Covid: Por que não buscá-la nos esgotos?

Amostras de águas residuais revelam traços de doenças que podem ser usadas para rastrear e monitorar o coronavírus. Nelas, é possível prever surtos e identificar novas variantes – além de detectar os vírus candidatos às futuras pandemias

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Preocupado com o surgimento de bactérias ultrarresistentes a antibióticos, o microbiologista norte-americano Issmat Kassem vinha rastreando a maior ameaça conhecida, nesse campo: um gene de resistência compartilhado por diversos micróbios, e que pode inutilizar a última proteção dos medicamentos contra as doenças. Nos EUA, o gene maléfico foi encontrado em pacientes nos estados norte-americanos de Connecticut, Michigan, Nova Jersey, Nova York e no estado de Washington. Como não havia conexão entre eles, a fonte de infecção era um mistério. Então Kassen resolveu colher amostras de esgoto bruto em uma cidade de médio porte, e logo encontrou a carga genética presente em uma bactéria ambiental comum – e descobriu, assim, um inimigo potencialmente mortal.

A técnica funciona: tanto que no Missouri, a primeira ocorrência de delta foi detectada desse jeito. Ou seja, por um regime de amostragem e mapeamento de esgoto administrado pela Universidade de Missouri, que cobre cerca de 70% do estado. Assim também, em Nova York, microbiologistas identificaram a ômicron quatro dias antes de sua existência ser anunciada por cientistas sul-africanos e 10 dias antes do primeiro caso reconhecido na cidade. A vigilância através das águas residuais se mostra como uma verdadeira promessa para aumentar o escopo de rastreamento não só da covid, mas também de possíveis novas variantes e até patógenos desconhecidos e candidatos a futuras pandemias

A tática não é nova. Foi utilizada em 1854, em Londres, para a busca da origem de um surto de cólera; em Israel, em 1989, para detectar se a pólio havia sido eliminada na região; e também em solo estadunidense para buscar o foco de uma epidemia de mortes por overdose de ópio. Agora, há mais de 18 meses, a técnica de Kassen vem sendo usada em águas residuais em tratamento de diversos estados do país para monitorar a pandemia de covid.

Na reportagem da revista Wired, pesquisadores explicam como a amostragem de esgoto pode detectar a presença de um patógeno, independente de a infecção ter sido percebida ou não pelo sistema de saúde – então, a cobertura abrange inclusive aquelas pessoas que não possuem seguro. E, no caso da Sars-CoV-2, ela pode ser detectada precocemente, antes que os pacientes comecem a superlotar os hospitais.

O monitoramento, que partiu de administrações locais, alçado por prefeitos, câmaras municipais e órgãos de tratamento de esgoto, chegou a universidades e institutos de pesquisa, como na Universidade da Califórnia, que passou a cobrir conjuntos de pequenas cidades do estado. Grandes municípios como Nova York também passaram a permitir que cientistas examinassem amostras de suas estações de tratamento de água. Agora, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças do país acaba de lançar um painel de dados nacionais que informam os dados do rastreamento do coronavírus, embora pesquisadores alertem que ainda há uma grande extensão do país descoberta.

No Brasil, o mapeamento da doença pelo esgoto é realizado em uma ação coordenada pela ANA (Agência Nacional das Águas), mas cobre apenas seis capitais: Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro O principal entrave, aqui, é que milhares são excluídos do saneamento – mas não deixa de ser mais uma ferramenta que colabora para suprir o caos da subnotificação de casos e falta de testes no país.

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