Coronavírus no Brasil: e agora?

Após anunciar confirmação do primeiro caso, ministro reconhece a possibilidade de que outros tenham sido erroneamente descartados. Leia também: dezenas de pessoas liberadas da quarentena no Japão apresentam sintomas

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Por Raquel Torres

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O caso foi relatado pelo Hospital Albert Einstein na terça-feira e o diagnóstico positivo foi adiantado pelo Estadão no mesmo dia, antes mesmo do registro oficial do Ministério da Saúde, anunciado ontem de manhã: o coronavírus chegou ao Brasil. O paciente tem 61 anos, foi diagnosticado em São Paulo após procurar o hospital com sintomas como febre, tosse e dor de garganta. Agora já está bem e  em isolamento domiciliar. Trata-se do primeiro caso na América do Sul e, no Brasil, há outros 20 casos suspeitos.

Apesar de dizer que já se esperava a circulação da doença por aqui, o ministro Luiz Henrique Mandetta fez uma fala tranquilizadora reforçando que ainda não estamos no inverno, diferentemente de outros países com transmissão. “É mais um tipo de gripe que a humanidade vai ter que atravessar. Das gripes históricas com letalidade maior, o coronavírus se comporta à menor e tem transmissibilidade similar a determinadas gripes que a humanidade já superou”, declarou.

O governo está em fase final de compra de máscaras e luvas e tenta correr para conseguir comprar imonuglobulina, usada para amenizar os efeitos de infecções — é preciso aguardar o aval da Anvisa para importá-la da China e da Coreia do Sul. Também está em análise a contratação de mil leitos em hospitais privados, anunciada ainda em janeiro.

OS RISCOS

O brasileiro diagnosticado havia viajado recentemente para a Itália e desembarcado no Brasil no dia 21. Aliás, na coletiva de imprensa em que o anúncio foi feito, o ministro Mandetta criticou a lentidão do país europeu para informar sobre o avanço da doença. A Itália registrou alta de mortes no domingo (o número chegou a 12 ontem) e o governo isolou algumas cidades em seguida. Então, só na segunda o Brasil passou a avaliar com mais cuidado os passageiros vindos de lá (além da Itália, na segunda-feira entraram nessa lista Alemanha,  França, Austrália, Filipinas, Malásia, Irã e Emirados Árabes). O ministro brasileiro ressaltou que a doença só foi identificada aqui porque a Itália foi inserida na lista de alerta, e que, dias antes, a hipótese da doença teria sido descartada. Ou seja: podem ter sido erroneamente descartados casos de brasileiros que procuraram serviços de saúde com sintomas, mas que não haviam visitado países da lista de alerta. “Tudo é possível”, disse Mandetta.

O governo brasileiro defende que sejam incluídas nessa lista todas as nações que tenham registro de infecção, e não só os que tenham transmissão interna (ou seja, contando também os casos importados). Mandetta ainda pediu que a OMS considere o avanço da doença como uma pandemia — seria o reconhecimento de que ela não está restrita a uma região, e permitiria ampliar a lista de alerta. Hoje, a OMS classifica o Covid-19 como emergência global, colocando em alerta apenas países onde haja transmissão “consistente”, ou seja, com mais de cinco infecções transmitidas dentro no território. Pela proposta de Mandetta, entrariam na lista, por exemplo, os EUA, onde há mais de 50 casos confirmados, mas apenas uma transmissão interna.

A OMS discorda.Não devemos ficar muito ansiosos em declarar uma pandemia sem uma análise cuidadosa e lúcida dos fatos”, afirmou ontem o diretor-geral da Organização, Tedros Ghebreyesus.

O paciente brasileiro chegou ao Brasil no dia 21 e não usou transporte público desde então, mas, no dia 23, teve um encontro de família com cerca de 30 parentes. Estima-se que cada infectado transmita a doença para mais três pessoas, de modo que todos os familiares do homem estão sob monitoramento da vigilância sanitária. Segundo Mandetta, também vão ser contatados 16 pessoas que estiveram no mesmo avião que o paciente, nas fileiras da frente ou ao lado.

