaco viciou crianças em suco em pó; e muito mais

Nova Zelândia, onde mais de 40 morreram após ataque de um racista branco
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QUEM LUCRA COM OS ATAQUES

Depois dos assassinatos em Suzano, aumentam as discussões no Brasil sobre o que fazer para garantir a segurança nas escolas. Nos EUA, o debate existe desde o massacre em Columbine, há 20 anos. Desde então, mais de 200 mil jovens já foram expostos à violência armada dentro dos colégios, e o ano passado foi o pior, com 94 tiroteios dentro de colégios. Câmeras de segurança em 3D, detectores de metal portáteis, escudos dobráveis, sistema inteligente de vigilância e monitoramento, enfim, toda uma cara parafernalha tecnológica começa a fazer parte do dia a dia em alguns estados. O lobby das empresas de segurança junto ao Congresso cresce junto com os ataques e, em 2018, os parlamentares aprovaram que o governo destine um fundo anual milionário para gastar nesse tipo de coisa durante a próxima década. E tem ainda o armamento de trabalhadores da educação nas escolas, já liberado em oito estados. 

Mas o que os alunos sobreviventes defendem é outra coisa: maior controle de armas. Alguns se organizaram em movimentos, e o March for Our Lives (Marche por Nossas Vidas) é o mais organizado deles. Já conseguiram avanços na Flórida. 

Em tempo: o massacre em duas mesquitas na Nova Zelândia, na sexta-feira, chocou o mundo todo. O suspeito tinha uma visão de mundo extremista, com pensamentos racistas e fascistas, que ficaram claros em um manifesto de 74 páginas que foi publicado em um chan. Mas a ProPublica mostra que essas ideias não estão restritas a postagens desses fóruns algo obscuros: estão em algumas das redes sociais mais populares. Como o YouTube, onde nos últimos quatro meses um usuário postou mais de 100 vídeos defendendo as mesmas ideias, e atraiu mais de meio milhão de visualizações. Na matéria, pesquisadores contam que o YouTube adotou historicamente uma abordagem “hands-off, laissez faire” para esse tipo de conteúdo, focando principalmente em erradicar insultos explícitos ou ameaças. Só que os supremacistas brancos mascaram esses insultos e se perpetuam no ar. Então, temos canais de supremacia branca em funcionamento há mais de 10 anos.

BARGANHA

Uma reportagem de Nicholas Casey no New York Times faz uma grave acusação ao governo venezuelano, e envolve saúde e Cuba. O jornalista ouviu 16 membros das missões médicas cubanas na Venezuela, que descreveram “um sistema de manipulação política deliberada em que os serviços foram utilizados para garantir os votos do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), muitas vezes coercivamente”. Segundo os médicos, eles foram orientados a negar tratamento a simpatizantes da oposição e chegaram a receber ordem de ir de porta em porta, nos bairros pobres, para oferecer remédios e alertar os moradores que o acesso aos serviços de saúde seriam cortados caso não votassem em Maduro e em seus candidatos. Alguns entrevistados quiseram ficar anônimos, outros não. 

COMPRAR CRIANÇAS, DE QUALQUER JEITO

Neste fim de semana a Folha traduziu uma matéria importante do News York Times sobre como a indústria do tabaco viciou crianças em bebidas açucaradas. É que, há algumas décadas, gigantes como a Philip Morris compraram marcas emblemáticas dos EUA. E, proibidos de fazer propaganda de cigarros para crianças, começaram a usar todo o seu conhecimento em marketing, em sabores e cores, para direcionar os pequenos para o consumo de suquinhos em pó. Pesquisadores estão mergulhando em um arquivo de documentos internos e mostrando estratégias bem sórdidas. O arquivo é conhecido como Truth Tobacco Industry Documents e foi criado como parte de um acordo extrajudicial entre as empresas de tabaco e a Justiça de diversos estados americanos, que buscam ressarcimento de custos de saúde pública associados ao fumo. Os detalhes sobre a publicidade infantil vieram na mesma leva, e um relatório foi publicado no BMJ na última quinta. 