E, em São Paulo, o governo do estado decidiu criar um centro de contingência para monitorar e coordenar ações contra a propagação. O centro vai ser dirigido pelo infectologista David Uip e composto por profissionais do Instituto Butantan e médicos das redes pública e privada. Também foram definidos os hospitais de referência para os casos graves, com mil leitos destinados a eles.

Na capital, farmácias já está sem máscaras cirúrgicas — e a matéria do Estadão deixa os leitores com vontade de usar também, indicando preços, locais em São Paulo onde ainda há estoques e depoimentos como o de uma moça que comprou máscaras por indicação de uma “amiga médica”. Mas é sempre bom lembrar: a OMS só indica o uso de máscaras por quem está infectado e por quem cuida dos pacientes. Não há nenhuma evidência de que o uso indiscriminado diminua a transmissão.

Aliás, na África do Sul a falta de máscaras se tornou um problemão. É que elas são usadas para proteger trabalhadores de saúde da tuberculose (que é a maior causa de morte no país), mas tem havido atrasos na importação porque os fabricantes não estão dando conta.

ISOLADOS E LIBERADOS

A confirmação do primeiro caso brasileiro veio logo depois que os 58 brasileiros resgatados de Wuhan, na China, foram liberados da quarentena. O fim do isolamento chegou no domingo e teve até uma cerimônia. Todos passaram por duas baterias de exames, que deram resultado negativo.

Já no Japão, dezenas de pessoas que receberam autorização para desembarcar do cruzeiro Diamond Princess, após apresentarem resultados negativos em exames, acabaram desenvolvendo sintomas do coronavírus e devem fazer novos testes. Segundo o ministério da Saúde japonês, “vários” estão efetivamente contaminados e “45 pessoas tinham certos sintomas”. O governo já contactou 813 ex-passageiros para monitoramento.

E cientistas vêm analisando a possibilidade de que o período de incubação do coronavírus seja maior dos que os 14 dias tidos como certos até o momento. Se confirmada, a suspeita desmonta os atuais critérios de quarentena.

Nos EUA, cientistas começaram a fazer ensaios clínicos para testar o medicamento antiviral remdesivir, da Gilead Sciences. O médico brasileiro André Kalil vai lidrerar o estudo, e o primeiro participante é um americano que foi repatriado após a quarentena do Diamond Princess. Ao mesmo tempo, a empresa de biotecologia Moderna enviou ao Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA uma vacina experimental.

PELO MUNDO

A OMS contabilizou ontem, ao todo, 78.190 casos na China, com 2.718 mortos. Fora de lá houve 44 mortes, com casos em 41 países. Embora este número absoluto seja pequeno, o rápido aumento é preocupante: na terça-feira, pela primeira vez, mais casos novos foram reportados fora do país do que dentro dele: 427 em outros países, contra 411 na China. O Irã já é o segundo país com o maior número de mortes, somando 19 em 139 casos registrados. Um dos pacientes infectados é o vice-ministro de Saúde, Iraj Harirsh. A Itália é o principal foco na Europa, e já foram mais de 400 casos, com 12 mortes. O continente africano registrou na terça seu segundo caso, na Argélia.  A Espanha registrou 10 novos casos em pouco mais de 36 horas, e a França divulgou a morte do primeiro francês por conta da doença.

Há um certo caos nos EUA no que se refere ao diagnóstico do coronavírus, e especialistas estão desconfiados de que o número relativamente pequeno de casos registrados por lá até agora seja, na verdade, uma limitação no número de testes — e não da propagação do vírus. Comparando: a Coreia do Sul fez mais de 35 mil testes e os EUA fizeram pouco mais de 400, não incluindo pessoas que retornaram em voos especiais de evacuação. “Apenas uma dezena de laboratórios municipais e estaduais podem atualmente realizar testes além dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta, porque os kits do enviados pelo CDC para todo o país há uma semana e meia incluíram um componente errado”, esclarece a matéria do Washington Post traduzida no Estadão. E prossegue: “O que os assusta mais é que o vírus começa a se disseminar localmente em países fora da China, mas ninguém sabe se este seria o caso nos Estados Unidos porque aquelas pessoas não foram examinadas”. 

E uma observação: você deve estar lendo nomes diferentes para designar o “novo coronavírus”. Os oficiais são os seguintes: Covid-19 (que se refere à doença) e SARS-CoV-2 (que se refere ao vírus).

PONTO, CONTRAPONTO

Como temos comentado por aqui, a esperança de muitos pesquisadores é a de que as informações sobre a letalidade do coronavírus esteja sendo exagerada, porque casos leves provavelmente estariam deixando de ser notificados. Mas, na terça, um especialista da OMS sugeriu que isso não parece estar acontecendo. Bruce Aylward liderou uma missão internacional na China para e disse que não foram encontradas evidências de subnotificação.

A fala não foi pacificamente aceita. “Existem casos leves que não são detectados. É por isso que o vírus está se espalhando. Caso contrário, não estaria se espalhando porque saberíamos onde estão esses casos, eles estariam contidos e seria o fim [da epidemia]”, disse ao Stat Gary Kobinger, diretor do Centro de Pesquisa de Doenças Infecciosas da Universidade Laval, em Quebec.

ANTI-CONGRESSO

Certamente todos viram as notícias sobre o vídeo compartilhado via WhatsApp por Jair Bolsonaro, convocando a população para um ato no dia 15 de março que está sendo puxado por movimentos contra o Congresso Nacional. “Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil”, diz a narração do vídeo. Ontem, o presidente disse no Twitter que “troca mensagens de cunho pessoal, de forma reservada” no celular, e que “qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”. Para especiailstas em Direito Constitucional ouvidos pela BBC, a desculpa não cola: “Ele é o presidente da República. Se ele fala com amigos, ministros e políticos convocando para um ato contra o Legislativo, não está na esfera da privacidade, da intimidade, é algo evidentemente de caráter público (…) Se ele está tramando na sua privacidade um golpe contra o Congresso, isso não é protegido pelo direito à privacidade”, afirma Estefânia Barbosa, professora de Direito Constitucional da UFPR.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência publicou uma nota em defesa da democracia e da Constituição, “em particular diante da iniciativa do mais alto dignitário da Nação de apoiar a convocação de atos políticos contra o Congresso Nacional, o que, uma vez confirmado, se caracterizaria como crime de responsabilidade”. A nota foi endossada pela Abrasco.

ENTRE MAIS VELHOS

Um estudo feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iorque, publicado esta semana na JAMA Internal Medicine, mostrou que nos EUA a propoção de pessoas com 65 anos ou mais que relataram usar maconha quase dobrou em três anos: aumentou de 2,4% em 2015 para 4,2% em 2018. E, em 2006, eram apenas 0,4%. “O uso de cannabis era muito estigmatizado no passado, mas agora temos todas essas novas leis aprovando o uso medicinal de cannabis, então as pessoas estão curiosas para ver se é algo que pode ser usado para tratar suas doenças crônicas”, diz Benjamin Han, um dos autores, no Stat. De acordo com ele, é importante que os profissionais de saúde estejam cientes desse aumento. Isso porque os idosos são especialmente vulneráveis aos possíveis efeitos colaterais ou outros danos causados pela droga.

PÕE NO RÓTULO

A Colômbia se prepara apra mudar o seu modelo de rótulo nutricional de comidas ultraprocessadas. Segundo a proposta do governo, a exemplo do que ocorre no Chile, a indústria vai ser obrigada a estampar selos de advertências em produtos com excesso de açúcar, sal e gordura. Depois de publicada a medida, vai haver um prazo de adaptação de 18 meses. Espera-se que o novo modelo  comece a valer em 2022.

ESTÁ DE VOLTAsuy

O Tribunal Constitucional alemão determinou ontem o retorno da possibilidade do suicídio assistido no país, determinando a inconstitucionalidade de um artigo do Código Penal que o proibia desde 2017. Agora, os médicos vão poder conversar com pacientes sobre essa possibilidade e prescrever medicamentos letais — ainda que não administrá-los.

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