Aqui no Brasil, o produto mais conhecido é o Tang, lançado nos anos 1950 mas que estava meio morto até 1996, quando foi para a Philip Morris. A mesma empresa já controlava o Kool-Aid e tinha decidido diminuir a publicidade voltada para mães e aumentar generosamente a que mirava crianças. Fez até um programa de fidelidade para o Kool-Aid, em parceria com fabricantes de brinquedos como Nintendo e Mattel. Hoje, as empresas de cigarros não controlam mais marcas de bebidas, mas especialistas apontam o quanto suas ações contribuíram para a epidemia de obesidade nos EUA. 

FEZES EM DEBATE

A coisa ainda é pouco conhecida, mas já comentamos aqui sobre transplantes de microbiota fecal (vulgo transplante de fezes), que têm tido relevância para tratar certos problemas intestinais. O Estadão republicou uma matéria do New York Times que discute como isso deve se tornar um negócio de centenas de milhões de dólares – e como o olho grande da indústria pode prejudicar milhares de vidas. Há potencial desse tipo de transplante para tratar de diabetes a câncer, mas o que está no centro do debate neste momento é o tratamento da Clostridioides difficile, uma infecção bacteriana que debilita o organismo que em geral é pega em hospitais. Só nos EUA, ela afeta anualmente 500 mil pessoas, e mata 30 mil. 

A questão é: o transplante precisa ser classificado e regulamentado pela FDA (a Anvisa dos EUA). Deve ser classificado como droga ou em uma nova categoria, mais próxima da de hemoderivados? Por enquanto, o projeto é para regulamentar como droga. Mas é aí que os críticos apontam problemas. Isso pode permitir que uma empresa ganhe o direito exclusivo de vender o tratamento, e os preços devem subir. Hoje, o transplante tem sido feito muitas vezes em casa, por pacientes desesperados. Em 80% dos casos, funciona, e por vezes tira as pessoas da beira da morte. 

PACIENTES SEM DOENÇA

Em coluna na Folha, Drauzio Varella critica a pressão – bem-sucedida – da indústria farmacêutica para medicar pessoas que não estão doentes. O mote é um artigo de Charles PillerMar, na Science, sobre a tal pré-diabetes. Menos de 20% dos pré-diabéticos de fato evoluem para a diabetes nos dez anos seguintes ao diagnóstico e, no entanto, já são medicados. Hoje, a indústria investe pesado em desenvolver pelo menos dez drogas novas para isso. Algumas são prescritas mesmo sem aprovação das agências reguladoras. Segundo a American Diabetes Association, é perda de tempo e dinheiro investir em programas dirigidos à perda de peso e mudanças no estilo de vida, e é mais garantido prescrever remédios… Mas PillerMar adverte que as empresas a influenciam por meio de vultosas doações, assim como fazem com médicos formadores de opinião e os que participam da elaboração de consensos da especialidade. 

SÓ MULHERES

Mulheres lésbicas (ou bissexuais se relacionando com mulheres) podem ter a sensação de que não vão pegar nenhuma doença sexualmente transmissível, e faz sentido porque não se fala muito disso. A matéria do Globo lembra que, nas consultas ginecológicas, em geral o foco são métodos contraceptivos e relações que envolvem penetração. E não só nas consultas: ainda não há métodos de prevenção com eficácia comprovada para relações sem penetração. O que á grave, porque doenças como a sífilis, por exemplo, podem ser transmitida no sexo entre mulheres.

PREOCUPAÇÃO NA PREP

A medicação diária que previne o HIV – conhecida como Prep – foi incluída há pouco um ano no SUS. Seu uso vem levantando alguns questionamentos (como a possibilidade de que o preservativo seja deixado de lado e outras doenças aumentem, ou ainda o fato de que, no SUS, a distribuição para grupos específicos volta a colocar a noção de ‘grupos de risco’ como central), mas a eficácia da pílula na prevenção chega a quase 100%, Só que, embora o uso por homens gays seja alto (82,7% dos usuários são gays ou homens que fazem sexo com homens em geral), especialistas estão preocupados porque só 3,2% são mulheres trans e 0,2% são homens trans. E entre os transexuais a prevalência de HIV é justamente a maior: o índice é de 31,2%, contra 10,5% em gays e 0,4% na população em geral. Há outros problemas. A maior parte dos usuários é branca e com mais de 12 anos de escolaridade, o que mostra que falta chegar na população mais jovem e periférica. 

A CARTA

No próximo dia 25 vai ser lançado A Carta – para entender a Constituição Brasileira, organizado pelos economistas Naercio Menezes Filho (Insper) e André Portela Souza (FGV). Não tivemos acesso ao texto mas, pelas resenhas da Folha e do Estadão, apesar de citar qualidades, o livro também critica a ênfase nas políticas públicas constitucionalizadas, “aspecto que já fazia da Carta brasileira uma exceção no mundo há 30 anos e ajuda a explicar a atual crise fiscal” (Folha). “É uma Constituição que não cabe no PIB”, segundo Menezes Filho. 

No capítulo específico sobre saúde, porém, estão as evidências de que a ampliação do acesso contribuiu para avanços como a queda de 70% na mortalidade infantil

ERAM OS DEUSES CANNABISTAS?

Em São Paulo, um pároco criou um curso sobre cannabis medicinal com a Unifesp.  “A cannabis é fantástica. Serve para tratar várias doenças, e isso está provado no mundo todo. No Brasil só é crime porque os grandes grupos querem ter o monopólio disso. Quando legalizar a maconha, eles já terão todo o know-how”, disse à Rede Brasil Atual o Padre Ticão. “Não vou dizer que Deus é maconheiro, eu realmente não sei. Mas com certeza ele é cannabista”.

MAIS PICs

O uso das práticas integrativas e complementares (como homeopatia, fitoterapia e acupuntura) aumentou 126% entre 2017 e 2018. No caso de práticas coletivas (yoga, tai chi chuan), o aumento foi de 46%. No ano passado o Ministério da Saúde deu bem o que falar quando aumentou o rol de práticas integrativas e complementares oferecidas pelo SUS, de 15 para 29. A questão é que boa parte dessas práticas não tem evidências científicas que as corroborem.  

FALIDOS

Mais uma reportagem sobre como americanos se endividam para pagar custos com saúde, agora na Atlantic: 60% das pessoas que declararam falência afirmam que despesas médicas contribuíram “muito” ou “de alguma forma” para sua situação. 

BARRAGENS

Em Ubajara, no Ceará, pelo menos dois mil moradores do entorno da barragem de Granjeiro foram retiradas de casa no sábado à noite devido ao risco de rompimento da represa. O alerta havia sido feito pela Defesa Civil no dia 11.

E em Rio Preto (MG), 29 pessoas que moram perto da Pequena Central Hidrelétrica Mello, da Vale, foram obrigadas a se retirar na manhã do mesmo sábado, pelo risco elevado da barragem.

O rompimento em Brumadinho completou 50 dias na sexta, e a data foi marcada por uma audiência pública na Câmara Municipal. Um documentário que promete dar voz aos atingidos vai ser lançado na primeira semana de abril. Chama-se Lama

SEGUE CONTAMINANDO

Faz meio século que os EUA despejaram milhões de litros de herbicidas na selva vietnamita, onde se escondiam comunistas – e onde estavam plantações de alimentos. O mais usado foi o agente laranja. E até hoje há resíduos tóxicos dele, no solo e em sedimentos.

PRISÕES 

A secretária de administração da Paraíba, Livânia Farias, foi presa neste sábado pela Operação Calvário, que mira um esquema de fraudes que envolve R$ 1,1 bilhão em contratos da Saúde.  Também foi decretada a prisão do dirigente da Cruz Vermelha, sede do Rio Grande do Sul, Daniel Gomes.

NO PODER

O presidente tem encontro marcado com Trump amanhã. Embarcou ontem, com Moro e Paulo Guedes.

Uma matéria da revista liberal Economist (traduzida no Estadão) questiona o uso das redes sociais por Bolsonaro, partindo do constrangedor episódio do golden shower. A avaliação da jornalista é que o presidente brasileiro precisa ainda mais dessas redes do que Trump, já que não fez muitos “comícios estridentes”, evita aparecer na TV, enfim, basicamente alcança os brasileiros via smartphones. Só que usa as redes mais para saudar apoiadores do que para informá-los. Até porque, quando ele menciona reformas, os apoiadores criticam.

Enquanto isso, Morris Kachani, do Estadão, entrevistou Haddad

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